O site inglês Bachtrack publicou em janeiro um levantamento a respeito da programação artística de 2023, feito a partir de análise de 16.336 concertos e 9.217 récitas de óperas. Entre os diferentes recortes possíveis, um deu conta da lista de dez compositores vivos mais interpretados hoje mundo afora. E entre eles está a inglesa Anna Clyne.
Ela começou na música ainda na infância, compondo sua primeira obra aos 7 anos de idade. Em uma entrevista à rádio pública norte-americana em março deste ano, ela relembrou o início da carreira. “Eu me apaixonei pela música clássica ao tocá-la. Quando eu tinha 7 anos, alguns amigos da nossa família nos deram um piano. Tinha algumas teclas faltando, então eu as evitava, mas assim que comecei a tocar, comecei a escrever também. A primeira peça que aprendi foi Für Elise, de Beethoven, e a Sonata em dó, de Mozart. Então, alguns anos depois, lembro-me de estar em casa, na cozinha, e minha mãe dizer: ‘Aqui está uma carta da escola perguntando se você quer participar de um grupo, com aulas de violoncelo’. Eu não sabia muito sobre violoncelo, mas adorei. Então, minha escola e minhas aulas de música foram realmente minha introdução à música clássica fora de casa”, disse.
Clyne se formou na Universidade de Edimburgo e, em seguida, mudou-se para os Estados Unidos, onde estudou na Manhattan School of Music. Àquela altura, seu trabalho estava muito ligado à música eletrônica, mas ela com o tempo procurou não estar associada a apenas um caminho em sua criação. “Quando comecei como compositora, fazia muita música eletroacústica, combinando elementos pré-gravados com instrumentos acústicos ao vivo. Deixei a eletrônica de lado por volta de 2010, quando comecei minha residência com a Orquestra Sinfônica de Chicago, o que foi uma oportunidade de realmente refinar meu ofício de escrita para instrumentos acústicos. Então, fiquei pensando na próxima coisa curiosa a explorar. O que significa radical senão tentar coisas novas e não ter medo de falhar?”
O diálogo com outras artes, ela conta, foi fundamental para que ela encontrasse sua própria voz. Nesse sentido, as artes plásticas são uma influência importante. Peças como Night Ferry nasceram primeiro como uma série de painéis por ela pintados – cada um representando três minutos de música. “Eu sabia que queria um começo muito turbulento. Então, pintava isso e depois escrevia a música. Isso me manteve no caminho certo”, explicou, em conversa com o jornal The New York Times.
“Se uma peça é genuína, então estamos acessando algo dentro de nós. Mas para mim é um pouco como ser diretora de cinema. Se você está tentando evocar determinada coisa, nem sempre é algo que está dentro de você. Às vezes escrevo músicas muito sombrias e turbulentas, o que não significa necessariamente que seja um reflexo do meu mundo interior. É um reflexo da minha curiosidade em evocar uma gama de emoções diferentes. E, se estou alegre a maior parte do tempo, não quero estar sempre escrevendo músicas alegres. Espero que minha música se conecte com as pessoas em um nível emocional, porque é isso que estou tentando atingir.”
Esta meia-noite, escrita em 2015 para orquestra, se inspira em dois poemas. “Ainda que não tenha o objetivo de narrar uma história específica, minha intenção foi evocar uma jornada visual para o ouvinte”, ela explica nos comentários à partitura.
O primeiro poema, de Juan Ramón Jiménez, diz: “Música/uma mulher nua/correndo loucamente pela noite pura”. “Isto imediatamente me pareceu uma imagem forte e que escolhi interpretar com explosões de energia frenética – por exemplo, dividindo as cordas em subgrupos que tocam figuras fortíssimas em cascata descendentes escalonadas da esquerda para a direita em efeito estéreo. Isso decorre de minhas primeiras explorações da música eletroacústica”, ela explica.
Já Charles Baudelaire escreve, em Harmonie du soir: “Sons e perfumes giram no ar da noite;/ Valsa melancólica e vertigem lânguida!”. “Aqui, eu procurei improvisar a partir da ideia dessa valsa melancólica, parada no meio do caminho.”
Roteiro musical
Esta meia-noite será apresentada nos concertos dos dias 19, 20 e 21 de setembro pela Osesp, sob regência de Elim Chan. Veja mais informações aqui.
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Assista abaixo à obra “Esta meia-noite” em interpretação da Sinfônica da Rádio de Frankfurt HR:
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