Texto de Camila Fresca publicado na Revista CONCERTO de junho de 2013
Edward Benjamin Britten nasceu no dia 22 de novembro de 1913 em Lowestoft, cidade à beira-mar que foi inspiração constante para sua obra. Filho caçula de Edith, cantora amadora, e de Robert, dentista, mostrou dotes musicais especiais em um lar onde essa arte, apesar de não contar com profissionais, era muito apreciada. Foi a mãe quem lhe ensinou os primeiros rudimentos de piano e notação musical, e sua composição mais antiga data de 1919, quando, aos 6 anos de idade, escreveu a canção Do You no That My Daddy Has Gone to London Today?. Só no ano seguinte é que Britten iniciaria aulas formais de piano. Mais tarde também aprenderia viola e ficaria impressionadíssimo ao ouvir The Sea, poema orquestral de Frank Bridge, em 1927. Audrey Auston, sua professora de viola, conseguiu que Brigde examinasse algumas obras do pequeno Britten – que àquela altura já escrevera cerca de 160, incluindo dez sonatas para piano e seis quartetos de corda. Brigde passou a dar aulas para Britten em 1928 e foi figura importante em sua formação; ele demonstraria sua gratidão em relação ao mestre em 1937, ao compor as Variações sobre um tema de Frank Bridge op.10, para orquestra de cordas.
Em 1930, Benjamin Britten passou a estudar no Royal College of Music. Viver em Londres lhe deu a oportunidade de frequentar grandes concertos e foi o momento em que ele adicionou ao repertório tradicional o gosto pela música de sua época, de Schönberg, Stravinsky, Mahler e Shostakovich. Britten também tentou ir a Viena estudar com Alban Berg, mas foi desencorajado tanto por seus pais como pela escola. Ele continuou a produzir intensamente e, antes de publicar suas primeiras obras, já contava com cerca de oitocentas composições. Em 1933, fez a estreia de A Boy Was Born, variações para coro compostas para o BBC Singers, que obteve boa recepção. Nos anos subsequentes, Britten trabalhou para o cinema e continuou produzindo obras que começaram a chamar a atenção da comunidade musical.
Dentre a imensa produção de Benjamin Britten, destacam-se as obras vocais. Fundamental para isso foi a influência do tenor Peter Pears. Britten e Pears se conheceram em 1937, mesmo ano da morte da mãe de Britten. Também nesse ano, o grande sucesso de suas Variações sobre um tema de Frank Bridge, estreadas no Festival de Salzburg, garantiram reputação internacional ao jovem compositor. Em 1939, ele partiu com Pears para uma turnê de concertos nos Estados Unidos e no Canadá. A ideia era ficarem por lá alguns meses, mas a eclosão da Segunda Guerra acabou adiando a volta em mais de dois anos. Nesse meio-tempo, a parceria entre ambos evoluiu para um relacionamento conjugal, que duraria quase quatro décadas, até a morte de Britten.
Em 1938, Britten compôs o belo ciclo de canções Les iluminations, a partir de poemas de Arthur Rimbaud. Apesar de escrito originalmente para soprano, é Peter Pears quem dá performances definitivas da obra, gravando-a por duas vezes. A primeira grande composição vocal que Britten escreveu especificamente para Pears foram os Sete sonetos de Michelangelo, de 1940. A estadia nos Estados Unidos revelou-se um período de grande desenvolvimento profissional para ambos, que trabalharam com diversos artistas. Lá, Britten escreveu, entre outras obras, seu Concerto para violino e a Sinfonia da Réquiem. E foi ainda nos Estados Unidos que ele começou a ter as primeiras ideias para Peter Grimes.
Ao retornar para a Inglaterra no começo de 1942, em plena guerra, Pears e Britten resolveram dar sua contribuição por meio da música, em vez de pegarem em armas. Ambos desenvolveram intensa atividade de concerto e, paralelamente, Benjamin Britten trabalhou na ópera Peter Grimes, que seria terminada em 1945. Inspirada na coleção de poemas The Borough, de George Crable, Peter Grimes foi um sucesso estrondoso desde a estreia e logo passou a ser considerada a mais importante ópera de autor inglês desde Dido e Enéas, de Purcell, escrita 250 anos antes. Peter Grimes, explorando a relação entre homem e mar, se consolidou como o maior êxito de Britten até então e iniciou sua produção num gênero que o consagraria definitivamente. O pesquisador Roland de Candé, tratando das óperas escritas no século XX, afirmou: “Mas há uma ópera fácil, isto é, acessível de saída ao mais vasto público, sedutora sem demagogia, original sem subversão da concepção dramática e da escrita musical tradicionais, tão independente do dodecafonismo serial quanto do Neoclassicismo... É a de Benjamin Britten, que talvez seja o melhor compositor de óperas da segunda metade do século XX”.
