Domenico Gaetano Maria Donizetti (1797-1848), nascido em Bergamo, na região da Lombardia, foi um dos mais prolíficos e ecléticos compositores do século XIX, ou talvez até hoje: são mais de 70 títulos, dos trágicos, como Lucia de Lammemoor, aos cômicos – e uma dessas comédias, a divertida O elixir do amor, com libreto de Felice Romani, volta ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro depois de uma ausência de 18 anos: a última vez que foi montada nesse palco, em 2006, tinha direção de Sergio Britto. São cinco récitas a partir de 19 de abril, com direção cênica de Menelick de Carvalho, que dirigiu ano passado I Pagliacci no Festival Oficina de Ópera da casa carioca. A regência será do titular Felipe Prazeres.
A ópera estreou em 1832, no Teatro della Canobbiana, em Milão. Diz-se que foi composta em duas semanas, a pedido de Alessandro Lanari, empresário à frente do teatro milanês, para cobrir uma desistência. Lenda? “Eu resolvi pesquisar a origem do Elixir, que é baseado em Le Philtre, ópera de Auber e Scribe, estreada pouco antes em Paris”, conta em entrevista por vídeo o diretor Menelick de Carvalho. “E vi que 85% do libreto italiano são idênticos ao francês, até nos nomes dos personagens. Romani praticamente traduziu, com adaptações. Claro que a música de Donizetti é outra coisa.” Outra “lenda” – sabe-se lá – é que o grande hit da ópera, a ária Una furtiva lacrima – quase foi tirado da partitura. Teria permanecido por insistência do compositor.
Estamos entrando na era dos suspiros. O gênero cravado por Donizetti é melodrama giocoso, ou seja, estamos com um pé na commedia dell’arte já permeada de romantismo, diz o diretor Menelick de Carvalho
A rubrica aponta que a história se passa no País Basco – também como em Le Philtre. “Na parte francesa, claro”, continua o diretor. “Mas optei por não fazer um desenho realista; o nosso Elixir se passa no campo, na época pré-Revolução Francesa.” Na história, o ingênuo camponês Nemorino se apaixona pela poderosa Adina, dona da fazenda, que também é cortejada pelo sargento Belcore, cujo regimento está de passagem. Buscando ajuda, Nemorino se deixa levar pela lábia do charlatão Dulcamara, comprando dele uma poção que faria o milagre do amor acontecer.
O período da estreia é mesmo o da consolidação do Romantismo; a tradicional ópera-bufa italiana já ganhava o rótulo de “superficial”. Menelick considera o Elixir um ambiente de “humor romântico”: “Estamos entrando na era dos suspiros. O gênero cravado por Donizetti e Felice é melodrama giocoso, ou seja, estamos com um pé na commedia dell’arte já permeada de romantismo.”
Originalmente com dois atos situados em locais diferentes – a fazenda de Adina e o centro do vilarejo –, nessa montagem a fazenda permanece como único cenário. Desirée Bastos, que assina tanto o cenário quanto o figurino, traduz essa orientação para o romantismo e o bucólico pela inspiração nas toiles de jouy – o tecido estampado que vem dos séculos XVI e XVII, com cenas campestres. Jouy, cidade a 100 km de Paris, ficou famosa pelas fábricas dessa estamparia.
“Esses tecidos trazem cenas de amor, de viagens, com personagens da mitologia grega – e escolhemos as temáticas que evocam os namorados, as festas campesinas e as viagens de balão”, explica Desirée. “Com isso, optamos por uma abordagem bidimensional, como um teatro de papel. Brinco com as escalas, deixo propositalmente a margem do papel como uma moldura.”
A cenógrafa e figurinista conta que o cenário foi pintado por um dos últimos grandes artesãos do Theatro Municipal, Lico, que está prestes a se aposentar. “É um artista espetacular, que não tem discípulos. Uma pena.” Os figurinos seguem a mesma linha, com cores sólidas e estampas pretas, pintados à mão pela artista visual Ana Frazão. E os balões, entram onde? “Essa versão do toile de jouy nos deu a ideia de fazer Dulcamara desembarcar de um balão.”
Os ensaios chegarão à rara marca das seis semanas, contra as quatro da média das produções. “Tivemos muita sorte de poder ensaiar com mais tranquilidade”, comemora Menelick, que fez o curso de direção de ópera na UFRJ no início dos anos 2000, quando foi assistente de direção em Don Pasquale; já como professor, dirigiu uma montagem de Elixir do amor com os alunos.
“Dos nossos elencos, o baixo Sávio Sperandio é o único que fez essa ópera: foi Dulcamara quatro vezes”, diz o diretor. Sávio divide o papel com Murilo Neves. “Aníbal Mancini, um dos nossos Nemorinos, cantou trechos. Todos os outros cantarão pela primeira vez o Elixir.” Muitos dos solistas são do coro do Theatro, como as duas Adinas, Carolina Morel e Michelle Menezes. Guilherme Moreira é também Nemorino; os barítonos Vinicius Atique e Santiago Villalba farão Belcore.
“A leveza, o corpo vivo, a expressão corporal são muito importantes para mim, que venho do teatro”, continua Menelick. “Há quem diga que a comédia é mais difícil do que o drama; eu já acho que a grande diferença é que a comédia bem-feita tem que ser precisa. Nós estamos nos divertindo muito nos ensaios e o público certamente vai nos acompanhar nessa alegria.”
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A partir do dia 20 de abril será possível comentar a produção no Ouvinte Crítico, enquete do Site CONCERTO sobre eventos clássicos realizados no Brasil, com espaço para comentários, opiniões e troca de ideias. Nele, você pode conhecer a opinião de pessoas que assistiram aos espetáculos e pode você mesmo fazer a sua avaliação e deixar o seu comentário (leia mais aqui).
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