“Aceitei um desafio gigantesco”, diz novo diretor do Municipal do Rio

por Luciana Medeiros 03/02/2022

O Theatro Municipal do Rio de Janeiro tem, oficialmente, novo diretor artístico. O tenor paulistano Eric Herrero (“sou da Vila Matilde, na Zona Leste”) teve seu nome confirmado em Diário Oficial na terça-feira, 1º de fevereiro, e assumiu o lugar do regente Ira Levin, demitido da função no dia 13 de dezembro depois que conflitos com os corpos artísticos se intensificaram. Herrero – cantor de carreira sólida no Brasil, cuja trajetória se iniciou com a vitória no VII Concurso Brasileiro Maria Callas – estreia nessa função, embora já integre o Conselho da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa desde janeiro de 2021. Ele conversou com a CONCERTO.

A sua nomeação saiu agora mas você já vinha trabalhando no teatro desde o inicio de 2022, é verdade?
Sim, pela minha presença na Secretaria, nas funções de conselheiro e também, desde abril de 2021, como presidente do Colegiado Estadual de Música, que lida com o setor nas dez regiões do estado, com uma presença nas comunidades e cidades, visitando. A política cultural me fascina. E tenho bastante proximidade com o Municipal. Estou ainda terminando minha formação como tecnólogo em produção cultural na Universidade Cruzeiro do Sul, que traz boas noções de administração de equipamentos culturais. Já fiz algumas produções no campo da ópera. Além disso, tenho uma relação, digamos, familiar com o teatro carioca: sou casado desde 2017 com a soprano Flávia Fernandes, uma das cantoras solistas da nossa casa lírica, com grande experiência nos palcos. 

E o artista continuou atuando nesse período?
Sim, com meu canal por assinatura no Instagram e fui trabalhando paralelamente.

Qual foi sua primeira atuação no palco do Municipal carioca?
Em 2009, cantei um Guarani em concerto com regência de Luiz Fernando Malheiro e, em seguida, fui Ismaele na montagem de Nabucco em 2011, com Silvio Viegas. E voltei muitas vezes, todos os anos.

O mundo todo empobreceu, a conjuntura mundial é difícil. O país e o estado não seriam diferentes.

E esse convite, nesse momento, como chegou para você? Como você vê o teatro no contexto atual – dificuldades financeiras, Lei de Responsabilidade Fiscal no Estado, pandemia?
Tenho consciência plena do desafio gigantesco que é a direção artística. Mas tenho o apoio dos artistas da casa e por eles, também, aceitei a função. E tenho uma equipe que me apoia, de primeira: Eduardo Pereira, Marcos Menescal e Adriana Rio Doce. Isso me dá muito gás e a fé de que a gente vai conseguir ter um bom ano, apesar das dificuldades. Pelo lado do problema financeiro, é geral. O mundo todo empobreceu, a conjuntura mundial é difícil. O país e o estado não seriam diferentes.

Mas o Estado do Rio de Janeiro está vivendo uma situação especialmente complicada.
Os impedimentos da Lei de Responsabilidade Fiscal, acredito, serão superados. É minha visão dos esforços do Governador, que tem demonstrado que a situação vai melhorar. Esse ano, de eleição, é sempre mais curto. 

Do ponto de vista simbólico, como você vê a importância do Municipal? Há quem diga que se diluiu. E o fator simbólico é componente-chave.
Eu acho que o Theatro Municipal tem um DNA muito claro que tem que ser respeitado. Ao mesmo tempo, é importante promovermos uma flexibilização do acesso aos artistas. Vejo com muito bons olhos os editais públicos de ocupação da Sala Mário Tavares e o Municipal Em Cena – esse, aberto até dia 9. Assim, o teatro cumpre sua função respeitando o DNA, mas ao mesmo tempo abre espaço para quem nunca teve acesso a esse equipamento maravilhoso, e público. Podem dizer que uma vez na vida estiveram no Municipal. É uma responsabilidade, a de ser parceiro do artista, à qual não podemos dar as costas, sem tirar o mercado dos artistas do nosso setor, democratizando esse acesso.

O DNA de um teatro lírico é baseado na presença de corpos artísticos, para montar espetáculos que só são viáveis dessa maneira. É o sentido específico e singular. E nesse momento os corpos artísticos estão muito depletados. Como você pensa enfrentar esse problema?
Isso passa pelo momento do regime de recuperação fiscal do estado. A presidente Clara Paulino e a secretária Danielle Barros têm um mapeamento das necessidades e estão muito empenhadas em resolver o problema. Tenho fé que a gente vai conseguir avançar esse ano. Amo demais essa casa.

Estamos em meio a um trabalho baseado no diálogo e na escuta. Estou ouvindo as demandas da casa, que eu já conheço em boa parte. A criatividade precisa estar aliada à competência da equipe.

Vocês já têm previsão de orçamento e disponibilidade financeira para a programação? E o que será possível fazer com esse recurso?
Estamos em meio a um trabalho baseado no diálogo e na escuta. Estou ouvindo as demandas da casa, que eu já conheço em boa parte. A criatividade precisa estar aliada à competência da equipe. A temporada poderia, e deveria, estar muito adiantada desde novembro. Encontramos quase nada programado. As diretorias dos corpos artísticos estão ficando a par das nossas limitações. Pretendo ainda em fevereiro divulgar a temporada do primeiro semestre e, em junho, provavelmente, a do segundo semestre. Claro que tudo depende do andamento das questões sanitárias, as variantes. Não quero divulgar e ter que cancelar, inclusive por causa dos parceiros que investem no teatro. De qualquer maneira, há efemérides que celebraremos, como o centenário da Semana de 22, o bicentenário da Independência, datas redondas de Débussy, Lalo, Massenet... e os 400 anos de Molière!... Já deixo a dica aqui.

O teatro já receberá a lotação total? E o digital, continua na mira?
Nossa última programação aqui teve 100% do público. O digital continua sim na mira mas precisamos dialogar com os corpos artísticos sobre direito de imagem. Ainda não há uma decisão tomada. O que for decidido pela maioria será feito. As ferramentas digitais vieram para ficar, e ficarão cada vez mais importantes e tecnicamente aperfeiçoadas. Vamos continuar exigindo comprovante de vacinação e máscara enquanto for necessário.

O tenor Eric Herrero, novo diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro [Divulgação/Luisa Mattos]
O tenor Eric Herrero, novo diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro [Divulgação/Luisa Mattos]

 

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