Acervo CONCERTO: A vida de Anton Bruckner

Texto de Camila Fresca publicado na edição de junho de 2012 da Revista CONCERTO

Mais velho de onze filhos, Anton Bruckner nasceu em 4 de setembro de 1824 em Ansfelden, na Áustria. Tendo vivido durante o período romântico, Bruckner era mais jovem que compositores como Chopin (1810), Liszt (1811) e seu ídolo Wagner (1813) e mais velho que Brahms (1833) e Mahler (1860). A formação simples e camponesa e doses igualmente elevadas de religiosidade e insegurança formaram as características básicas de sua personalidade e marcaram sua trajetória. 

O pai de Anton era professor primário e ele próprio foi preparado para o magistério, mas estudou órgão e composição com o padrinho a partir de 1835. Dois anos depois, com a morte do pai, foi enviado para a abadia de São Floriano, próximo a Linz (entre Salzburgo e Viena), onde passou a cantar no coro – seu nome ficaria ligado para sempre a esta instituição. 

Aos 21 anos, Bruckner tornou-se mestre-escola em São Floriano, onde a essa altura já era também organista. Surgiram as primeiras composições, entre elas quatro Missas de juventude e um Réquiem. Em 1858, aos 34 anos, foi aceito como aluno por Simon Sechter, célebre professor de contraponto estabelecido em Viena. Paralelamente, teve aulas de composição e de orquestração com Otto Kitzler, que, por sua vez, era um fervoroso admirador de Wagner. Kitzler fez que seu discípulo, apenas dez anos mais novo que Wagner, conhecesse as obras do compositor, e Bruckner ficou profundamente marcado com o trabalho.

Ouviu Tannhäuser ainda em 1863 – um ano antes de estrear, na catedral de Linz, aos 40 anos, sua primeira grande obra, a Missa em ré menor. Já em 1865, Anton Bruckner estava entre os que assistiram à primeira apresentação de Tristão e Isolda, em Munique. Segundo Roland de Candé, Bruckner teria sido apresentado a Wagner nesta ocasião. Já o pesquisador Marc Vignal afirma que, apesar de este ter sido um dos maiores desejos de Bruckner, ele só conseguiu conhecer pessoalmente Wagner em 1873. De toda forma, a partir de 1868 Bruckner se instalou em Viena, centro da vida musical europeia, tendo sido nomeado professor do Conservatório e organista da corte. 

Sua fama como improvisador ao órgão cresceu continuamente e ele viajou para apresentar-se em cidades como Paris e Londres. Foi na mesma época da Missa de 1864 – ou seja, por volta dos 40 anos – que Bruckner começou a escrever suas grandes obras. A parte mais importante de sua produção musical são suas onze sinfonias (sendo duas obras da juventude, sem número). A elas se somam três missas – em ré menor (1864), em mi menor (1866) e em fá menor (1868) –, o Quinteto para cordas (1879), o Te Deum (1884) e o Salmo 150 (1892). 

Suas três primeiras sinfonias formam um grupo homogêneo, todas em tom menor e com estreita relação com as três grandes missas. Em 1873, ano da composição da Sinfonia nº 3, Bruckner fez sua primeira viagem a Bayreuth, para onde retornaria com frequência. Mas o reconhecimento como compositor só começaria a partir da estreia de sua Sinfonia nº 4, em 1881; e a consagração viria apenas aos 60 anos, no final de 1884, com a estreia em Leipzig de sua Sinfonia nº 7 – cujos compassos finais do adágio haviam sido concebidos sob o impacto da morte de Wagner. 
A obra chegou a ser executada em Chicago e Nova York dois anos depois, e um novo sucesso aconteceu em 1892, com o triunfo de sua Oitava sinfonia em Viena. Nesse período, no entanto, sérios problemas de saúde já se anunciavam e Bruckner aproveitou pouco os sucessos tardios. No final de 1894, terminou os três primeiros movimentos de sua Sinfonia nº 9 – cujas ousadias harmônicas anunciam Mahler e Schönberg, mas que permaneceria inacabada. 

Bruckner faleceu no dia 11 de outubro de 1896 e foi sepultado ao som do adágio de sua Sétima sinfonia. Seus restos mortais foram enviados para a abadia de São Floriano, segundo desejo do próprio compositor, onde repousam sob o majestoso órgão. 

Reconhecimento tardio

Para Marc Vignal, há algumas explicações para o fato da obra de Anton Bruckner ter demorado tanto a ganhar reconhecimento. “Modesto, desajeitado até na vida sentimental e deixando transparecer a todo instante suas origens camponesas, Bruckner opunha-se totalmente, como homem, à imagem de artista que o século XIX nos legou, tão bem ilustrada por aqueles espíritos alertas e cosmopolitas que traziam os nomes de Mendelssohn ou Berlioz, Liszt ou Wagner.” 

Há um episódio famoso, recontado em todas as suas biografias, que ilustra esse espírito pouco preparado para as relações sociais: durante um ensaio de sua Quarta sinfonia pelo maestro Hans Richter, Bruckner, entusiasmado com o resultado do trabalho, depositou discretamente na mão do regente um táler, dizendo-lhe para beber uma caneca de cerveja em homenagem a sua saúde. Conta-se que Richter chorou de emoção e conservou consigo a moeda, como um pequeno tesouro, atada à corrente de seu relógio. 

“Essa anedota ilustra o extraordinário candor de Bruckner, sua bondade, seus modos canhestros. Por sua timidez, sua tontice, seu jeito, suas roupas grandes demais, sua polidez obsequiosa, parecia ridículo e enternecedor. Também era excessivamente devoto; sua religião infantil era a principal fonte de sua inspiração”, afirma Roland de Candé. 

Indiscutivelmente, as obras de Bruckner têm caráter pessoal e ele deu uma contribuição original à música. Mas o compositor sofreu em vida fortes críticas de que seria um mero imitador de Wagner. Além disso, foi contínua e duramente criticado pelo famoso e temido crítico Eduard Hanslick, que se opunha à música de Wagner e apoiava Brahms. 

O grande legado de Bruckner como compositor foram as sinfonias. Todas têm personalidade própria, ainda que seja possível determinar algumas características gerais: uma orquestração bastante original que muitas vezes evoca um órgão gigante; uma luxuriante verve melódica que vai se multiplicando ao longo da obra; sua mestria no estilo polifônico, como fica atestado nas sinfonias nºs 7 e 8; a assimilação do folclore da Alta Áustria, que se nota sobretudo nos scherzos; e a ambiguidade entre o modalismo e o tonalismo. No final da vida, inseguro e fragilizado com as fortes críticas que eram feitas a suas sinfonias, Bruckner fez revisões drásticas nas partituras, o que nem sempre as tornaram melhores. Atualmente, as interpretações costumam voltar aos originais. 

Para o pesquisador Robert Simpson, que se debruçou sobre a obra do compositor, “a essência da música de Bruckner está na paciente busca do apaziguamento. Isto não significa um desejo místico de paz. Ao falar em apaziguamento, refiro-me à tendência de Bruckner de remover, um a um, todos os elementos perturbadores ou dispersivos até revelar um último estrato de pensamento calmamente contemplativo. De modo geral, em Bruckner, as tensões humanas são gradualmente pacificadas, (...) neste sentido, ele difere radicalmente do tipo de romântico que libera suas tensões em vez de acalmá-las”.