Acervo CONCERTO: A vida de Beethoven

por Redação CONCERTO 15/12/2015

Texto de Leonardo Martinelli na Revista CONCERTO de dezembro de 2010

A virada do século XVIII para o XIX foi um momento conturbado e cheio de transformações. Por um lado, a Revolução Francesa e seus desdobramentos começaram a chacoalhar as estruturas sociais vigentes. Pelo outro, a expansão da Revolução Industrial alterava de forma definitiva a cena econômica. A aristocracia europeia iniciara sua franca decadência e paulatinamente seria suplantada pela cultura burguesa, ao mesmo tempo em que o Iluminismo fincava bases mais sólidas em diferentes camadas da sociedade. O dinheiro começava a trocar de mãos e, com ele, trocava-se quem determinava os rumos da arte. Foi em meio a esse turbilhão sociocultural que emergiu a figura de Ludwig van Beethoven.

Batizado em 17 de dezembro de 1770 (é muito provável que tenha nascido no dia anterior), Ludwig integrava a segunda geração alemã de uma tradicional família de músicos flamengos (da região que hoje se localiza na Bélgica) que no início do século XVIII havia se mudado para Bonn, à época pertencente ao principado eclesiástico de Colônia. Seu avô, Lodewijk (a quem deve seu nome), chegou mesmo a atuar como mestre-de-capela na corte, e seu pai Johann – já nascido na Alemanha – foi cantor na mesma instituição. De todos os seis irmãos que teve, apenas Caspar Anton Carl e Nikolaus Johann sobreviveram. Ambos atuariam como empresários em diferentes momentos da vida do célebre irmão.

As bases da educação musical de Ludwig ocorreram no seio familiar, e coube ao pai ensinar ao jovem Beethoven os fundamentos da teoria e introduzi-lo na prática do fortepiano (instrumento que precedeu o piano moderno). Historicamente é um consenso que desde tenra idade Ludwig tenha se revelado um verdadeiro prodígio ao teclado e que desta forma o pai vislumbrou, no talentoso filho, um meio de aumentar os rendimentos domésticos. O paralelo entre o prodígio Beethoven e Mozart foi já então inevitável, mas ao contrário do que ocorrera com o compositor austríaco, o pai de Beethoven jamais impingiu ao filho uma desgastante rotina de viagens. Isso, contudo, não foi sufi ciente para livrá-lo de uma provável injusta fama de carrasco: por muito tempo diferentes biografias de Beethoven afirmaram que o pai o fazia estudar “até as lágrimas”, mas concretamente não há base documental confiável sobre isso (por exemplo, um relato do próprio Beethoven).

Fora algumas viagens – em 1787 ele teria viajado a Viena para ter aulas com Mozart, mas o plano foi abreviado devido à morte de sua mãe –, Beethoven viveu parte considerável de sua juventude em Bonn, onde aumentou sua fama como pianista, estudou com outros mestres locais e conheceu o compositor Joseph Haydn, que esteve de passagem pela cidade a caminho de uma de suas viagens a Londres. Foi com o pretexto de estudar com o famoso compositor da corte de Esterházy que Beethoven conseguiu o apoio para se mudar para Viena, naquele tempo um dos principais polos musicais do mundo.

Apesar da cidade de Bonn muito se orgulhar de seu mais célebre filho, Beethoven só foi o que foi porque Viena se misturou à história de sua vida. Mesmo que na época Londres e Paris configurassem importantes centros musicais, foi na capital do então Império Austro-Húngaro que a música encontrou um ambiente efervescente e altamente cosmopolita. Com dinheiro e projeção social, Viena era solo extremamente fértil para a criação musical: já anteriormente havia atraído nomes como Haydn e Mozart, e no futuro seria ainda o lar de Schubert, Brahms,Mahler e Schönberg.

Beethoven mudou-se em definitivo para Viena em 1792, quando passou a compor as primeiras obras que julgou dignas de publicação (e de um número opus), paralelamente a uma bem-sucedida carreira como pianista nos salões da nobreza e da alta burguesia local. Somente três anos após sua chegada à cidade realizou sua primeira apresentação “pública”, isto é, cujos investimentos em cachês e em toda a produção eram pagos com a venda de ingressos (algo hoje impossível até mesmo para um grande show de rock). Em março de 1795, Beethoven apresentou-se solando seu Concerto para piano nº 2

Foi em meio ao entusiasmo de um promissor início de carreira que Beethoven, com apenas 26 anos de idade, descobriu seus problemas de audição. Das muitas hipóteses sobre as causas de sua surdez, a complicação de uma sífilis é uma das mais aceitas e divulgadas. Entretanto, ganha cada vez mais força um possível envenenamento por chumbo (ou “saturnismo”) como motivo provável desta ironia do destino.

