Por Flávia Vianna com colaboração de Ana Claudia Paixão [Flávia Vianna é jornalista e assessora de imprensa há 18 anos. Atualmente escreve sobre dança, cultura e comportamento para veículos como: revista Claudia, Splash/UOL/Amaury Jr e é editora do Caderno de comportamento e entretenimento do jornal Correio do Estado (MS).]
Dançar no Brasil é um desafio que demanda muito amor à arte por parte dos bailarinos. São poucas temporadas ou turnês, menos ainda internacionais. Por essa e outras razões, é ainda mais significativo que a São Paulo Companhia de Dança (SPCD), que mantém no seu calendário apresentações na Europa, Ásia e Estados Unidos, tenha um impacto nas vidas e carreiras de seus artistas e colaboradores.
Prestes a embarcar em uma turnê pelo Reino Unido, os bailarinos Yoshi Sukuki e Gabrielly Juvêncio, assim como a camareira Edméia Evaristo, refletiram sobre suas experiências em viagens anteriores e a importância de representar o país e a companhia no exterior. Edméia, por exemplo, entrou pela primeira vez em um avião quando viajou para a Alemanha, com a São Paulo Companhia de Dança; já Gabrielly, que morou na Áustria e no Canadá antes de voltar para o Brasil, teve a oportunidade de reencontrar amigos nessas viagens. Para Yoshi, que há 13 anos viaja com a companhia, poder se conectar com públicos de outra cultura é uma chance enriquecedora e única. Confiram os depoimentos.
O olhar de um bailarino: Yoshi Sukuki
A dança tem um papel muito importante, o de conectar o público com um momento de reflexão, questionamento ou simples prazer. Ela pode tirar por um tempo o espectador da sua realidade cotidiana ou fazê-lo refletir sobre questões importantes. Pode ser usada para contar histórias, expressar emoções ou simplesmente para se divertir. Pode ser uma forma de arte poderosa, nos fazer pensar, sentir e agir de maneiras diferentes. Por exemplo, uma dança pode nos contar uma história sobre um evento histórico ou uma situação atual, nos fazer sentir empatia por pessoas que estão passando por dificuldades ou nos inspirar a tomar medidas para mudar o mundo. Uma dança também pode ser uma forma de expressão pessoal, nos ajudar a lidar com emoções difíceis, celebrar momentos de alegria, nos ajudar a nos conectar com nossa própria identidade e com os outros.
A dança pode ser uma experiência transformadora para o público, nos fazer ver o mundo de uma nova perspectiva, nos motivar a ser melhores pessoas, mostrar a realidade do mundo e nos fazer refletir sobre inúmeros temas. Tudo isso me faz lembrar das viagens internacionais da São Paulo Companhia de Dança, companhia a qual estou ligado desde a sua fundação, pelo Governo do Estado de São Paulo, em 2008, e que é dirigida por Inês Bogéa, a quem sou grato e de quem sou grande admirador.
Meu primeiro embarque internacional com a Companhia foi em 2010. Eu estava muito ansioso e animado para conhecer novos lugares e dançar para um público diferente. As primeiras apresentações foram repletas de muita adrenalina e emoção, não tenho muito clara a lembrança, pois eu ainda estava encantado com o fato de estar dançando fora do país. Aos poucos, fui me acostumando e me divertindo a cada viagem e apresentação.
As turnês internacionais são sempre uma ótima oportunidade para os bailarinos conhecerem novas culturas, dançar para um público diversificado e para aprendermos com outros bailarinos e coreógrafos. Sempre procuro assistir a espetáculos de outras companhias, é uma das minhas atividades favoritas em turnês, ver a arte singular de cada país, cada cidade, cada bailarino.
O meu sentimento a cada viagem é sempre de muita felicidade, sou grato quando tenho a oportunidade de viajar para o exterior para dançar. É uma experiência única que me enriquece como artista e como pessoa, sem contar que é uma experiência incrível poder viajar fazendo o que tanto amo! Hoje vejo que essa experiência moldou meus pensamentos, poder conhecer a cultura e costumes de diferentes países amplia a nossa visão do mundo.
