Conexão francesa

por João Luiz Sampaio 01/08/2019

Festival Baroque in Rio celebra mais de trinta anos de parcerias entre artistas do Brasil e da França

Tudo começou com uma constatação de Alain Bourdon, diretor do Instituto Francês no Brasil. Há um bom tempo, artistas brasileiros e franceses vinham colaborando no campo da música barroca. Era uma base sólida, mas pautada por eventos pontuais. E se, então, um festival “congregasse essas energias”, sendo uma “caixa de ressonância desse diálogo deixado até hoje meio na surdina”? Estava lançada a proposta do Baroque in Rio, que acontece entre os dias 30 de agosto e 2 de setembro em diferentes palcos da cidade, com direção artística de Rosana Lanzelotte e Olivier Baumont.

Cravista e pesquisadora, Lanzelotte nos ajuda a compreender as origens dessa colaboração. Para tanto, volta ao fim dos anos 1980, mais precisamente a 1987. “Foi quando surgiram os ateliês de música antiga no Rio de Janeiro, com uma relação próxima com a França, que então discutia bastante a questão da renovação do estilo. E a colaboração foi se estreitando com o tempo. Olivier Baumont esteve por aqui pela primeira vez em 1998, na série Música das Igrejas. Em 2005, fizemos o caminho inverso, indo para a França com uma série de apresentações. Enfim, o festival, que se pretende anual, quer tornar ainda mais regulares essas colaborações”, explica.

Nesta primeira edição, serão quatro programas diferentes. No dia 30, na Sala Cecília Meireles, acontece o espetáculo Bach, Bach, Bach, com concertos para dois e quatro cravos do compositor. Participam Baumont, Lanzelotte, Marcelo Fagerlande e Cristiano Gaudio, além do Quinteto Fantástico, liderado pelo violinista Fernando Prazeres. Julien Chauvin, violinista e regente, criador do grupo Le Concert de la Loge (que já esteve no Brasil acompanhando o contratenor Philippe Jaroussky), faz participação especial.

Chauvin também toca no dia 31, no Concerto francês, ao lado de Baumont, Christine Plubeau (viola da gamba), Jeanne Zaepfell (soprano) e Cristiano Gaudio (cravo). A apresentação, na Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, tem obras de Lambert, Marais, Forqueray, Leclair e Rameau. E é Chauvin quem rege, no dia 1º de setembro, o espetáculo A música para o novo reino, à frente da Orquestra da UniRio, em obras de Sigismund von Neukomm (Abertura 1819), padre José Maurício Nunes Garcia (Abertura Zemira) e Mozart (Sinfonia nº 41, Júpiter).

Julien Chauvin, Rosana Lanzelotte, Olivier Baumont,  Jeanne Zaepfell, Cristiano Gaudio e Christine Plubeau [Divulgação / Pedro Paulo Koellreuter]
Julien Chauvin, Rosana Lanzelotte, Olivier Baumont,  Jeanne Zaepfell, Cristiano Gaudio e Christine Plubeau [Divulgação / Pedro Paulo Koellreuter]

“Esse programa nasce da vontade de mostrar o diálogo da música francesa com a produção brasileira. Será a estreia moderna da Abertura de Neukomm, que a escreveu para celebrar o primeiro embaixador francês, o duque de Luxemburgo, que chegou por aqui há duzentos anos, depois de o Brasil ser elevado à categoria de reino, em 1816”, explica Lanzelotte. “Neukomm também foi amigo de padre José Maurício e o introdutor no Brasil da cultura clássica vienense. Ainda que obras de Haydn já fossem tocadas no país, foi ele que impulsionou de fato a prática da linguagem sinfônica, por exemplo. E que trouxe a música de Mozart para o Rio de Janeiro, quando organizou com José Maurício a apresentação do Réquiem do compositor”, completa.

Lanzelotte, em seu trabalho à frente do Musica Brasilis, projeto de resgate do conhecimento sobre a história da música brasileira e de edição e digitalização de partituras, tem sido responsável por oferecer uma apreciação mais completa de Neukomm para a música brasileira. “O Brasil vivia mais ligado à tradição musical italiana até a chegada dele. E, além de sua contribuição como autor, é importantíssima sua influência sobre alunos que teriam papel fundamental na vida musical brasileira, como Francisco Manuel da Silva”, explica. Em tempo: o Musica Brasilis inicia ainda neste ano um trabalho de digitalização de cerca de 5 mil partituras de autores como Carlos Gomes, Arthur Napoleão, Glauco Velásquez, Luciano Gallet e Francisco Braga.

O festival tem ainda a apresentação, no dia 2, na Maison de France, do filme O rei dança, de Gérard Corbiau, com comentários de Baumont e apresentação musical ao vivo. E oferece master class de Chauvin, além de um encontro com o projeto Uerê, na favela da Maré, no dia 29, com os músicos da Camerata Uerê.

De volta a 1987, como Lanzelotte acredita que a cena da música barroca no Brasil se transformou desde então? “Ganhamos muito em conhecimento e em experiência”, ela diz. “Quando você se dá conta de que Luís Otavio Santos é uma das crias daquele ateliê, percebe a importância do que era feito. Ele e Ricardo Kanji, hoje, oferecem leituras com um padrão de qualidade europeu desse repertório. E não só isso. Hoje há cursos nas universidades, há o núcleo de música antiga da Emesp. Tudo isso foi se desenvolvendo, de alguma forma, a partir daquele momento. Antes, você já tinha a Oficina de Música em Curitiba, com Roberto de Regina, mas com o tempo houve um alargamento para outras competências, como o violino, a dança. Esse intercâmbio com a França iniciado com aqueles ateliês extrapolou o Rio de Janeiro.” 


AGENDA
Baroque in Rio
Dia 30/8, Sala Cecília Meireles
Dia 31/8, Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro
Dia 1º/9, Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Dia 2/9, Teatro Maison de France