Depoimento colhido na primeira quinzena de dezembro de 2019
“Em 2019, os agentes que fazem girar a vida musical brasileira foram obrigados a sentir na carne o que é “resiliência”. Num meio claramente hostil à cultura e às artes – em que a liberdade é condição fundamental para o exercício criativo –, as notícias ruins empilharam-se e caíram sobre nossa cabeça. Desmontaram-se ou estão meio paralisados os mecanismos de financiamento da produção artística – quando não ideologicamente aparelhados. Talvez por ainda não sentir na plenitude os efeitos perversos dessa gigantesca hostilidade à cultura, as temporadas de concertos foram boas, graças a algumas apostas mais decididas na música de nosso tempo. Os exemplos são inúmeros: as óperas Alma, de Santoro, Prism, de Ellen Reid, e Ritos de perpassagem, de Flo Menezes; concertos como Dos cânions às estrelas de Messiaen (Osesp e Heinz Holliger, Sala São Paulo); e o concerto com obras de Santoro da Orquestra Jovem do Estado, sob batuta de Cláudio Cruz. O que esperar de 2020, ano eleitoral? Talvez algumas medidas populistas das administrações municipais que se despedem atenuem o impacto negativo sobre a vida musical. Entrementes, as administrações estaduais tratarão de acolchoar a guerra pelas prefeituras. O mais triste é que em geral tais mudanças são quase sempre para pior (vide a temporada 2020 do Theatro São Pedro, incompreensível pizza meio a meio entre óperas e musicais: perdem os dois gêneros, em si muito significativos e importantes na vida musical paulistana). É bom praticarmos desde já a resiliência, ou seja, a capacidade de nos adaptarmos a mudanças, superarmos obstáculos ou resistirmos a situações adversas. ”
João Marcos Coelho, jornalista e crítico musical