Tive muitos momentos marcantes nessa trajetória internacional. Lembro do primeiro aplauso, foram uns 7 minutos, no Brasil isso não é comum. Outro momento marcante foi quando dançamos “O sonho de Dom Quixote”, de Marcia Haydée, em Baden-Baden, na Alemanha. Foi uma apresentação muito especial, uma companhia de dança brasileira dançando a coreografia de uma bailarina brasileira que fez toda a sua carreira na Alemanha, uma das grandes estrelas da dança. A responsabilidade e o orgulho de representar essa mulher e sua obra foi um momento muito importante para mim.
Mas, como em qualquer experiência, também tivemos momentos ruins e difíceis. O convívio entre os integrantes, às vezes mais sensível durante turnês longas – mas, depois, com o tempo, surgem boas risadas. Em alguns países o choque cultural é bem forte também, a realidade econômica, as diferenças. Mas o meu balanço é de que as turnês internacionais foram muito importantes para minha vida pessoal e profissional. Elas me ajudaram e me ajudam a crescer como artista e como pessoa, elas foram e são importantes para minha a carreira, pois me deram a oportunidade de dançar para um público diverso e de aprender com outros bailarinos e coreógrafos de fora do meu país.
As turnês internacionais são importantes para a São Paulo Companhia de Dança, pois ajudam a divulgar o trabalho da Companhia para um público mais amplo, levando o nome do Brasil, e são essenciais na captação de recursos da Companhia. A Companhia sempre investe na qualidade das apresentações e na divulgação do trabalho. Hoje temos um público fixo e conquistamos alguns prêmios, isso tudo conta para o nome e a representatividade brasileira em outras terras. Olho para as turnês internacionais como uma oportunidade de compartilhar minha arte com pessoas de todo o mundo e de aprender com outras culturas. É sempre um momento especial para mim e para todos os bailarinos.
O carinho de quem cuida: Edméia Evaristo, camareira da São Paulo Companhia de Dança
Desde 2019 tenho viajado o mundo com a Companhia e tem sido maravilhoso. Tenho aprendido muito. É sempre muito tenso pela distância e porque é de minha responsabilidade ajustar os detalhes. Por exemplo, tenho que ajudar a fechar toda carga e garantir que não esquecemos nada, não é? É uma preocupação! Cada figurino é checado para confirmar o que vai, assim como os acessórios e a maquiagem. Dou um suporte para que a gente leve o material mais completo possível, mas também controlo para não exceder o peso também [risos]. Porque há essas limitações de peso, sejam as malas ou os acessórios. É um trabalho de equipe e, para checar tudo isso, conto com a ajuda de algumas pessoas da Companhia.
Tem muitas coisas importantes que a não devem faltar na mala, mas sabe o que não pode faltar nunca? Disposição. Muita disposição, boa vontade e fé que a gente leva também. E o kit essencial de “primeiros socorros” é o de costura. Nunca podemos esquecer de levar linha, agulha, alguns botões e elásticos porque muita coisa pode acontecer e tenho que estar pronta para qualquer imprevisto, para poder socorrer. A gente socorre ajustando o figurino dentro do tempo, ou, na verdade, o mais rápido possível.
Uma das coisas que toda viagem também tem como desafio é o fuso horário. No começo eu estranhei muito, mas costumo me adequar rápido, porque a gente tem muitas demandas. A gente viaja dentro de viagem. Quando chegamos na Europa, por exemplo, a gente visita várias cidades. Se vamos para Alemanha, nos apresentamos em várias cidades dentro do país, e é a mesma coisa na França. Então a gente se adequa rápido, às vezes são apenas 4 horas, não chega a ser um fuso muito grande.
Na minha primeira viagem com a Companhia, estranhei muito até porque também tinha todo o processo de sair do país e, uma vez chegando lá, estranhei a alimentação, estranhei a gastronomia da Alemanha. Já a da França, nem tanto. Na França dá até para emagrecer! [risos]. Mas foi muito melhor para me adaptar. Na Alemanha tem muita comida embutida, muita linguiça, mas a gente vai sempre dando um jeitinho. Se encontramos, vamos aos restaurantes onde tem uma comida mais próxima da brasileira. Quer dizer, se o tempo permitir. Porque o tempo é sempre apertado. Por outro lado, quando é turnê de 30 dias, por exemplo, você não tem como não se adequar, pois você acaba se habituando à cultura deles também, mesmo eu não falando inglês.
