Nos últimos anos, as plataformas de streaming se consolidaram como uma vitrine essencial para a produção e disseminação de conteúdos relacionados à dança. Filmes, séries e documentários que exploram diferentes aspectos desse universo ganharam espaço e atraíram públicos diversos, desde entusiastas da arte até espectadores casuais. Mas como esses produtos audiovisuais refletem a dança? Dialogam com todas as vertentes? Falam para todas as idades? Criam um mundo de fantasia ou representam a realidade de quem vive dela?
Plataformas como Netflix, Disney+, Amazon Prime, Max, entre outras, apresentam uma vasta gama de conteúdos relacionados à dança, abrangendo diferentes estilos, gêneros e abordagens. Guilherme Pinheiro, cineasta e produtor de conteúdo da indústria da sétima arte, comenta que “a dança no audiovisual está cada vez mais presente e plural”. “Com o aumento do consumo por meio das plataformas de streaming – e o próprio crescimento desse tipo de plataforma –, a diversidade de obras que abordam a dança se faz mais presente no nosso cotidiano. Vemos a dança representada desde os filmes musicais, longas de ficção que abordam a profissão até documentários que revelam a vida de grandes personalidades da dança e diversos processos criativos”, conta. Já o cinéfilo Samir Haddad, que trabalha com cinema há mais de uma década, completa: “Conseguimos perceber um aumento da temática não só em filmes e séries de ficção, mas também em séries documentais, que estão cada vez mais ricas em dados e fatos. Existe um fato que um romance adolescente misturado com dança sempre atraiu públicos enormes, vide os icônicos ‘Grease’ e ‘Dirty Dancing’”.
Títulos como “Dançarina imperfeita”, “Feel The Beat” e “O preço da perfeição”, que conquistaram o coração do público jovem ao misturar romance adolescente e coreografias envolventes, estão disponíveis na Netflix. A plataforma, que surgiu como uma empresa de aluguel de DVDs no final dos anos 90 e percorreu um longo caminho para se estabelecer como o serviço de streaming líder mundial, a partir de 2007, é a que tem mais conteúdo relacionado à dança e performance na rede. Atualmente transmite programas de TV, filmes e conteúdo original para mais de 190 milhões de membros em todo o mundo.
Entre os títulos que valem o tempo e a reflexão na Netflix, se pode destacar “Move”, “Batalhas: Freestyle”, “Dance 100”, “Na batida do coração”, “Batalhas”, “A bailarina”, “Garotas de cristal”, “Feras da dança”, “Sonhar e dançar – O quebra-nozes de chocolate”, “Cheer”, “Riverdance – Uma aventura dançante”, “Girl”, “Dance Brothers”, “Pole Dance: A dança do poder”, “O grande passo”, “Spin Out”, “Ivy e Bean – Entram na dança”, “O anjo do amor”, “Dançando para amar”, “We Speak Dance”, “Yara”, entre outras obras. Também se destacam títulos de musicais como “Tick, Tick Boom”, “Meninas malvadas”, “Elis”, “Matilda”, “Meu sangue ferve por você”, entre outros. A lista é grande, o que revela a diversidade de títulos que olham para as artes performáticas.
Segundo Pinheiro, na Netflix vale ver “Pacarrete”, que conta a história de uma professora de dança aposentada, que sonha em se apresentar com um número de balé na pequena cidade onde mora. “É um filme que fala com muito humor e afeto sobre sonhos e a dificuldade de se fazer arte no país”, fala. O filme brasileiro – premiado em diversos festivais –, foi dirigido por Allan Deberton e gravado no Ceará, tem coreografia de Fauller e Wilemara Barros e foi protagonizado por Marcélia Cartaxo.
