Música, cafezinho, liberdade: Clara Sverner completa 88 anos no palco

por Luciana Medeiros 24/08/2024

Lá pelas quatro da tarde, a pianista Clara Sverner pode ser encontrada num botequim vizinho à sua casa, em Copacabana. Todos os dias – ou melhor, sempre que está no Rio de Janeiro –, ela degusta o café expresso do boteco. “O pessoal já me conhece. Quando eu estou em turnê, aviso para não se preocuparem”, conta ela. Clara está em plena preparação para o concerto dessa terça, dia 27 de agosto, na Sala Cecília Meireles, em que comemora, com dois dias de antecipação, seus 88 anos. “Uma apresentação só. Nos anos 1980, eu fazia duas semanas de concerto na Sala, com o Paulo Moura”, lamenta ela. 

Dona de uma fartíssima e premiada discografia (que inclui duas indicações para o Grammy), lançou em março desse ano o álbum Brahms + Fauré, pela Azul Music – sem falar nos livros de contos e poemas, com escrita sofisticada. “Koellreuter, com quem voltei a estudar em 1994-96, queria que eu fizesse uma ópera baseada no meu conto Solidão”, revela. A ópera chegou a ser escrita, e quase finalizada. “Acho que não tenho nenhum talento para composição”, diz. Esteve no palco dos teatros ao lado de Nathalia Timberg, em 33 variações (2015) e em Chopin ou o tormento do ideal (2018).

Pequenina, elegante, a paulistana foi aluna do mítico Joseph Kliass, assim como Yara Bernette, os irmãos Martins, Jocy de Oliveira, Anna Stella Schic; estudou em Berlim e Nova York. Sua carreira de concertista seguia em vento em popa. “Eu achava que permaneceria tocando os grandes clássicos, com incursões nos dodecafônicos – fui a primeira a gravar Webern no Brasil –, até que Chiquinha Gonzaga mudou minha vida”. A vida, Clara? “Sim, modificou minha maneira de ser, com a abertura para esse mundo apaixonante, a parceria com Paulo Moura...”

Antes de Chiquinha, uma paixão havia arrebatado a pianista: a música de Glauco Velásquez (1884-1914), que gravou pela primeira vez em 1977 – e nunca mais abandonou. “Fiquei pasma com o fato de não conhecer Velásquez! Um dos grandes do nosso país.” E sua cartilha de desafios não parou. Empreendeu a titânica gravação da integral das 18 sonatas de Mozart para piano – três anos, cinco CDs, gravados no Rio de Janeiro e em Londres. “Outro divisor de águas na minha vida”, ela considera. “Encarei a ideia de mostrar uma voz diferente para essas obras, a minha voz, que refletia o sentimento de estar diante dessa genialidade.”

Numa carta, [Glauco Velásquez] escreve que o artista tem que ser livre; isso veio a mim em vários momentos da minha vida. E, aos 88, chego ao número de teclas do piano. Gostei disso!

No programa dessa terça-feira, um apanhado desses pontos de inflexão da vida de Clara Sverner. Ela toca Bionne e Atrahente, de Chiquinha Gonzaga; a sonata KV 331, de Mozart, que tem o hit Rondo alla Turca; a Sonatine de Ravel; Devaneio e Bruto Sogno, de Glauco Velásquez; e encerra com Brahms (Intermezzos Op. 117) e Chopin (três dos Preludes e também a Ballade nº1).

Entre projetos futuros, o de retomar a parceria com o filho, o multiartista Muti Randolph, no elogiado Sinestesia, projeto de música e eletrônica que sincroniza as teclas do piano com efeitos luminosos e móveis, que fez sua estreia na mesma Sala Cecília Meireles em 2012 e, em seguida, integrou o line up do Festival Sonar, no Anhembi.

“Lembro que uma revista de rock pesado fez uma resenha do espetáculo, dizendo ‘Não percam Clara Sverner tocando Ravel’. E num concerto a seguir, em São Paulo, a sala estava repleta de jovens.” Do mesmo modo, ela sabe que a música não tem fronteiras preconcebidas. “Fui tocar para operários em Cubatão e um deles me falou logo depois que tinha adorado Ravel.” 

Seguir sem preconceitos e, sobretudo, seguir em frente. “Eu me sinto uma trabalhadora”, reforça. Entre as suas duas gatas urbanas, no apartamento frente ao mar de Copacabana, e os quatro cães no sítio em Secretário, região serrana do Estado do Rio, tem como um dos seus lemas uma frase de Glauco Velásquez. “Numa carta, ele escreve que ‘o artista tem que ser livre’; isso veio a mim em vários momentos da minha vida. E aos 88, chego ao número de teclas do piano. Gostei disso!”

Veja mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO

A pianista Clara Sverner [Divulgação]
A pianista Clara Sverner [Divulgação]

 

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