Na medida em que seus problemas de audição iam aumentando, Beethoven ia abandonando a carreira como pianista, passando paulatinamente a compor e a publicar obras. Ao mesmo tempo, tornava-se uma figura cada vez mais afastada do convívio social e, talvez por isso mesmo, cada vez mais comentada pelas diferentes camadas da sociedade vienense da época.

Contudo, a presumível misantropia de Beethoven não pode nos levar a concluir que o compositor houvesse perdido todo e qualquer interesse pela vida social. Na verdade, desde seus primeiros anos em Viena relata-se sobre várias incursões amorosas de Beethoven e eventuais tentativas de engrenar algo mais estável. Giulietta Guicciardi, Josephine von Brunsvik, Therese Malfatti e Antonie Brentano (a mítica “amada imortal”) foram algumas das mulheres que passaram pela vida de Beethoven que, para sua infelicidade, tinha uma queda por mulheres comprometidas e/ou de sangue azul. O lado oposto a essa situação tipicamente romântica foram as eventuais (ou talvez não tão eventuais assim...) incursões aos bordéis da cidade, dado esse que muito colaborou para a suposição em torno de uma possível sífilis.

Em vida, Beethoven foi muito conhecido por seus contemporâneos por obras que hoje raramente são lembradas e menos ainda executadas. Seu Septeto opus 20 e a Sinfonia da batalha opus 91 (ou Wellingtons Sieg oder die Schlacht bei Vittoria, que sequer é relacionada entre suas nove sinfonias) renderam-lhe, além de fama, importantes recursos com a venda de suas partituras e arranjos. Apesar disso, no final das contas essas obras não constam no inventário musical que Beethoven legou para a humanidade.

É praticamente unanimidade que Beethoven passa a ser “Beethoven” a partir de sua Sinfonia nº 3, Eroica, nascida como uma ode a Napoleão Bonaparte, com dedicatória imediatamente rabiscada pelo compositor assim que os primeiros canhões franceses fizeram-se ouvir nos portões de Viena (até Beethoven conseguiu escutá-los, pobrezinho). Estreada em 1805 como opus 55, a obra é especialmente simbólica não apenas por ser um veículo de expressão pessoal do compositor (tente achar algo semelhante em Haydn ou em Mozart), mas também por iniciar uma verdadeira revolução na escrita musical.

A ênfase em uma escritura melódica motívica, a reinvenção da escrita contrapontística (tão arduamente aprendida nas obras de Bach), a expansão do universo harmônico tonal, novos procedimentos de orquestração em suas obras sinfônicas, novos tipos de textura musical em sua criação pianística e de câmara, bem como a expansão da forma musical são algumas das fundamentais contribuições de Beethoven. Sua obra passaria a atuar como uma espécie de diapasão para as gerações seguintes, especialmente partir do dia 26 de março de 1827, quando morre em Viena, onde foi sepultado diante de milhares de pessoas em uma das maiores manifestações de honra, respeito e carinho até então prestadas a um músico.

[© iStockphotos / GeorgiosArt]
[© iStockphotos / GeorgiosArt]

Linha do tempo

1770
Ludwig van Beethoven nasce em Bonn.

1787
Rápida viagem a Viena, onde conhece Mozart.

1792
Mudança definitiva para Viena.

1795
Publica seu opus 1 (três Trios com piano) e realiza sua primeira apresentação pública em Viena.

1796
Em carta endereçada a um amigo admite estar sofrendo os primeiros sintomas de surdez.

1801
Publica a primeira de suas nove sinfonias, período em que se relaciona com Giulietta Guicciardi, a quem dedica sua Sonata ao luar.

1808
Conclui sua famosa Sinfonia nº 5 e o Concerto para piano e orquestra nº 5, “Imperador”. No ano anterior termina seu relacionamento com Josephine von Brunsvik.

1810
Inicia seu relacionamento com Antonie Brentano, a amada imortal.

1814
Perda praticamente total da audição e abandono das atividades como concertista. No mesmo ano o poeta e crítico E.T.A. Hoffmann publica um ensaio que dá início ao “mito” Beethoven.

1815
Com a morte do irmão Caspar Anton Carl, inicia com a viúva uma longa disputa judicial pela guarda do sobrinho Karl.

1824
Sua Sinfonia nº 9 estreia em Viena, em um longo concerto que incluiu ainda a abertura A consagração da casa e trechos da Missa solene.

1825
Inicia a composição de seus últimos quartetos de cordas, que tem na Grande fuga opus 130, o ápice da complexidade beethoviana.

1827
Morre em Viena. Seu cortejo fúnebre é seguido por milhares de pessoas. 

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