Trailler de “Pacarrete
Ainda na Netflix, não se pode esquecer de mencionar a série “hit” dos últimos tempos, “Navillera” (2021). Navillera é uma palavra nativamente coreana que significa “belo como uma borboleta”. O drama criado por Lee Eun-Mi e protagonizado por In-hwan Park, Song Kang e Mun-hee, conta a história de Shim Deok-chul (Park In-hwan), um carteiro aposentado de 70 anos que decide realizar seu sonho de aprender balé. Sua família não está feliz com a escolha, mas Deok-chul não parece inclinado a desistir. Na escola de dança, ele conhece Lee Chae-rok (Song Kang), um bailarino de 23 anos que enfrenta dificuldades financeiras e está completamente afastado do pai. Chae-rok pensa em abandonar a dança, até que seu caminho se cruza com o de Deok-chul. Um encontro que vai mudar a vida dos dois para sempre. É recomendado assistir com uma caixinha de lenços!
Trailler de “Navillera”
Outros títulos
“Se eu pudesse indicar somente um título no streaming, seria o documentário sobre a técnica que o coreógrafo israelense Ohad Naharim desenvolveu e que se chama ‘Gaga – O amor pela dança’, disponível no CurtaOn, do canal Curta!. A plataforma também tem disponíveis vários documentários riquíssimos de diversos grupos brasileiros, como o Grupo Corpo e a São Paulo Companhia de Dança”, aponta Haddad.
Trailler de “Gaga – O amor pela dança”
Pinheiro também recomenda o longa georgiano “E então nós dançamos”, que conta a história de um bailarino do National Georgian Ensemble (companhia de dança tradicional do país), que se interessa por um outro bailarino da companhia, mas precisa enfrentar o ambiente hostil e uma sociedade impregnada pelo patriarcado. “Esse filme possui uma história muito bonita e sequências de dança lindamente filmadas, e está disponível no Globoplay e Filmicca”, conta. “O clássico ‘Sinfonia de Paris’ é um encantador musical de Vincent Minelli (1903-1996) com números musicais memoráveis com Gene Kelly (1912-1996) e Leslie Caron e músicas de Gershwin (1898-1937). Um filme que é sempre bom rever e está disponível no Belas Artes à La Carte.” E a última indicação é o documentário “Reset: O novo balé da Ópera de Paris”, que acompanhou a direção artística do tradicional balé nas mãos de Benjamin Millepied, que procurou trazer um novo frescor à companhia. “As cenas de dança desse documentário são magníficas e está disponível para aluguel na AppleTV”, ressalta Pinheiro.
Ainda no streaming, a Disney+ tem ótimos títulos, como “Madu”, “Me encontra em Paris”, “Jump In”, “Ritmo total”, “Dançando no celeiro”, “Dançando pra valer”, “BTS: Permission to Dance – Ao vivo em Los Angeles”, “No ritmo”, que versam sobre os mais variados estilos, do balé clássico ao K-Pop. Porém, o que eles têm de melhor são os musicais: “Trevor: O musical”, “High School Music 1, 2, e 3”, “Can-Can”, “Newsies”, “Annie”, “Os Muppets”, “O rei do show”, “A noviça rebelde”, e claro, “Hamilton”, o mais americano dos musicais, que combina os melhores elementos do teatro, do cinema e do streaming e mistura hip-hop, jazz e R&B. “Hamilton” traz a história do pai fundador da América, Alexander Hamilton (1755-1804), com roteiro, música e letra de Lin-Manuel Miranda e direção de Thomas Kail. A obra – onze vezes vencedora do Tony Award, do Grammy Award, do Olivier Award e do Prêmio Pulitzer – mudou o modo de se fazer musical no país, criando um momento revolucionário no teatro, impactando a cultura, a política e a educação.
