Concertos para violoncelo de Offenbach e Gulda; as sonatas para piano de Bomtempo – e as para flauta de Anna Bon di Venezia; um novo final para a ‘Sinfonia nº 10’ de Mahler; canções brasileiras; um disco com obras musicais do filósofo Vladimir Safatle; e um DVD com o maestro Riccardo Chailly e a Orquestra do Festival de Lucerna tocando Ravel: confira a seleção dos principais lançamentos de CDs do mês preparada pela Revista CONCERTO.
ANNA BON DI VENEZIA (1738-1767)
Sonatas para flauta op. 1
Vladimir Soares – flauta doce / Fabian Grosch – cravo
Lançamento Drama Musica. Importado. R$ 33,20
Nascido em Porto Alegre, o flautista Vladimir Soares estudou na Escola Superior de Música de Stuttgart, onde um crítico o apelidou de “Paganini da flauta doce”. A alcunha sugere enorme virtuosismo, mas o artista não está sozinho nesse trabalho, que em seu primeiro disco revela também profunda musicalidade ao resgatar obras da compositora Anna Bon di Venezia, que no século XVIII teve aulas de música no Ospedale de la Pietà, em Veneza, e esteve a serviço de Frederico de Brandenburg-Bayreuth. Suas sonatas foram dedicadas a ele, que era flautista, e revelam uma autora de rica inspiração. Soares trabalhou pessoalmente na transcrição das peças, escritas para flauta transversa e baixo contínuo, e o resultado é uma intimidade muito grande com as obras, que têm segredos e recantos marcantes que ele sabe revelar com desenvoltura ao lado do cravista Fabian Grosch. O disco integra uma série dedicada a dar visibilidade a músicos brasileiros que trabalham com música antiga e a compositoras esquecidas. No conceito e na interpretação, portanto, um trabalho marcante.
OFFENBACH E GULDA
Concertos para violoncelo
Edgar Moreau – violoncelo / Les Forces Majeures / Raphaël Merlin – violoncelo
Lançamento Warner Classics. Importado. R$ 75,60
Conhecido por suas operetas, Jacques Offenbach foi também violoncelista; por sua vez, pianista virtuose, Friedrich Gulda atuou ainda como compositor, mantendo como autor sua grande marca como intérprete: liberdade extrema e quebra de paradigmas. Para o maestro Raphaël Merlin, colocá-los lado a lado faz todo sentido: foram figuras que fugiram das convenções de sua época e que criaram duas obras originais para violoncelo e orquestra, que Merlin, violoncelista do Quarteto Ebène e regente do grupo Les Forces Majeures recria ao lado do violoncelista Edgar Moreau. São leituras empolgantes. Les Forces Majeurs é definido como “orquestra de cameristas”, o que fica evidente na gravação: a grandiosidade das obras se traduz por meio de uma atenção aos detalhes e de um diálogo muito próximo com o solista. E Moreau, de 24 anos, parece muito à vontade nesse contexto. Vencedor do Prêmio Rostropovich e segundo colocado no Concurso Tchaikovsky, é um dos principais nomes da nova geração do instrumento. E alguém a quem devemos prestar muita atenção.
BOMTEMPO
Complete Piano Sonatas
Luísa Tender – piano
Lançamento Grand Piano. Importado. 2 CDs. R$ 100,00
Recuperar a obra de João Domingos Bomtempo é voltar a uma época-chave da história de Portugal. Ele nasceu em Lisboa, pouco depois do terremoto que destruiu a cidade, já na era do marquês de Pombal, responsável pela reconstrução do país. Luísa Tender vai além: Bomtempo testemunhou as invasões napoleônicas, a mudança da família real para o Brasil, a guerra civil que se seguiu à morte de d. João VI, a independência brasileira proclamada por d. Pedro I e a implementação das ideias liberais em Portugal. Bomtempo viveu intensamente os estímulos de sua época. A atração pelas noções iluministas o aproximou das obras de Mozart e Beethoven, grandes influências em sua escrita para piano, recriada com maestria por Tender. A jovem intérprete, professora da Escola Superior de Artes de Lisboa e pesquisadora, é responsável por trazer à tona a riqueza e a variedade da escrita de Bomtempo, evidenciando sua relação com a música de sua época e, ao mesmo tempo, uma inspiração própria bastante especial.