Aliás, isso é uma parte um pouco complicada para mim. Não falo inglês, mas é preciso se virar, não é? Na linguagem de costura, de camarim, na linguagem profissional a gente vai se ajustando conforme dá. E, confesso, sempre que comento falo da minha primeira viagem. Sou muito grata, porque como lido com costura, sempre gostei muito de moda, mas nunca estudei. Sempre costurei, já são 40 anos. Mexo com figurino e amo costurar. Por isso foi um privilégio que logo a minha primeira viagem pela Companhia, primeira viagem mesmo – nunca tinha entrado em um avião antes – foi conhecer a França! França é Paris, é específico assim. Paris sempre foi um sonho. Foi marcante! Até hoje, quando a gente vai perto de Paris, quando as folgas permitem, a gente dá uma fugidinha e vai visitar aquela torre maravilhosa.
Outra coisa que logo aprendi em turnê é que não tem rotina. Quando a gente está fora, a rotina passa bem longe, porque a gente depende do horário, do cronograma de cada espetáculo, de cada teatro. A minha função é chegar, olhar o espaço, dividir os bailarinos, organizar cada camarim, colocar o figurino de cada um, já com os nomes, com os acessórios, com tudo, facilitando o máximo possível a vida deles. Quando os bailarinos chegam, já está tudo bem organizado, em cada lugar, todo figurino de cada um para cada obra.
E no final de cada espetáculo, de cada ensaio, a gente higieniza toda a roupa. E se ficamos em um teatro por um período um pouco mais longo, cuidamos da lavagem. Cada teatro dá um suporte, e os teatros da Europa são muito bons mesmo. A gente lava, higieniza, passa. Geralmente tem camareiras locais que nos ajudam e organizam as coisas junto conosco, facilitando muito o meu trabalho, muito mesmo. Nesses 5 anos que estou na Companhia, completados exatamente em janeiro, já fui para Alemanha, França, Dubai, Canadá e Suíça.
Além de Paris, a viagem mais marcante para mim foi a de Dubai, porque ver a cultura dos Emirados Árabes me fez sentir como se estivesse dentro de um filme de ficção. As vestimentas deles são completamente diferentes das que a gente está habituado e, mesmo com o calor intenso, estão todos impecavelmente vestidos com aquelas roupas branquíssimas. Isso me impactou muito. Foi uma experiência mágica. Por isso, mesmo na correria dos espetáculos, na correria da turnê, se sobrar um tempo para a gente conhecer os lugares, a gente faz. Na Suíça, fiquei fascinada com as catedrais maravilhosas, com os rios. E outra coisa que me marcou foi a segurança, a gente se sente segura. Infelizmente, não é? Coisas que a gente deveria ter aqui e não têm.
As viagens também nos dão chance de nos conectar com os profissionais dos países que visitamos, o que é maravilhoso, porque a gente se sente muito bem recebido. Eu, como camareira, me sinto igualada a cada um de lá. A gente não se sente inferior, porque tratam a gente com muito carinho, muito carinho mesmo. Muita atenção. Sempre dispostos a facilitar a vida, a oferecer o que tem de melhor em cada lugar, a ajudar no nosso trabalho. Me sinto literalmente em casa, mesmo sem falar a língua. A gente fala a linguagem profissional.
Tem um lugar que ainda sonho muito em conhecer e que a companhia já foi duas vezes, mas, como eu ainda não estava contratada, não fui – é Israel, Jerusalém, por conta da religiosidade, da fé, da cultura. Acredito que a gente volta outra pessoa, com outra energia. O que vi na televisão achei lindo. Imagina estar num lugar desse? A nossa próxima viagem é para Inglaterra, que também vai ser tão lindo quanto, não é? É outro lugar que deve ser maravilhoso também e será a primeira vez que a Companhia vai visitar. Vai ser emocionante!
