Acervo CONCERTO: ‘La Bohème’, de Giacomo Puccini

por Redação CONCERTO 16/12/2024

Texto de Lauro Machado Coelho publicado na edição de agosto de 1998 na Revista CONCERTO

A morna acolhida a La Bohème, quando ela estreou no Teatro Argentina, de Roma, em 12 de fevereiro de 1896, não impediu que, com o passar dos anos, ela se tornasse a ópera mais popular de Puccini e uma das mais gravadas e representadas em todo o repertório operístico. Mas qual é a causa dessa popularidade? Em primeiro lugar, o excelente libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, felicíssima adaptação dos episódios autobiográficos narrados por Henri Murger em Scenes de la vie de bohème. O texto, sintético e equilibrado, joga com a oposição entre os frios dias do inverno e o fogo abrasador que emana dos jovens corações enamorados; contrapõe a paixão extrovertida e explosiva de Marcello e Musetta ao amor delicado mas igualmente tortuoso de Mimi e Rodolfo; manipula com habilidade os tons mais diversos, da farsa ao patético; e não deixa de lado os elementos virtuosísticos de uma cena de multidão como a do Quartier Latin. 

Além disso, as personagens secundárias não são meros comparsas. Todas elas têm vida própria, de Schaunard, com sua cômica história do papagaio do inglês, e Colline, com seu tocante sacrifício do velho casaco, a Alcindoro, a quem só resta uma conta astronômica a pagar (e um par de sapatos sem sua dona dentro). A Bohème é uma ópera verista pelo ambiente contemporâneo, as personagens reais e comuns, as situações prosaicas que evoca. Mas permanece romântica na idealização da pobreza dos estudantes e na exaltação do hino ao amor, de uma intensidade que só se conhece na juventude. No epílogo do livro de Murger, Marcello encontra-se com Rodolfo, um ano depois da morte de Mimi, e comenta melancolicamente: "Nosso tempo passou. A juventude só tem uma estação." La Bohème é a celebração dessa breve estação. 

Mas é sobretudo a incandescência da música de Puccini que lhe dá a capacidade de continuar, até hoje, seduzindo as plateias. Aos 36 anos, coberto de fama pelo sucesso da Manon Lescaut, ele soube encontrar no livro de Murger um tema de acordo com seu temperamento emotivo, erótico, melancólico, extremamente sensível à fragilidade feminina e aos pequenos dramas do quotidiano. Dramaturgo seguro, ele sabe perfeitamente o que iluminar e o que eliminar, para que não se percam a aura poética e a concentração sentimental. É admirável também a precisão com que ele seleciona os elementos de linguagem mais adequados a contar esse tipo de história. 

Além da inconfundível maneira de trabalhar com células melódicas diminutas, que maneja dinamicamente, com uma técnica "pontilhista" que prenuncia a dos impressionistas, ele utiliza um tipo de declamação que não recusa os vocalismos expansivos, mas preserva uma espontaneidade próxima dos ritmos naturais da fala (vejam por exemplo a originalidade do "altro di me non /e saprei narrar", quase falado, com que termina a ária Mi chiamano Mimi). Na noite de 12 /2/1896, ao erguer a batuta para estrear La Bohème, Arturo Toscanini estava abrindo uma porta para um mundo novo na história da lírica italiana.

Acervo CONCERTO Agosto de 1998

 

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