Andrea Caruso Saturnino: um teatro de pulsão de vida, de arte e de cultura

por Redação CONCERTO 02/01/2025

Retrospectiva 2024: Andrea Caruso Saturnino, diretora geral do Theatro Municipal de São Paulo 

Em 2024, o Theatro Municipal de São Paulo consolidou-se como um polo de inovação e inclusão no cenário cultural brasileiro. A temporada foi marcada por estreias mundiais, reconhecimentos internacionais e um compromisso renovado com a diversidade e a representatividade. 

A estreia mundial da versão orquestrada da ópera Eu, Vulcânica, apresentada ao lado de Barba Azul, de Béla Bartók, exemplificou a união entre tradição e vanguarda que buscamos promover. Essa combinação proporcionou ao público um momento único na temporada, especialmente marcado pelas vozes de Alexandra Büchel e Denise de Freitas nos papeis de Judith, e nos fez descobrir o talento da compositora Malin Bång.

Nossa dedicação foi reconhecida internacionalmente com a conquista do prêmio espanhol Opera XXI pela montagem de O Guarani – a primeira vez que o Brasil recebeu essa honraria. Em 2025, revisitaremos essa produção icônica, com concepção geral de Ailton Krenak e direção cênica de Cibele Forjaz, além de apresentarmos outras obras emblemáticas, como Porgy & Bess, com direção cênica de Grace Passô e Les Indes Galantes, com direção cênica de Bintou Dembélé e direção musical de Leonardo Garcia Alarcón. Além disso, produziremos uma ópera inédita sobre a história do Almirante Negro, com música de João Rocha e libreto de Dione Carlos, reforçando nosso papel como espaço de fomento e inovação.

O compromisso com a inclusão continua sendo um dos pilares da nossa gestão. Além de garantir uma expressiva presença de artistas negros em papeis de destaque nas óperas e concertos, lançamos, pela primeira vez, um edital para seleção de músicos da Orquestra Sinfônica Municipal com coeficiente diferenciado para candidatos negros e indígenas, além de realizarmos pela terceira vez o concerto de premiação do Concurso Joaquina Lapinha, de canto lírico, exclusivo para esses grupos. Esses avanços refletem nossa busca constante por uma cena cultural mais diversa e equitativa.

A Central Técnica Chico Giacchieri se tornou um espaço vivo de integração com a cidade, aberta ao público com exposições, espetáculos, residências artísticas, visitas educativas e atividades de formação, ampliando nosso alcance para além do palco principal. Notadamente, a exposição Carmen, uma Insurreição, com curadoria de Ricardo Fernandes, apresentou ao público diferentes perspectivas sobre essa grande diva, expandindo, assim, os ecos da montagem inédita, com direção cênica de Jorge Takla, que apresentamos na temporada. Já a performance teatral Retratos de Carolina no Canindé, criada pelo grupo Os Crespos e apresentada nos galpões da Central, trouxe a obra de Carolina Maria de Jesus para o bairro onde ela viveu, em um delicado percurso itinerante e intimista.

Nossos corpos artísticos brilharam em 2024. O Coral Paulistano reafirmou sua missão de explorar a riqueza da música vocal com apresentações que conectaram diferentes períodos e estilos. Sob a direção musical da maestra Maíra Ferreira, pesquisas de repertórios latino-americanos, especialmente de compositoras, revelaram a riqueza cultural do continente, enquanto a interação com a música popular brasileira foi relevante, sobretudo na apresentação de Cantador, que celebrou “a vida, a morte e a dor” com poesias e sonoridades profundamente enraizadas na essência brasileira. 

A temporada operística também contou com produções icônicas como Madame Butterfly, com direção cênica de Lívia Sabag, estrelada por Carmen Giannattasio; e Nabucco, com direção cênica de Cristiane Jatahy, marcando a estreia da soprano Marigona Qerkezi no Brasil; além das remontagens de Blue Monday e Afluentes, com direção cênica de Fernanda Viana e María de Buenos Aires, com concepção e direção geral de Kiko Goifman, que inaugurou as projeções de récitas ao vivo, na lateral externa do Theatro, ampliando o acesso do público às nossas produções. Outras vozes que que se destacaram no palco foram as de Annalisa Stroppa e Bongani Kubheka, esse último estreando no Brasil, ambos na montagem de Carmen, além da participação de renomados brasileiros ao longo de produções no ano inteiro, como Eiko Senda, Lício Bruno, Gabriella Pace, Rosana Lamosa, Luísa Francesconi, Sandro Cristopher, Denise de Freitas, Michel de Souza, Giovanni Tristacci e Sávio Sperandio. 