Trailler oficial de “Hamilton”
Outro streaming na lista dos populares da dança, é o MAX, que engloba canais como HBO. O destaque fica para séries de ficção com estilo mais documental do que os blockbusters, como “The Ballet Teacher” e “Joika”, mas isso não impede que títulos clássicos como “The Wizard of Oz” e “Singing in the Rain”, estejam disponíveis, ao lado de novos títulos como “Magic Mike: The Last Dance”, “El Espiritu de La Salsa”, “Happy Feet”, “Breaking Point”, “Freestyle: Revolution”, “Second Chance – Stage” e “The Apollo”. Entre os musicais, destaque para “The Color Purple”, “In the Heights”, “Wonka”, “Spring Awakening”, “Music and Lyrics”, “Six”, “Stomp the Yard”, “The Producers” e “Rent”.
Vale salientar que muitos outros streamings, como Muvi, Loocke, Telecine, Hulu, Arte 1 Play, entre outros, também possuem conteúdos de dança.
Realidade e ficção
Uma questão que emerge é como essas produções retratam a realidade da dança. Filmes e séries como “O preço da perfeição” e “Garotas de cristal” exploram temas como distúrbios alimentares e pressões psicológicas, enquanto títulos como “Girl” ou mesmo “E então nós dançamos” trazem um olhar mais próximo da vida dos bailarinos e seus desafios.
Haddad acredita que é comum criar roteiros que enfatizam o drama para atingir um público maior e mais diverso. “Como qualquer outro tipo de arte, quando você pretende popularizar mais, mais as pessoas fantasiam os roteiros, pensando que o público se vincula mais a esse tipo de conteúdo. Por exemplo, se fizermos uma série de uma escola de dança para abranger mais pessoas num grande streaming, é mais fácil colocar professores carrascos, bailarinas com pés feridos e distúrbios alimentares, do que uma escola em que o balé é mais humanizado. Isso também cria um estigma para a dança. Fico com a sensação de que, às vezes, falta um roteirista que tenha vivência de dança ou uma equipe de pesquisa, que vá além de saber os nomes dos passos em francês. Estamos num momento bem dicotômico da dança no streaming, em que ao mesmo tempo existe um aumento e popularização do tema, mas nem sempre ele é mostrado da melhor maneira. Cabe a nós discernirmos e educarmos a respeito”, afirma.
Pinheiro acredita que estamos diante de obras que “que fantasiam bastante essa realidade, até filmes que exploram todas as dificuldades da profissão, e isso se vê muito nos documentários que abordam o tema. Não acredito que haja um cunho ‘deseducativo’, pois cabe ao espectador buscar diferentes olhares e a partir disso ter sua própria visão sobre o tema. Com a pluralidade das plataformas, é possível encontrar de tudo. E aí está a satisfação de viajar por diferentes culturas e danças através do audiovisual. Outra ferramenta que pode ajudar muito nesse ‘apuramento do olhar’ é acompanhar críticos e criadores de conteúdo, que falem sobre cinema e audiovisual, e buscar textos e materiais sobre o assunto”, finaliza.
O crescimento da presença da dança no audiovisual e consequentemente no streaming reflete uma pluralidade de abordagens que, ao mesmo tempo, popularizam a arte e levantam debates sobre sua representação. Para o público, fica o convite para explorar essa rica oferta e ampliar o olhar sobre as muitas formas de expressão que a dança proporciona nas telas (e fora dela).
PARA SABER MAIS
Samir Haddad é cinéfilo, coordenador de marketing da área de cinema de uma multinacional americana e produtor de conteúdo sobre a sétima arte. Análises e comentários sobre filmes podem ser vistos semanalmente nos stories da sua rede @samirhh1981
Guilherme Pinheiro é cineasta, ator e produtor de conteúdo sobre cultura e cinema, e suas reflexões também podem ser conferidos em @primeiroplano.cinema e no YouTube, em Guilherme Pinheiro Primeiro Plano.
Plataformas de streamings:
www.netflix.com
www.max.play.com
www.primevideo.com
www.disneyplus.com
www.mubi.com.br
www.globoplay.com
www.hulu.com
www.appletv.com
www.looke.com.br
www.belasartesalacarte.com.br
www.filmicca.com.br
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