Acervo CONCERTO: A vida e a obra de Leonard Bernstein

por Redação CONCERTO 10/12/2023

Texto de Leonardo Martinelli publicado na edição de junho de 2011 da Revista CONCERTO

Como se sabe, de perto ninguém é normal. Mas, no caso do regente e compositor Leonard Bernstein, as excentricidades aparecem de longe – e vêm desde muito cedo. Natural de uma família de judeus ucranianos que emigraram para os Estados Unidos no final do século XIX, foi registrado como Louis; por razões que escapam a qualquer lógica racional, desde cedo foi tratado como Leonard, exceto por sua avó, que fazia questão do nome original. Após a morte da matriarca, quando Leonard tinha apenas quinze anos, mudou oficialmente seu nome, o que não impediu que o chamassem de Lenny, apelido pelo qual foi tratado ao longo de toda sua vida. 

Nascido na pequena cidade de Lawrence, no estado de Massachusetts – onde o pai tocava uma livraria paralelamente a seus negócios no ramo de cosmética –, na infância Leonard enfrentou resistência paterna em seu engajamento pela música. Era o irmão mais velho que o levava aos concertos e o incentivava nos estudos musicais. Após concluir sua educação em nível médio, o talento do jovem Bernstein já era evidente e inegável, tanto que foi admitido, em 1935, no curso de música da prestigiada Universidade Harvard. Ali participou de diversas produções musicais e teatrais, teve aulas com Edward Burlingame Hill e Walter Piston e travou contato com o compositor Aaron Copland e o regente Dimitri Mitropoulos.

Apesar de não ter sido aluno do famoso maestro grego, Mitropoulos seria uma das mais importantes influências artísticas de Bernstein. Após sua graduação em Harvard, em 1939 – para a qual escreveu a dissertação A absorção de elementos raciais na música americana, ideia que orientaria parte de sua poética composicional –, continuou seus estudos durante uma pequena estada no Curtis Institute of Music, na Filadélfia. A essa altura, Bernstein já se provara músico feito e, na primeira oportunidade, atendeu ao chamado que a Big Apple lhe fez. 

New York, New York

Aos 22 anos de idade, Bernstein iniciou sua história na cidade de Nova York, cuja trajetória se misturaria a dele. De início, com pouco dinheiro e muita vontade de viver, o jovem músico dividiu um apartamento com o dramaturgo, letrista e amigo Adolph Green (um dos responsáveis pelo roteiro de Cantando na chuva) e vivia às voltas com outros artistas que também davam seus primeiros passos no showbizz. Para sobreviver, trabalhou fazendo arranjos e adaptações de partituras sob o pseudônimo de Lenny Amber (“âmbar”, tradução da palavra alemã Bernstein) e, nas horas vagas, vivia de maneira intensa todos os deleites e prazeres de uma revolução comportamental (e sexual) que se iniciava. Nessa época, Lenny travou abertamente vários relacionamentos amorosos, tanto com mulheres como com homens. 

Paralelamente à vida loca, Bernstein dava passos decisivos rumo a uma prestigiada carreira como regente, ao ser admitido na classe do maestro russo Serge Koussevitzky no festival de verão da Sinfônica de Boston, o famoso festival de Tanglewood. Sua musicalidade e seu talento impressionaram os gigantes da regência europeia que haviam emigrado para os Estados Unidos por conta da Segunda Guerra Mundial; além de Mitropoulos e Koussevitzky, o alemão Bruno Walter também se encantara por suas habilidades no pódio e, em 1943, convidou Bernstein para auxiliá-lo junto à Filarmônica de Nova York. Estabeleciam-se então as condições para o surgimento de um mito. 

Em 14 de novembro daquele ano, Bruno Walter, seriamente abatido por uma gripe, ficou impossibilitado de reger um concerto com a Filarmônica de Nova York. O jovem Bernstein, que acabara de assumir o cargo de regente assistente da orquestra, foi convocado a conduzir o concerto sem ter realizado sequer um ensaio. O programa incluía difíceis obras de Wagner, Schumann, Rozsa e Strauss, e a preparação de Bernstein se resumiu a uma breve conversa com Walter sobre as principais dificuldades das músicas. Para aumentar a carga de responsabilidades, o concerto seria transmitido ao vivo em rede nacional de rádio. Mas a apresentação foi um enorme sucesso e seu nome acabou estampado com honras de herói na primeira página do The New York Times

Com o nome catapultado às alturas, vários convites e oportunidades surgiram para o Leonard Bernstein regente. E, aproveitando o sucesso com a batuta, gradualmente Lenny também fazia notar seu lado compositor. 