Após Peter Grimes, Britten e Pears fundaram o English Opera Group, companhia lírica itinerante com a qual ele estrearia os trabalhos seguintes, entre os quais estão as óperas The Rape of Lucretia (1946), Albert Herring (1947), Billy Bud (1951), The Turn of the Screw (A volta do parafuso, de 1954 e considerada sua obra-prima), Sonho de uma noite de verão (1960) e Morte em Veneza (1973). E foi no meio das apresentações itinerantes de Albert Herring que Peter Pears sugeriu: “Por que não criamos nosso próprio festival?”. Britten abraçou a ideia e, em 1948, acontecia a primeira edição do Festival de Aldeburgh, que pretendia apresentar não apenas música, mas também poesia, teatro e exibições literárias e artísticas em geral. O evento é realizado anualmente até os dias de hoje.
Comparado às vanguardas musicais do século XX, o estilo de Benjamin Britten é mais tradicional e ao mesmo tempo mais eclético. Ele soube realizar uma hábil síntese de influências, por vezes contraditórias. Sua música, por isso, tende a ter comunicação fácil com o público – aliás, o próprio Britten declarou uma vez que escrevia para se comunicar com seus contemporâneos, e não para o “futuro”. Além das óperas, sua grande produção incluiu vários ciclos de canções (como a Serenata para tenor, trompa e cordas), obras corais importantes (Réquiem de guerra), obras sinfônicas, para grupos de câmara, solo etc. A partir da década de 1950, interessou-se pela música oriental, sobretudo pelo gamelão balinês (passou duas semanas em Bali em 1956). E, após uma turnê pelo Japão em 1957, compôs o balé O príncipe de Pagodas e três obras “semioperísticas” inspiradas no teatro Nô. Britten foi ainda amigo íntimo de músicos russos, como Dmitri Shostakovich, Sviatoslav Richter e Mstislav Rostropovich, para quem compôs diversas obras para violoncelo.
Benjamin Britten morreu em Aldeburgh, em 4 de dezembro de 1976, consagrado como um dos grandes compositores ingleses (para alguns, ele é “o” compositor) do século XX. A Casa Vermelha, onde ele e Peter Pears viveram de 1957 até sua morte, é hoje a sede da Fundação Britten-Pears, que se dedica a perpetuar a memória e obra dos artistas (www.brittenpears.org).
Linha do tempo
1913
Nasce em Lowestoft, a 22 de novembro
1919
Data de sua primeira composição conhecida, a canção Do You no That My Daddy Has Gone to London Today?
1920
Inicia aulas formais de piano
1928
Passa a ter aulas com Frank Bridge
1930
Muda-se para Londres para estudar no Royal College of Music
1933
Estreia da primeira de suas obras que chama atenção no meio musical: A boy was born, variações para coro
1937
Compõe e estreia com sucesso, em Salzburg, Variações sobre um tema de Frank Bridge; morte de sua mãe; conhece o tenor Peter Pears
1938
Compõe o ciclo de canções Les Iluminations
1939
Parte, com Peter Pears, para um turnê de concerto nos Estados Unidos e Canadá
1942
Retorna à Inglaterra
1945
Estreia de Peter Grimes, sua primeira ópera, que é um sucesso retumbante
1946
Funda com Pears a companhia lírica itinerante English Opera Group
1948
Funda o Festival de Albeburgh
1954
Estreia a ópera A volta do parafuso, considerada sua obra-prima
1957
Muda-se para a “Casa vermelha” em Aldeburgh
1973
Compõe sua última ópera, Morte em Veneza, baseada no romance homônimo de Thomas Mann
1976
Morre em Aldeburgh, de complicações cardíacas provavelmente causadas por uma sífilis