A programação da Orquestra Sinfônica Municipal, sob a direção musical de Roberto Minczuk, incluiu a estreia da incrível Sinfonia em Si menor de Leokadiya Kashperova no Brasil, em um programa juntamente com Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, de quem Kashperova foi professora. O ano, que se iniciou com o Te Deum, de Bruckner e a Nona Sinfonia, de Beethoven, no dia do aniversário de São Paulo, encerrou-se com La Bohème, na data exata do aniversário de cem anos do Puccini, dia 22 de dezembro, marcando essa efeméride comemorada no mundo inteiro. 

Outros momentos de destaque foram a interpretação da grandiosa Sinfonia nº 2, de Gustav Mahler, com o Coral Paulistano e o Coro Lírico; o inesquecível programa “Harmonias Intemporais”, com Richard Strauss, ao lado de sua contemporânea Alma Mahler e de Kaija Saariaho, com a participação da soprano Carla Filipcic; o programa “La Noche de los Mayas”, com a obra de mesmo nome de Silvestre Revueltas, junto a Tania León, Alberto Ginastera e Marisa Rezende, sob regência da maestra Natalia Salinas; a estreia brasileira do maestro indiano Ankush Kumar Bahl que teve em seu programa duas estreias de peças comissionadas a compositores brasileiros: In-Vent-Ar, de Michelle Agnes Magalhães e Àtùpà, de Ajítęnà Marco Scarassatti; o violoncelista Andrei Ioniță, também pela primeira vez se apresentando no Brasil, interpretando o Concerto para Violoncelo, de Edward Elgar.

O concerto-instalação Cantos de Maldoror: Terra em Transe em transe, idealizado por Nuno Ramos e Eduardo Climachauska a partir da banda sonora original do filme Terra em transe, mostrou a face ousada da Orquestra e do Coro Lírico. Com regência de Luís Gustavo Petri e cenografia de Laura Vinci, o espetáculo agradou em cheio a um público ávido por projetos inovadores, ampliando o leque de frequentadores do Theatro e reforçando nossa missão de fomentar novas criações e promover a interação dos artistas da casa com artistas de campos distintos.

A Orquestra Experimental de Repertório, com seu vigor renovado, continuou a formar e inspirar jovens talentos. Sob a batuta de Wagner Polistchuk, tivemos grandes momentos com obras como O Pássaro de Fogo, de Stravinsky, Romeu e Julieta, de Prokofiev, Uma Noite no Monte Calvo, de Mussorgsky, Danças Sinfônicas, de Rachmaninoff e Danças Polovetsianas, de Borodin, esta última com a notável participação do Coro Lírico.

O Quarteto de Cordas destacou-se com performances que exploraram repertórios de diferentes períodos e estilos. Entre os destaques, a série de quintetos com piano trouxe à tona obras pouco executadas de compositores como Grażyna Bacewicz, Respighi e Arensky, contando com a participação de pianistas como Martina Graf, Christian Budu, Erika Ribeiro e Ronaldo Rolim. Além disso, tivemos o privilégio de apresentar a estreia da peça O sonho e a vida são dois galhos gêmeos, de André Mehmari, com a participação da mezzo soprano Keila de Moraes.

Na semana da criança apresentamos, pela segunda vez, o Festival Big Bang, uma correalização com a Zonzo Compagnie, da Bélgica, dessa vez em versão ampliada, com uma intensa programação que ocupou todo o Theatro – do Hall de Entrada e Palco à Cúpula – passando pelas áreas nobres, camarins e cantos inusitados, nos quais músicos da Orquestra Sinfônica improvisavam, circundados por olhares e ouvidos atentos. Crianças e adultos se deliciaram em uma maratona de performances musicais, que apresentaram um vasto repertório com espetáculos como Ochestrascope – uma experiência interativa do público com a Orquestra Experimental de Repertório junto a uma série de filmes dos primórdios do cinema; Padê – mistura da obra de John Cage com percussão de matriz africana; Hey Meredith!, sobre a obra de Meredith Monk; e Nomad, uma obra composta por estudantes do Conservatório de Música e Teatro de Tatuí  sob a direção do músico Paul Griffiths.

