Texto de Camila Fresca publicado em novembro de 2015 na Revista CONCERTO
No século XIX, a vida musical inglesa era marcada por duas características antagônicas. De um lado, havia um circuito de concertos intenso e diversificado, do qual poucos países poderiam se orgulhar: basta lembrar que os primeiros concertos populares de Londres foram criados em 1838 e que, mais tarde, surgiriam os “Concertos Jullien”, depois chamados Promenade Concerts – Proms, para os íntimos. Por outro lado, a atividade composicional não chegava perto da riqueza do continente, expressa na obra de autores como Brahms, Grieg ou mesmo Saint-Saëns.
Por conta disso, a manifestação do romantismo musical que agitou toda a Europa se deu ali em torno de compositores estrangeiros. Havia tempos que a Inglaterra não produzia um autor de vulto como Henry Purcell (1659-1695), por exemplo. Mas a influência de instituições dedicadas tanto a amadores como a profissionais acabou contribuindo para o renascimento musical pelo qual passou o país nos últimos anos do reinado da rainha Vitória (1837-1901). E o mais importante ator desse momento foi Edward Elgar.
Quarto dos sete filhos de William e Ann Elgar, Edward nasceu nos arredores de Worcester, no dia 2 de junho de 1857, em uma família de modestas condições econômicas. Seu pai, dono de uma loja de música e organista de igreja, deu ao filho as noções básicas de piano, órgão e violino – e, fora essa introdução, Elgar foi basicamente autodidata. Criança talentosa, aos 10 anos ele já tocava piano e violino e compunha. Aos 16, tornou-se músico freelancer e, em toda a vida, nunca teve emprego permanente: regia, apresentava-se como violinista e pianista, ensinava e compunha.
Arranjos
Embora solitário e introspectivo, Elgar começou a se fazer conhecido nos meios musicais locais. Tocou violino nos festivais de Worcester e Birmingham e interpretou a Sexta sinfonia e o Stabat Mater de Dvorák sob regência do próprio autor; além disso, como fagotista, integrou um quinteto de sopros, escrevendo arranjos de peças de Mozart, Beethoven e Haydn para a formação.
Aos 29 anos, passou a dar aulas a Caroline Alice Roberts, filha de um major e romancista. Três anos depois, em 1889, os dois se casaram, mesmo contra a vontade da família dela, horrorizada com sua intenção de se unir a um músico desconhecido e católico. Alice era oito anos mais velha que Elgar e teve um papel fundamental na carreira do compositor. Atuou como sua agente e secretária, era uma crítica sensível e procurou apresentá-lo a pessoas influentes da sociedade. Como presente de noivado, Elgar dedicou a ela sua peça para violino e piano Salut d’amour.
A essa altura, o reconhecimento de Elgar era ainda limitado. Por iniciativa da esposa, o casal resolveu mudar-se para Londres a fim de aproximar-se do ambiente musical da capital. Mas as coisas não saíram como planejado e os dois, então acompanhados de sua única filha, tiveram que voltar para Worcester em 1891, o que levou Elgar a sofrer com dúvidas amargas e depressão. Ainda assim, foi nessa época que ele escreveu sua primeira grande obra, a abertura sinfônica Froissart.
Ao longo da década de 1890, sua reputação como compositor cresceu, por conta de obras como Serenata para cordas (1892), Três danças bávaras (1896) e Caractacus (1898). Mas foi em 1899, aos 42 anos, que o tão esperado reconhecimento chegou, com as Variações enigma, que se tornariam uma de suas obras mais conhecidas. O trabalho é uma homenagem a Alice e aos amigos que ajudaram o compositor no início de carreira. O maestro alemão Hans Richter, que estreou a peça em Londres, declarou que se tratava de uma obra-prima. A composição recebeu aclamação geral e estabeleceu Elgar como o compositor inglês mais proeminente de sua geração.
Sucesso e melancolia
O período seguinte foi o mais frutífero de toda a carreira de Elgar. Na primeira década do século XX, ele escreveu alguns de seus mais expressivos e importantes trabalhos, incluindo o oratório O sonho de Gerontius (1901), a Sinfonia nº 1 (1908) e o Concerto para violino (1910). Suas obras mais conhecidas do período, no entanto, são as quatro primeiras marchas de Pompa e circunstância (1901-07). A primeira delas, com o subtítulo Land of Hope and Glory, tornou-se um hino extraoficial do império britânico. Quando foi tocada em 1901, num dos Promenade Concerts, sir Henry Wood, que a conduzia, afirmou que aquela fora a primeira e única vez na história do Proms que uma peça orquestral era ‘bisada’ duas vezes. Até hoje, a primeira marcha de Pompa e circunstância costuma ser ouvida no concerto de encerramento do Proms.
Se até as Variações enigma Elgar era um desconhecido e pobre músico inglês, os anos que se seguiram foram de reconhecimento, viagens internacionais como compositor e regente, altíssima popularidade e retorno financeiro com edições e performances de suas obras. No entanto, ele sofreu um duro golpe quando seu grande amigo e apoiador August Jaeger (o “Nimrod” das Variações enigma) morreu, em 1909. Seu Concerto para violino, escrito a partir de encomenda de Fritz Kreisler no ano seguinte, foi seu último triunfo popular. A produtividade do compositor caiu, e os horrores da Primeira Guerra Mundial aprofundaram sua visão melancólica. Sua música se tornou mais intimista e, depois de se recuperar de uma depressão, ele escreveu alguns de seus melhores trabalhos de câmara, como a Sonata para violino em mi menor, o Quinteto com piano em lá menor e o Quarteto de cordas em mi menor, todos de 1918. No ano seguinte, ele compôs o Concerto para violoncelo, que teve uma estreia tumultuada. O profundo sentimento de tristeza da obra provavelmente tinha relação com a perda iminente de sua esposa, que lutava contra um câncer e viria a morrer em abril de 1920, aos 72 anos.
Elgar ficou devastado pela morte de Alice. E, além da falta de estímulo para escrever, sua música, a essa altura, passara a ser considerada “fora de moda”. Recolhido, Elgar dedicou-se aos amigos e a alguns hobbies – e, entre as atividades insólitas do período, fez uma viagem ao Brasil, entre novembro e dezembro de 1923, durante a qual conheceu a Amazônia e se impressionou com o Teatro Amazonas, em Manaus.
LEGADO
A partir de 1926, o desenvolvimento de novos processos de gravação elétrica levou Elgar a fazer uma incursão pelos estúdios. O resultado foi uma série de interpretações históricas de sua própria música orquestral – como as Variações enigma, as duas sinfonias e os concertos para violino e violoncelo. No início dos anos 1930, ele iniciou uma Terceira sinfonia, a qual permaneceu inacabada com sua morte, em 1934.
Em seus últimos anos de vida, Edward Elgar pôde acompanhar o início de um revival de sua obra, que se iniciou com as orquestras inglesas e se espalhou pela Europa. Após sua morte, seu legado foi paulatinamente sendo reconhecido e disseminado no mundo todo.
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