Entre viagens e outras culturas, a bailarina Gabrielly Juvêncio aproveita para reconectar com amigos e representar o Brasil em palcos internacionais
A preparação de uma bailarina para uma turnê internacional não tem nada muito atípico, na verdade. Deixo meu corpo bem-preparado para a mudança de rotina, além do fuso horário. O que difere é a alimentação, que acaba mudando, e com isso acaba afetando a musculatura.
Quando morei na Áustria, por dois anos e meio – foi a minha primeira experiência vivendo na Europa – tudo era novo e eu almejei conhecer novos países, viver novas culturas. Sempre gostei de explorar e conhecer novas possibilidades. Por isso, quando cheguei, logo fui em busca de conhecer os arredores e conhecer a cultura do país. Agora que estou em turnê o meu foco principal é o trabalho. Até temos alguns dias de folga, porém o desgaste físico é maior e o tempo de recuperação do corpo também é extremamente maior. Dependendo da cidade, pois são muitas horas de viagem entre uma e outra, para que no outro dia já esteja preparada para trabalhar, aproveito para descansar.
Na minha mala, a primeira coisa que nunca pode faltar são as minhas sapatilhas de balé, claro! São meus instrumentos de trabalho. Mas além delas, casacos de frio e remédios, pois alguns medicamentos precisam de receita médica e prefiro levar do Brasil, para que não haja complicações durante a viagem. Já para manter o corpo preparado mesmo mantenho uma combinação de disciplina e equilíbrio, combinando a rotina de preparo pré-aula e ensaios – que são sagrados pra mim –, e que envolve me aquecer ouvindo músicas que gosto, exercícios pra acordar o corpo, me alongar… também o equilíbrio de ter meus momentos de pausa e silêncio, que são fundamentais.
Como geralmente a Companhia fornece um livreto com os nossos horários e de como vai ser o nosso dia, justamente para nos prepararmos, nesse livreto tem recomendações sobre a cidade e os pontos turísticos. Se der para passear, aproveito. Mas neste meio tempo já consegui reencontrar amigos da época de quando morei na Áustria e para mim foi gratificante tê-los na plateia me apoiando e prestigiando. Conheci bailarinos de outras companhias, como da Alemanha, e pude me conectar com eles, me parabenizaram pelo espetáculo, queriam saber como funciona a Companhia.
Durante a turnê tem um horário limitado no café da manhã – porque são os horários dos hotéis –, mas, no almoço, normalmente vamos a um restaurante. O bom é que em alguns hotéis fica disponível uma pequena cozinha e para me distrair faço eu mesma algumas refeições. Normalmente, no primeiro dia de ensaio temos uma programação mais longa, incluindo aula, ensaios e marcação de palco. A marcação de palco consiste em marcar os lugares e ajustar a iluminação, tem toda uma equipe preparada para a realização do espetáculo. Por isso, a rotina em turnê é basicamente aula, ensaio geral. Depois dos ensaios temos uma pausa para o jantar e logo em seguida começa a preparação para o espetáculo. Voltamos para o hotel, deixamos tudo pronto para o jantar e descansarmos. No outro dia partimos para o próximo destino.
Nessas viagens o que mais me impressionou foi o público. Foram mais de 15 apresentações, e o teatro lotava todos os dias, os aplausos eram calorosos e me emociono só de lembrar! Voltei à Europa agora em dezembro para representar o meu Brasil pela primeira vez com a São Paulo Companhia de Dança, para dançar obras brasileiras – foi a realização de um sonho mostrar um pouco desse Brasil diversificado.
Já conheço a Áustria, a Alemanha, a França, a Polônia e o Canadá. Gostaria de conhecer um pouco mais os Estados Unidos, porque ali fiz apenas uma breve viagem por Nova York, e os países da América do Sul, claro!
Nota da SPCD: Desde o seu surgimento, em 2008, a São Paulo Companhia de Dança já levou a dança do Brasil para muitos países: Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Itália, Luxemburgo, México, Paraguai, Suíça e Uruguai. Foram mais de 240 apresentações, para um público superior a 320 mil pessoas. Em fevereir, a SPCD segue para mais uma turnê, desta vez para palcos da Irlanda e do Reino Unido. É a dança do Brasil pelo mundo.
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