Todos os cantos

por João Luiz Sampaio 01/10/2019

De barroco a Berlioz e a Debussy, mezzo soprano Eva Zaïcik inicia trajetória de sucesso

Eva Zaïcik descobriu o canto lírico durante um show de rock. Tudo bem, parece estranho. Mas nem tanto. Deixemos que ela mesmo conte.

“Eu sempre amei cantar e desde pequena fazia parte de um coral. Também cantava em uma banda de rock com meus amigos da escola. Um dia, ao fim de uma apresentação, a mãe de um colega me disse que eu tinha uma bela voz e que deveria buscar uma formação como cantora lírica. Então me inscrevi no conservatório da cidade.”

Ela o fez sem grandes convicções, é verdade. O objetivo, na época, seu “sonho”, era tornar-se médica. “Entrei na faculdade, mas, para conseguir esse feito, precisei estudar muito e abandonar todo o resto, inclusive a música. E, quando estava já no curso, me dei conta de que a música e o canto eram meu equilíbrio, minha felicidade. Então abandonei a medicina, para desespero da minha família.”

A escolha foi acertada, Zaïcik venceu no ano passado o Concurso Rainha Elisabeth da Bélgica. E, como uma das consequências do prêmio, faz neste mês uma turnê brasileira: canta em São Paulo, Florianópolis e Curitiba com o pianista Marco Bernardo e, em Manaus, com a Amazonas Filarmônica e o maestro Marcelo de Jesus.

Voltemos, porém, a sua história. Falávamos da decisão de abandonar a medicina. “E eu na verdade não tinha muito ideia do que estava fazendo. Comecei a estudar canto com 20 anos e mal sabia ler as notas. Fui estudar na Notre-Dame, de Paris, onde comecei a descobrir um universo musical incrível. E passei no Conservatório Superior de Música, onde pude completar minha formação como cantora. Abordei mais profundamente a ópera, as canções, descobri a dimensão cênica que ainda me faltava.”

Em um primeiro momento, o repertório barroco a fascinou. Chegou a criar um grupo, o Ensemble Lunaris, com voz e viola da gamba. “Foi o primeiro repertório que fiz e que me atraiu, ainda como estudante”, conta. “Eu me apaixonei de imediato. É uma música que toca diretamente o coração. É simples, sem grandes artifícios.”

Não por acaso, destinou seu primeiro álbum a esse repertório, ao lado de um conjunto liderado por Justin Taylor. E, antes disso, participou dos cursos de canto promovidos por Les Arts Florissants, experiência que lhe abriu a possibilidade de atuar ao lado de mestres como William Christie, Emmanuelle Haïm, René Jacobs e Philippe Herreweghe.

Eva Zaïcik [Divulgação / Victor Toussaint]
Eva Zaïcik [Divulgação / Victor Toussaint]

Ecletismo

No Brasil, no entanto, o repertório de suas apresentações a leva a outras paragens. Nos recitais com piano, canta o ciclo Les nuits d’étè, de Berlioz, canções de Debussy e trechos da ópera Carmen. Com a Amazonas Filarmônica, apenas a peça de Berlioz.

“O ciclo é um enorme desafio. As canções foram escritas para diferentes cantores e tipos de voz, então preveem uma tessitura ampla. Há nas peças uma variedade de coloridos absolutamente impressionante. A voz é tratada de forma simples, com uma economia de meios e uma intimidade quase barroca. É lírica e extremamente romântica”, explica a mezzo soprano de 32 anos.

Zaïcik chegou a contemplar a especialização no período barroco, mas chegou à conclusão de que o ecletismo de repertório tinha mais a ver com sua personalidade. “É algo que cultivo e me define. A cada oportunidade de explorar um novo repertório, me apaixono e mergulho fundo. Não gosto de rótulos. Para a evolução e a saúde de minha voz, preciso fazê-la viajar de uma época a outra. Assim permaneço maleável. E isso enriquece meu conhecimento e minha capacidade de interpretação.”

Para uma jovem cantora, a pergunta é inevitável: o que imagina para o futuro? “Quero fazer grandes óperas, mas também oratórios de Bach ou recitais de canções com piano ou pequenos conjuntos”, diz. “E sonho com grandes papéis, como Medea de Charpentier, Carmen de Bizet, Charlotte do Werther de Massenet, Judith no Castelo do Barba-Azul de Bartók. Já comecei a abordar alguns deles em versões para pequena orquestra. E espero o dia em que poderei cantá-los com grandes orquestras.”

No entanto, é ela quem faz a ressalva: tudo a seu tempo. Afinal, “chi va piano, va sano”. 


AGENDA
Eva Zaïcik – mezzo soprano
Marco Bernardo – piano
Dia 17, Teatro Pedro Ivo (Florianópolis, SC)
Dia 22, Auditório do Masp (São Paulo, SP)
Dia 24, Auditório Regina Casillo (Curitiba, PR)

Amazonas Filarmônica 
Marcelo de Jesus
– regente
Eva Zaïcik – mezzo soprano
Dia 31, Teatro Amazonas (Manaus, AM)