Novos tempos para Carla Cottini

por Luciana Medeiros 12/05/2025

Os últimos anos foram de glória e de tormento para a soprano Carla Cottini, que esteve em cartaz ao longo da última semana no Theatro Municipal de São Paulo como a Zerlina de Don Giovanni, de Mozart. Essa moça miúda e bonita, que estreou na música no musical My Fair Lady, em 2007, e optou pelo desenvolvimento da carreira lírica – com sucesso –, teve de reconsiderar toda a sua vida profissional a partir de uma temida cirurgia nas pregas vocais, ao mesmo tempo em que desembarcava no papel de mãe de Sofia, sua primeira filha. Também abriu uma nova frente: fez formação psicanalítica e se engajou em uma organização musical que milita pela causa ambiental.

“Minhas mudanças internas são tão grandes que, às vezes, nem me sinto a Carla de antes”, ela conta. Descendente de italianos, “gente que fala muito alto o tempo todo”, tinha consciência, desde o início da carreira, dessa possível dificuldade técnica causada pelo esforço. “Minha mãe e meu irmão também têm a mesma lesão”, diz. O trabalho de fonoaudiologia foi intenso até que, em 2019, cantando Rigoletto, em São Paulo, percebeu que não seria mais possível adiar a cirurgia. “O medo de cantar provocava ansiedade que piorava o medo e a performance sofria.” A intervenção foi feita em Berlim, onde ela mora desde 2019.

É muito assustador. Mas assim que fui liberada para falar, fiz a descoberta de uma emissão sem dificuldades. Aos poucos, voltei a cantar, retreinando todo o equipamento vocal que insistia em fazer o antigo esforço desmedido. Há um ano e meio, minha voz finalmente nasceu

Para um cantor, perder a voz – mesmo temporariamente – significa abrir mão de todo o seu horizonte profissional. “É muito assustador. Mas assim que fui liberada para falar, fiz a descoberta de uma emissão sem dificuldades. Aos poucos, voltei a cantar, retreinando todo o equipamento vocal que insistia em fazer o antigo esforço desmedido. Há um ano e meio, minha voz finalmente nasceu. Estou felicíssima por falar com saúde. E Mozart, afinal exige toda a sua integridade técnica.”

E o convite para Don Giovanni veio despertar o desejo de explorar também a voz falada em cena. “Amo os recitativos. Fiquei muito interessada em criar um espetáculo em que eu fale e cante.” Seu interesse no repertório brasileiro continua intenso. “Meu duo com o pianista Ricardo Ballestero segue a todo vapor, com a perspectiva próxima de gravar um repertório brasileiro muito especial. Adoraria que a música de câmara tivesse mais espaço nos palcos brasileiros.”

A ajuda de terapia com estados alterados de consciência desencadeou na soprano o desejo de mergulhar na formação psicanalítica, que ela termina nesse semestre. “Já faço atendimento voluntário no Centro de Estudos Psicanalíticos." Carla também está engajada no trabalho com a Orchester des Wandels (em português, “orquestra da mudança”), dedicada a alavancar a consciência ambiental e que tem, entre seus vários projetos, o Araponga – replantando e restaurando espécies de árvores fundamentais para a construção de instrumentos. 

Seus próximos compromissos são a performance das Bachianas brasileiras em Essen e em Wuppertal, o recital DUAS – com a pianista ítalo-americana Elenora Pertz – em Brandemburgo, e a ópera de abertura do Festival de Música do Espírito Santo, inédita. “E estudando muito, cheia de entusiasmo por novos papeis”, encerra.

A soprano Carla Cottini [Divulgação]
A soprano Carla Cottini [Divulgação]

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.