A Orquestra Jovem do Estado, grupo ligado à Escola de Música do Estado de São Paulo e gerido pela Santa Marcelina Cultura, realiza neste sábado, dia 10, no Festival Vermelhos, na Ilhabela, e domingo, dia 11, na Sala São Paulo, a estreia mundial de Sol a pino, do compositor Rodrigo Lima. A obra é uma encomenda e faz parte das comemorações dos 40 anos da Orquestra Jovem do Estado. A apresentação será regida pelo maestro Cláudio Cruz.
O grupo também interpreta a suíte Pelléas et Mélisande, de Fauré, uma das obras a levar ao universo da música o texto do poeta simbolista Maurice Maeterlinck; e o Concerto para violino, de Dvorák, com solos da violinista coreana Jiyoon Lee, concertino da Orquestra da Staatskapelle de Berlim.
Professor da Emesp e da Academia da Osesp, Rodrigo Lima conversou com o Site CONCERTO sobre sua obra. E, na entrevista a seguir, ele conta como foi o processo de criação e define a peça como símbolo de sua procura por uma “poética que faça do ato de compor um exercício de descoberta de si e do outro, não apenas do que habita no além-mar, mas sobretudo no que reverbera à nossa volta nos trópicos”.
Qual foi o ponto de partida para a criação de Sol a pino?
O ponto de partida se deu ainda no ano passado, a partir do interesse da Santa Marcelina Cultura de incluir uma obra minha na temporada 2019 de comemoração dos 40 anos da Orquestra Jovem do Estado. A partir disso comecei o trabalho de gestação da peça, não ainda o trabalho composicional propriamente dito, mas uma etapa inseparável do processo que eu costumo chamar de caça por estímulos à criação, por uma centelha que possa dar movimento a uma ideia sonora. Eis então que me deparo com a seguinte passagem do livro A terra dos mil povos de Kaka Werá: “Toda palavra possui um espírito. Um nome é uma alma provida de um assento. É uma vida entoada. E a Vida é o espírito em movimento. Um ritmo. O espírito é uma música, uma fala sagrada que se expressa no corpo; por onde flui o canto que expressa o ser-luz-som-música...”
Como o texto o influenciou?
Fiquei profundamente instigado por essas ideias, sobretudo a que fala sobre o espírito das palavras e de que nessa terra tudo entoa; pedra, corpo, alma, gente... A escolha do título da peça vai um pouco nessa direção, pois a única certeza que eu tinha nesse primeiro momento era de que a peça teria um estado de espírito turbulento e visceral. Nesse sentido, Sol a pino me pareceu a metáfora mais próxima do que eu imaginava para a música e para os sentimentos que nos consomem no atual momento social e político do nosso país. O solstício dos trópicos que nos expõe a altas temperaturas, o pino do meio-dia onde já não há mais sombra sobre o homem. É imerso nessas ideias que fui trabalhando a música.
O que você procurou explorar na obra?
Do ponto de vista da escuta, eu creio que Sol a pino é uma espécie de espiral dos afetos, há nela certa inquietude que se reflete na sua natureza de permanente mudança. Não exatamente uma mudança dos materiais em si, mas uma necessidade latente desses mesmos materiais se reconfigurarem dentro da música, trazendo à tona uma nova perspectiva sonora a cada momento. Do ponto de vista mais específico da composição, assumi três estruturas, ou personagens. Um de caráter puramente rítmico, outro melódico, como uma espécie de cantus firmus, e, por último, um conjunto de acordes que irá delinear os matizes harmônicos da música, sua cor. Dessa forma, fui arquitetando uma narrativa que fosse marcada por súbitas mudanças de direção. Como num filme onde a linearidade de uma história é subitamente interrompida por outra para logo em seguida ser retomada a partir de outro ângulo, criando um entrelaçado de fluxos temporais que a todo o momento são reconstruídos. É dessa forma que Sol a pino se desenrola, construindo e desconstruindo movimento dentro dessa espiral onde o afeto é a mudança e onde tudo entoa, corpo, pedra, alma, gente.
Como definiria esta peça no contexto de sua obra?
Difícil ter uma resposta precisa sobre isso agora, pois acabo de compor a peça, então é tudo muito recente. Escrevi a música entre final de janeiro e início de maio de 2019. No momento estou mergulhado na fase de ensaios com a orquestra e com o maestro Claudio Cruz. Tem sido uma experiência maravilhosa trabalhar com eles, além da alegria de reencontrar ex-alunos na orquestra. Então não tive tempo para essa reflexão ainda. Mas uma coisa é certa, ela faz parte de um conjunto de obras mais recentes como, por exemplo, Txury-ò “Caminho por onde vai o sol”, Antiphonas, Elegia em azul e a série de Matizes onde tenho procurado uma poética que faça do ato de compor um exercício de descoberta de si e do outro, não apenas do que habita no além-mar, mas sobretudo no que reverbera à nossa volta nos trópicos.
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