Em entrevista publicada na edição de junho da Revista CONCERTO, a compositora brasileira Valéria Bonafé falou sobre a gênese de nos silêncios da tua voz. A peça foi escrita para vozes femininas, cinco narradoras e instrumentos ressonantes – e seu processo de criação se deu a partir do que ela chama de escuta compartilhada.
Bonafé, as pianistas Lidia Bazarian e Mariana Carvalho, a compositora Tatiana Catanzaro, a pianista Mariana Carvalho e a artista Lílian Campesato ouviram em conjunto Ouço vozes que se perdem nas veredas que encontrei, peça para vozes femininas escrita por Jocy de Oliveira, e, em seguida, “compartilhamos a maneira como escutamos, os afetos, as narrativas, nossa biografia, confissões, medos, atravessamentos”.
“Eu gravava a mensagem enquanto escutava a obra. A pessoa recebia essa mensagem e fazia o mesmo processo para responder”, explicou. A partir dessas conversas nasceu, que incorpora essas narrativas de forma a extrapolar individualidades, trazendo “significados que muitas mulheres podem compartilhar”.
nos silêncios da tua voz terá sua estreia mundial neste domingo, 23, na Sala São Paulo, em um dos concertos com os quais o Coro da Osesp comemora três décadas de atividades. A regência será do maestro William Coelho, que está à frente do grupo. “A peça foi uma encomenda do coro feita há alguns anos e a estreia acabou adiada por conta da pandemia”, ele lembra. “E, no ano passado, no momento em que a programamos, me pareceu que, já tendo a voz da Valéria no concerto, poderíamos dar voz a outras compositoras também. E assim nasceu o programa”, continua Coelho.
Coelho tem consciência da importância de lidar com vozes silenciadas historicamente, como as das mulheres compositoras. Chega mesmo a falar em algum constrangimento: ele, um homem, dar entrevista sobre um concerto em que serão apresentadas peças apenas de compositoras? Mas o fato é que ele entende que o papel de quem programa é também estar atento aos repertórios deixados para trás.
As mulheres, mas não só: há questões de raça, de identidade cultural, de gênero e também de geopolítica a serem consideradas. “Programar de maneira diversa é estar aberto à diversidade. É poder ouvir jeitos diferentes de se estar no mundo e, a partir disso, entender o quanto pode ser enviesado o nosso próprio jeito e iniciar um processo individual de transformação que tem consequências no todo.”
Além da peça de Valéria Bonafé, o concerto traz também a estreia mundial de Vozes-Mulheres, peça de Juliana Ripke escrita a partir de texto de Conceição Evaristo. E obras de Amy Beach, Florence Price, Ethel Smyth, Undine Smith Moore, Tadeja Vulco, Jocelyn Hagen, Kerensa Briggs e Caroline Shaw. “O ponto de partida, além da obra da Valéria, foi pensar a criação do século XIX e do século XX e fazer um recorte que, aqui, se deu por meio de um olhar para a música das Américas”, explica Coelho.
A música contemporânea é uma das facetas do trabalho do Coro da Osesp. O grupo nasceu, como lembra o maestro, como um “naipe” da Osesp, solicitado a participar da apresentação de obras em concertos corais-sinfônicos. Mas conquistou, com o tempo, uma identidade própria, da qual fazem parte desde a música medieval até aquilo que é feito hoje.
“Foi um processo ao longo do qual o coro se tornou uma referência na cena musical brasileira. Encontrar o equilíbrio entre todo esse repertório é sempre difícil, mas para nós é um caminho a ser perseguido. A música contemporânea, por exemplo, é um repertório que pode ser complicado para coros amadores, então é função de grupos como o nosso abordar essa música, levá-la ao público.”
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