Wonder years 

Leonard Bernstein realizou uma carreira única, participando de projetos musicais interessantes e gozando de uma merecida deferência e popularidade nos mais diferentes segmentos da sociedade. Entretanto, é inegável o fato de as décadas de 1940-50 terem se mostrado especialmente intensas a este homem de energia inesgotável. 

Após a famosa estreia com a Filarmônica de Nova York, Bernstein foi convidado, em 1947, a assumir a New York City Symphony Orchestra, recém-fundada por outro famoso maestro, o inglês Leopold Stokowski. Ali, Bernstein pôde imprimir um estilo próprio, programando concertos com obras modernas a preços populares. Ao mesmo tempo, dava seus primeiros passos como compositor de musicais ao estrear, na Broadway, o espetáculo On the Town. Com o fim da guerra, a Europa pôde conhecer o enfant terrible do Novo Mundo, quando Bernstein regeu a Philharmonia Orchestra, inclusive conduzindo-a desde o piano, enquanto solava o difícil Concerto em sol maior de Ravel (hábito que herdou de Mitropoulos). 

No final de 1951, Bernstein casou-se com Felicia Cohn Montealegre, atriz chilena de origem judaica. À época já um notório bissexual, suas bodas foram comentadas e fofocadas, e a ideia de um casamento de fachada era disseminada abertamente no high society da Big Apple. Apesar disso, Bernstein teve três filhos com Felicia, e vários biógrafos e amigos chegam a afi rmar que o músico viveu um período de “sossego” durante os primeiros anos de sua vida conjugal. Entretanto, com o passar do tempo, torno-se pública a vida dupla que ele mantinha, provavelmente com conhecimento da própria esposa. Finalmente em 1976, Lenny viria a se separar de Felicia, assumindo um relacionamento com o escritor Tom Cothran. 

Foi ainda na década de 1950 que se deu um de seus maiores trunfos como compositor, a partir da estreia da opereta Candide, em 1956, e, no ano seguinte, com o colossal sucesso do musical West Side Story. No mesmo ano, foi nomeado diretor da Filarmônica de Nova York, sucedendo seu amigo e mentor Mitropoulos. 

Radical chic

Bernstein sequer tinha completado 40 anos quando chegou ao “topo do mundo”. Com livre trânsito entre a música popular e a de concerto, o maestro mantinha um trabalho regular de música moderna e contemporânea, tendo sido responsável pela estreia de obras como a Sinfonia nº 2 de Charles Ives, pela Sinfonia Turangalîla de Olivier Messiaen, além da encomenda da Sinfonia de Luciano Berio para o 125º aniversário da Filarmônica de Nova York, obra hoje considerada um dos maiores monumentos sinfônicos da segunda metade do século XX. 

Frente à sisudez que por vezes insiste em imperar nas salas de concerto, seu comportamento carinhosamente despojado e seu estilo de vida desregrado fizeram de Bernstein avis rara da cena cultural do século passado. Outro episódio que também fez estampar seu nome nos jornais e revistas foi seu apoio (inclusive financeiro) a diversos membros do Panteras Negras, grupo que na década de 1970 lutava pelos direitos civis da população negra norte-americana. Para satirizar o envolvimento do abastado e excêntrico artista com o movimento popular, um escritor e jornalista criou o termo radical chic referindo-se a Leonard Bernstein em um famoso artigo publicado na revista The New Yorker

À parte as polêmicas, não resta dúvida de que Bernstein consolidou sua existência não apenas como um dos maiores regentes do século XX (o que por si já não seria pouco), mas também como consistente compositor e intelectual de nosso tempo.

O maestro Leonard Bernstein [Reprodução/YouTube]
O maestro Leonard Bernstein [Reprodução/YouTube]

 

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