O Núcleo de Acervo e Pesquisa do Theatro, sob a coordenação de Rafael Domingos, lançou o terceiro índice de fontes de sua coleção, desta vez dedicado ao Balé do IV Centenário, sobre o qual promovemos uma série de eventos, em comemoração ao septuagésimo aniversário de sua estreia, incluindo apresentações da performance Fantasias Brasileiras, com direção de Renan Marcondes, e a exposição No Agora, Outrora e Devir, algumas coisas do Ballet IV Centenário. Em especial, realizamos o ciclo de encontros – Memórias, Histórias e Contextos: Ballet IV Centenário 70 anos, com curadoria da gerente de Formação, Acervo e Memória do Theatro, Ana Lucia Lopes, e da assistente de direção do Balé da Cidade, Ana Teixeira. Na ocasião, promovemos um histórico encontro de bailarinos que fizeram parte do projeto, além de explorarmos a interseção entre memórias, histórias e danças, atualizando o importante legado desse acontecimento que marcou, em definitivo, a história da dança contemporânea na cidade de São Paulo. 

Ainda sobre as atividades de formação e reflexão, vale salientar a realização do fórum Abram Alas: A Batalha por Equidade na Indústria Musical. Com curadoria da jornalista e pesquisadora Camila Fresca e de Gabriella Di Laccio – que, juntamente com Elodie Bouny, foi membro do comitê curatorial da temporada de 2024 –, o fórum reuniu especialistas, artistas e líderes do setor, promovendo discussões estratégias para enfrentar desigualdades e criar oportunidades mais inclusivas. 

O ano foi de encontros: entre tradição e inovação, inclusão e excelência, e, acima de tudo, entre o Theatro Municipal e seus públicos. Além da intensa programação no Complexo, que inclui o Theatro, a Praça das Artes e a Central Técnica, ampliamos o projeto Municipal Circula, levando os Corpos Artísticos a espaços culturais de diversos bairros da cidade, como Brasilândia, Sapopemba, Jardim Miragaia e Jaraguá, para citar alguns entre tantos, sempre com casa cheia, atividades de formação e a participação de artistas locais, além de recebermos esses públicos em espetáculos no Theatro, criando um potente fluxo de idas e vindas entre o centro e as zonas mais periféricas da nossa cidade.

No âmbito das ações educativas do Theatro, sob a coordenação de Adriane Bertini, além das visitas guiadas e das visitas temáticas que atenderam mais de trinta mil pessoas no ano, destacam-se as atividades que têm propiciado uma maior interação com o nosso território, como as residências artísticas decorrentes de editais e o ateliê aberto de práticas manuais têxteis “Repertório das Mãos”, no qual participam moradores do nosso entorno e que resultou em uma sensível exposição dos trabalhos desenvolvidos, que fica em cartaz até o final de janeiro de 2025, na Sala de Exposições da Praça das Artes.

As trocas internas também se aprofundaram, o que levou, pela primeira vez, à criação de um espetáculo do Balé da Cidade com a participação do Coral Paulistano, juntamente com a Orquestra Sinfônica Municipal, com concepção e coreografia do diretor artístico da companhia, Alejandro Ahmed, e direção musical e regência da maestra Maíra Ferreira, a partir do Réquiem, de Ligeti. O espetáculo, Réquiem SP, estreará no dia 14 de março e promete ser um dos grandes destaques da programação de 2025, que terá outros momentos grandiosos, como o Réquiem de Guerra, de Britten, e a Missa, de Bernstein. A programação contará ainda com o retorno da maestra JoAnn Falletta, que esteve conosco regendo pela primeira vez no Brasil em 2023, além das participações da maestra Mélanie Léonard e do maestro Rollo Dilworth.

Entramos em 2025 com a energia revigorada para inspirar, transformar e ampliar o alcance da arte em suas mais diversas formas. O suporte e entusiasmo do público, expresso, entre outras manifestações, pela crescente procura pelas nossas assinaturas, é o melhor estímulo para seguirmos com propostas ousadas, apostas em novas criações e a constante busca pela excelência. Ademais, a continuidade de um projeto robusto de gestão, criativo e comprometido com as boas práticas, sob a liderança da diretora executiva da Sustenidos Organização Social de Cultura, Alessandra Costa, ecoa interna e externamente, propiciando um ambiente favorável aos avanços necessários. Pois a estabilidade e continuidade do trabalho desenvolvido por uma equipe incansável e engajada fazem do Theatro um espaço de experiências ímpares e de pulsão de vida, de arte e de cultura. [Depoimento de dezembro de 2024]

[Clique aqui para ler outros depoimentos publicados na Retrospectiva 2024 da Revista CONCERTO.]

Andrea Caruso Saturnino

 

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