Camila Fresca: uma temporada de tirar o fôlego 

por Redação CONCERTO 11/01/2025

Retrospectiva 2024: Camila Fresca, jornalista e pesquisadora, colunista da Revista e do Site CONCERTO

“A temporada 2024 se encerrou e muitos profissionais do meio musical dividiram com os leitores da Revista e do site CONCERTO suas reflexões sobre o que passou (leia mais a partir da pág. 29). Talvez a constatação mais relevante seja a de que, a despeito de quaisquer percalços, o meio musical recuperou seu ritmo pré-pandemia e tivemos um ano de muitas realizações. Em São Paulo, foi impossível acompanhar tudo – aliás, foi impossível acompanhar mesmo as coisas consideradas “mais importantes”, pois estas eram muitas e aconteciam uma em seguida da outra, quando não ao mesmo tempo.  

Um dos eventos mais marcantes para a música de concerto nos últimos tempos foi a reabertura do Teatro Cultura Artística. Demorou, mas valeu a pena. A acústica excelente da sala agora dedicada à música de câmara pôde ser conferida em uma programação vertiginosa, na qual se sucederam, em poucos dias, nomes como Matthias Goerne, Lang Lang, Bachakademie Stuttgart e Joshua Bell. Para além dos concertos extraordinários, o novo Cultura Artística sinaliza que está disposto a dialogar com as demandas não só da música de concerto, mas da sociedade contemporânea.  

Outro acontecimento importante é o florescimento de movimentos que reivindicam igualdade de gênero e raça. Esta coluna já tratou mais de uma vez da desigualdade de gênero na música clássica, mas é preciso destacar também a força e o dinamismo de coletivos negros como Jeholu e Ubuntu. Criados há pouco tempo, já fazem diferença em nosso meio, desenvolvendo projetos e reivindicando espaços.  

Com direção de Mere Oliveira, o Ubuntu realizou uma montagem de Carmen protagonizada por cantores negros. Por sua vez, o jornalista e pesquisador Felipe Brito, do Jeholu, organizou a temporada “Memórias negras” para a série Centro em Concerto, do Sesc Carmo. Figuras como Mere e Felipe ou, ainda, o violista Iberê Carvalho e a soprano Edna d’Oliveira estão liderando um processo que, em pouco tempo, pode mudar a cara dos protagonistas da música clássica brasileira.  

Centro em Concerto acontece nas igrejas do centro e é uma das pouquíssimas séries regulares de música de câmara que o Sesc mantém em São Paulo. É muito pouco para o tamanho da instituição e para a vida musical da cidade e do estado, a despeito de iniciativas incríveis que o Sesc mantém, como os lançamentos do Selo Sesc, que em 2024 enriqueceu a discografia brasileira com os álbuns do violonista Edelton Gloeden e do pianista Cristian Budu. Para sermos justos, no entanto, não podemos esquecer o Festival Sesc de Música de Câmara, realizado bienalmente e capitaneado por Claudia Toni, umas das mentes mais brilhantes da música de concerto brasileira. Em sua última edição, o festival apresentou uma ópera infantil, promoveu o encontro entre músicos brasileiros e bolivianos e trouxe canções das brasileiras Dinorá de Carvalho e Helza Camêu rearranjadas pelas compositoras Silvia Berg e Denise Garcia.  

Por falar em música de câmara, a Sala São Paulo anunciou a abertura de um novo espaço dedicado ao gênero, que se somará à programação de alto nível que a Osesp desenvolve (leia mais na pág. 5). Em 2024, a casa esteve cheia, com um público participante e que parece ter aprovado a alternativa dos concertos realizados às sextas-feiras às 14h30.  

O Theatro São Pedro é uma usina em perpétua ebulição, na qual títulos operísticos não óbvios, como a ótima montagem de Homens ao mar, de Vaughan Williams, somam-se a iniciativas que incluem os projetos de formação da casa: a dobradinha de óperas Uma rodada de bridge e O labirinto, pela Academia de Ópera e Orquestra Jovem do São Pedro; ou as óperas que têm resultado do Ateliê de Composição. Não bastasse, a casa acolhe projetos arrojados como “Grão da voz”, que Ligiana Costa criou e dirigiu para Bruno de Sá.   

Das casas tradicionais, no entanto, nenhuma parece pulsar mais que o Theatro Municipal. Quase sempre lotado, ele tem conseguido equilibrar títulos tradicionais, como Madama Butterfly, com experiências de alto nível, como a dobradinha O olhar de Judith (com obras de Malin Bang e Béla Bartók) ou um incômodo espetáculo baseado no filme Terra em transe. Os coros da casa andam energizados pelos trabalhos de suas maestras Érika Hindrinkson, do Coro Lírico, que teve um excelente desempenho no Canto de Maldoror; e Maíra Ferreira, do Coral Paulistano, que, entre as muitas atividades, destacou-se com um espetáculo unindo Stravinsky e Jocy de Oliveira. 

Nossas compositoras, aliás, parecem estar conquistando maior visibilidade: Jocy de Oliveira, além de ter suas obras tocadas, lançou um livro e aguarda a estreia de sua décima ópera. Marisa Rezende completou 80 anos com peças executadas pelas orquestras Municipal de SP, Jovem do Estado e pela Filarmônica de Minas Gerais, entre outras homenagens.   

Muitas coisas mal podem ser mencionadas aqui por falta de espaço, como algumas das atrações do Mozarteum Brasileiro ou a surpreendente série internacional da Tucca; os inestimáveis lançamentos de música brasileira do selo Naxos; os 15 anos do projeto Música Brasilis ou os 30 anos do Studio PANaroma, liderado pelo compositor Flo Menezes em São Paulo. Pelo Brasil, ainda faltaria tratar da excelência dos concertos da Filarmônica de Minas Gerais, da qualidade das temporadas da Sinfônica de Porto Alegre e das orquestras de Guarulhos, entre tantas iniciativas.  

Mesmo que existam no país grandes desafios estruturais e de gestão, do ponto de vista da qualidade e da diversidade da oferta musical, 2024 tem tudo para se tornar memorável.” 

[Texto publicado na coluna ‘Horizontes’ da edição de janeiro-fevereiro da Revista CONCERTO.]

[Clique aqui para ler outros depoimentos publicados na Retrospectiva 2024 da Revista CONCERTO.]

(divulgação, Heloísa Bortz)
(divulgação, Heloísa Bortz)

 

Curtir

Comentários

Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.

É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.