A vida de Antonin Dvorák

por Redação CONCERTO 01/09/2011

Tempos atrás – quando não havia universidades suficientes para aterrorizar os adolescentes na hora de escolher uma profissão –, a opção da ocupação profissional, em geral, era resolvida de maneira bem simples: herdava-se o trabalho do pai. Mas o que fazer quando o patriarca era, além de um habilidoso açougueiro, um estalajadeiro e um tocador de cítara? A resposta a ser dada para o rebento era clara: seja um açougueiro! Ainda bem que esta resposta não contentou o filho de František Dvorák que, inicialmente contra a vontade do pai, decidiu-se pelo caminho da música, tendo iniciado seus estudos de órgão no mesmo momento da vida em que aprendeu a manusear cutelos na pequena cidade de Nelahozeves, nas cercanias de Praga.

Antonín Dvorák (pronuncia-se “dvorjáak”, apesar de no Brasil imperar o hábito de se acentuar a vogal “o”) cresceu em um ambiente tenso. À época do Império Austro-Húngaro, a comunidade local estava subjugada ao trono Habsburgo, que não tinha intenções de uma abertura cultural e política. O clima de dominação social foi um dos principais combustíveis para o surgimento de toda uma geração de artistas nacionalistas, que emergiu na “periferia” da Europa, da qual Dvorák tornou-se um de seus mais destacados representantes musicais.

Antes de engrossar a brigada em prol da expressão cultural regional, o compositor engrossou o naipe das violas da orquestra do Teatro Provisório de Praga. Dvorák aprendeu a tocar viola e violino informalmente, em paralelo a uma sólida formação musical como organista e pianista na Escola de Organistas de Praga, na qual ingressou em 1857. Porém, foi no cotidiano como músico de fila quando conheceu o que havia de mais moderno no repertório, tendo travado contato direto com o compositor Bedrich Smetana (1824-84), regente da orquestra e pioneiro na questão do nacionalismo musical no Leste Europeu.

Para completar sua renda, começou a dar aulas particulares de piano; e foi como professor que veio a conhecer sua futura esposa. Primeiro, Dvorák se apaixonou pela bela Josefína Čermáková, que, no entanto, jamais retribuiu o afeto recebido. Capricho do destino, anos mais tarde, em 1873, se casaria com a irmã mais nova de dela, Anna, seguindo os mesmos passos de outro compositor, Mozart, que também se casou com a irmã da grande paixão de sua vida (Freud explica?). No mesmo ano, Dvorák tornou-se organista titular da igreja de São Adalberto, também em Praga, cargo que lhe garantiu rendimentos melhores e lhe permitiu largar a vida de músico de orquestra para se dedicar mais à composição.

A partir de então, várias de suas obras começaram a ser estreadas e a circular também pela capital do império, Viena, onde residia a nata da música de concerto e, naquele momento, cidade de gigantes como Gustav Mahler e Johannes Brahms. Junto com o crítico Eduard Hanslick, Brahms foi um dos grandes promotores da carreira do compositor em Viena, onde, a partir de 1877, Dvorák passou a viver graças a seguidos stipendien, uma espécie de bolsa não acadêmica conferida a artistas.

Nessa época, Dvorák já havia consolidado seus processos criativos e apostava na apropriação do cancioneiro regional popular e em sua “eruditização” como material para os tradicionais gêneros da música de concerto. Em seus quartetos de cordas e suas sinfonias, os pratos típicos da culinária sonora regional tcheca (tal como os impronunciáveis acepipes do entretítulo desta matéria) ganham um toque cosmopolita e universal. Porém, o passo decisivo em seu compromisso nacionalista veio com o sucesso da ópera Rusalka, estreada em 1901, na qual o compositor evoca um conto de fadas tcheco.

No fim do século XIX, a reputação de Dvorák já extravasava os limites do Velho Mundo, atravessando o Atlântico e repercutindo numa terra incognita para a maioria dos europeus de então: um lugar que atendia pelo nome de América.

Em 1892, Dvorák desembarca no porto de Nova York e dá início ao grande fluxo de músicos europeus que fariam dos Estados Unidos seu lar nas décadas seguintes. Atendendo ao convite da milionária Jeannette Thurber, o compositor passa a dirigir o hoje extinto National Conservatory of Music of America.

Paralelamente, o compositor manteve suas atividades criativas, embrenhando-se também pela cultura musical local. Por ironia, coube a um nacionalista tcheco ensinar aos norte-americanos que a identidade musical local estava ligada a suas origens indígenas e africanas. Foi a partir do contato com um de seus alunos que Dvorák descobriu os spirituals.

Utilizando-se de elementos do folclore norte-americano, escreveu várias composições que orientariam os yankees na busca por uma forma de expressão regional em suas salas de concertos. Duas de suas mais conhecidas obras na atualidade, a Sinfonia do novo mundo (título autoexplicativo) e seu quarteto de cordas nº 12, ou Quarteto americano, são justamente desse período.

Apesar da boa fase, Dvorák começou a reconsiderar a proposta da senhora Thurber. Sua reputação estava no ápice na Europa, onde tinha sido eleito membro da prestigiada Sociedade dos Amigos da Música de Viena. Tudo somado a uma provável saudade da terra natal, em 1895, Dvorák e sua família deixam em definitivo o Novo Mundo.

De volta, os Dvoráks tentaram se recuperar do frenesi urbano indo morar em uma residência no campo. Tal retiro só terminou pouco mais de um ano depois, quando o compositor fez sua última viagem à Londres. À época, Dvorák tinha segurança financeira e tempo para compor, o qual aproveitou para uma grande dedicação à música de câmara e à ópera. O ponto culminante de sua carreira ocorreu em 1901, quando o mestre foi escolhido para ser diretor do Conservatório de Praga e uma série de festejos por conta de seus 60 anos foi realizada.

Poucos anos depois, Dvorák morreria de insuficiência cardíaca, deixando como legado toda uma obra que seria referência para aqueles que queriam fazer da música de concerto e da ópera um veículo de expressão nacional.

Antonin Dvorák [Reprodução]
Antonin Dvorák [Reprodução]