Maria Teresa Madeira grava disco com a obra para piano de Joel Nascimento

por Luciana Medeiros 21/08/2023

Nascido em 1937 no tradicional bairro da Penha, no Rio de Janeiro, Joel Nascimento se interessou desde cedo, e intensamente, pela música. Começou com piano e cavaquinho, estudou acordeão, entrou no Conservatório Brasileiro aos 18 anos... para abandonar tudo aos 22, acometido por uma surdez parcial. Cursou Radiologia, trabalhou em hospital e em companhia aérea, mas a perda daquele talento parece ter deixado inconformados os deuses da música. O irmão Joyr, violonista, um dos fundadores do bar Suvaco de Cobra, também não se conformou e, em 1968, aos 31 anos, Joel ganhou um bandolim – e, a bordo do novo instrumento, nunca mais deixou a música. 

O piano ficou em segundo plano, mas nunca esquecido. Esse multi-instrumentista, compositor, virtuose (Radamés Gnattali dizia: “Joel Nascimento toca colorido, os outros em preto e branco”), pintor amador, reuniu em 2010 suas composições para piano e bateu na porta da também carioca Maria Teresa Madeira – outra figura que transita nos universos popular e de concerto e que, entre outros projetos, registrou a obra completa de Ernesto Nazareth.

Joel é um músico excepcional e isso se reflete na diversidade do que ele cria, um caldeirão de informações e vivências, imaginação fertilíssima e uma espontaneidade incrível, diz a pianista

Treze anos depois dessa visita, sai pela Biscoito Fino o disco Maria Teresa Madeira interpreta Joel Nascimento (obras para piano). O álbum está na praça com 12 composições, algumas delas em primeiro registro fonográfico. Dez foram escritas para piano ao longo de várias décadas, e duas são transposições do bandolim.

“Quando Joel me procurou, disse que tinha esse sonho, o de ter gravada a obra dele para piano”, diz a pianista. “Começamos a trocar ideias e a trabalhar juntos. Demorou, mas saiu.”

A peça que encerra o disco, Uma canção à Villa-Lobos, tinha sido interpretada por Maria Teresa no documentário O Último Chorão, sobre Joel, com direção e roteiro de Ricardo do Carmo, lançado em 2019. “Foi a primeira composição dele para piano que eu conheci. Joel é um músico excepcional e multifacetado e isso se reflete na diversidade do que ele cria”, analisa Maria Teresa. “Um caldeirão de informações e vivências, imaginação fertilíssima e uma espontaneidade incrível – às vezes, sinto como se ele estivesse escrevendo uma improvisação, muito bem-organizada.”

Apesar de ter o bandolim como instrumento de referência, o próprio Joel postou, em rede social: “o piano é meu instrumento preferido; mas nunca abandonei totalmente o universo pianístico de concerto, que sempre me serviu de arcabouço para abordar o choro e a música brasileira”. 

Tendo formação clássica, o idiomatismo pianístico das composições não surpreende. “Ele acabou trazendo uma combinação com a linguagem do choro. É muito lírico, suas peças têm sonoridades doces e também linhas melódicas com força expressiva muito grande.” Ao mesmo tempo, o repertório passeia por “momentos de bravura, outros mais virtuosísticos”, ela continua.

O disco tem três valsas que Maria Teresa sente como “chopinianas, como ele mesmo fala, mas com toda a influência de Nazareth, Chiquinha, Gnattali, filtrada pela percepção dele que é repleta de informação”. Já em Silhueta, Joel começa “como se estivesse desenvolvendo um tema barroco a duas vozes com algumas ornamentações e, de repente, fica mais denso em termos melódicos”, segue Maria Teresa. “Ali ele flerta com a modinha, com melodias muito ricas, algumas bem sinuosas.”

Prestes a completar 86 anos, Joel é reverenciado entre os músicos brasileiros e conhecido como “o bandolinista preferido de Jacob do Bandolim”. Foi fundador de uma longa série de grupos de choro, entre elas a mítica Camerata Carioca, locomotiva da redescoberta do choro. Joel, premiadíssimo, carreira longa e quase incontáveis feitos artísticos, está celebrando seu sonho realizado, em postagens felizes das redes sociais. “E eu estou muito honrada, porque fui a pianista que ele sonhou ter. Captar o pensamento dele é uma responsabilidade e foi exercício de um imenso afeito”, encerra Maria Teresa Madeira.

[Clique aqui para ouvir no Spotify.]

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A pianista Maria Teresa Madeira [Divulgação]
A pianista Maria Teresa Madeira [Divulgação]

 

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