MAHLER: SINFONIA Nº 10
Completada e arranjada para orquestra de câmara por Michelle Castelletti
Lapland Chamber Orchestra / John Storgards – regente
Lançamento BIS. Importado. R$ 86,60
Diz a maldição que qualquer compositor do século XIX que tentasse superar o número de sinfonias de Beethoven (nove) acabaria morrendo antes de concluir a décima. Aconteceu com Schubert; Schumann e Brahms nem tentaram; e Mahler tentou enganar o destino: depois da nona, escreveu a Canção da terra, obra de caráter sinfônico, mas não batizada como sinfonia. Não teve jeito, no entanto, e ele acabou não completando a Sinfonia nº 10, da qual deixou apenas o primeiro movimento. Com o tempo, autores se arriscaram na tarefa de completar a obra. Michelle Castelletti foi mais longe: além de terminar a sinfonia, criou para ela um arranjo para orquestra de câmara. Há precedentes históricos: no começo do século XX, Arnold Schönberg promoveu versões camerísticas das sinfonias de Mahler para que pudessem ser tocadas e ouvidas com mais frequência. Agora o arranjo de Castelletti e a interpretação da Lapland Chamber Orchestra, grupo finlandês criado nos anos 1970, se prestam a muitas e estimulantes audições.
MORENA, MORENA!
Canções da belle époque brasileira
Alberto Pacheco – tenor
Nicolas de Souza Barros – guitarra romântica e arranjos
Lançamento independente. Nacional. R$ 29,50
No fim do século XIX, o ciclo da borracha no Norte do Brasil trouxe ao país uma nova onda de prosperidade econômica – e a arte seguiu de perto esse período de efervescência, de olho no que se fazia na Europa. Um dos modelos trazidos foi o da belle époque parisiense. Essa influência é notada, por exemplo, na arquitetura, com a construção de teatros como o Municipal do Rio de Janeiro ou o Amazonas, em Manaus, e o Da Paz, em Belém. E também na música de autores como Luciano Gallet, João Gomes de Araújo, Francisco Braga, Chiquinha Gonzaga e a menos conhecida Luisa Leonardo, autora que o disco de Alberto Pacheco e Nicolas de Souza Barros redescobre por meio de faixas fascinantes, como Innocence e Canção de amor. É um trabalho de resgate histórico de um repertório e de uma época, mas também de um instrumento, a guitarra romântica, que no século XIX foi precursora do violão moderno. Isso leva a sonoridades inusitadas e que combinam de modo interessante com a voz, oferecendo leituras diferentes para canções como Morena, morena, de Gallet, ou As pombas, de Chiquinha Gonzaga, pérolas do cancioneiro brasileiro.
MÚSICAS DE SUPERFÍCIE – 1994-1998
Vladimir Safatle – piano / Fabiana Lian – voz
Lançamento independente. Nacional. R$ 33,20
Nos anos 1990, Vladimir Safatle e Fabiana Lian, ele estudante de filosofia, ela de música, se juntaram para gravar um disco batizado de Músicas de superfície. Eram canções ousadas, reinventando o universo erudito, com lirismo e introspecção que colocavam voz e piano como um único instrumento, mesmo quando a partitura parecia sugerir caminhos opostos para ambos. E isso foi feito subvertendo papéis em alguns momentos, com o piano, por exemplo, se ocupando das palavras, que são desconstruídas até se tornarem sons aparentemente sem sentido. As faixas ficaram guardadas. O tempo passou. Safatle é hoje um dos principais filósofos brasileiros, e Liana tornou-se produtora musical celebrada, responsável por turnês de grandes artistas pelo Brasil. No início deste ano, eles voltaram a tocar juntos. E, como um processo natural do reencontro, resolveram lançar o disco gravado entre 1994 e 1998. É uma redescoberta de um momento de invenção musical que entende a música como reflexo de ideias, como um interessante processo de reflexão e pensamento.
DVD RAVEL
Lucerne Festival Orchestra / Riccardo Chailly – regente
Lançamento Accentus Music. Importado. Região universal 0; 87 minutos. R$ 110,80
O italiano Riccardo Chailly é um dos maestros mais interessantes da atualidade. Associado à ópera (é diretor do Scala de Milão), fez também registros de excelência do repertório sinfônico, como suas integrais de Brahms e Beethoven ao lado da Orquestra do Gewandhaus de Leipzig. E nesse concerto ao vivo com a Orquestra do Festival de Lucerna mostra-se também um excelente intérprete da música francesa. A apresentação, gravada em agosto de 2018, é inteiramente dedicada a Ravel, com as Valsas nobres e sentimentais, La valse, Suítes sinfônicas nº 1 e nº 2 de Daphnis et Chloé e o famoso Bolero. São todas obras criadas para balés, e Chailly parece atento a esse detalhe, com leituras que recriam uma dramaticidade muito própria criada por Ravel. Talvez por isso ele seja capaz de fazer peças conhecidas como o Bolero soarem tão novas e uma vez mais originais. É a marca de um grande regente, em especial quando tem no palco uma orquestra formada por alguns dos melhores instrumentistas do mundo.
Todos os lançamentos estão disponíveis no site da Loja Clássicos; clique aqui.