Edna D’Oliveira: precisamos de avanços na luta antirracista

por Redação CONCERTO 18/01/2022

Retrospectiva 2021: Edna D’Oliveira, soprano, professora de canto da Fundação Theatro Municipal e Emesp, fonoaudióloga e integrante do Coletivo Ubuntu

O que são políticas afirmativas? As ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Estas políticas têm como objetivo promover a inclusão socioeconômica de populações historicamente privadas do acesso a oportunidades. Portanto o sistema de cotas não é um privilégio e sim uma reparação social. 

Ao olharmos para o cenário da música clássica brasileira, vemos que nada mudou nas políticas de inclusão do músico negro brasileiro, seja ele cantor ou instrumentista. Tivemos durante a pandemia muitas, inúmeras lives, mesas redondas, discussões e discursos para mudanças nas estruturas musicais do país (leia-se teatros e órgãos públicos), a respeito do racismo. Mas de fato nada mudou. Ainda não avançamos! Nós ainda ouvimos que tem uma negra cantando no Theatro Municipal agora! Mas só ela? Tem UMA negra regendo na USP! Só tem uma regente negra no país? Apenas uma irmã vai ser considerada o Black Card para aliviar a consciência desta sociedade ainda cheia de preconceitos? Quais foram as políticas de fato adotadas pelos teatros contra o racismo? Não adianta pensar no racismo somente no dia 20 de novembro para ganhar o Selo Princesa Isabel. E salvo engano, em 2021, alguns poucos teatros e orquestras pensaram no tema nas suas temporadas. A sociedade branca assinante de temporadas ainda prefere rostos e corpos brancos e ricos. Se for um negro estrangeiro eu aceito! Esta é a cara da elite musical brasileira. Uma sociedade ainda racista e doente. 

Exemplifico com uma ocorrência há poucos dias comigo. Eu indo em direção à Escola de Música, um desconhecido, branco e bem trajado, parecia um bancário, me interpelou e disse: “Eu sou a favor do feminicídio, pois tem muita NEGA metida precisando ser morta”. E acrescentou: “Sim, vocês precisam levar muitas facadas!” Sim, ele disse isso em plena luz do dia. 

Se uma sociedade que se comporta em pleno 2021 desta forma, como acreditar em mudanças antirracistas, num país onde um cidadão comum reflete o ódio aos negros gratuitamente? Como acreditar nesta sociedade quando um representante de um teatro diz que não escolhe negros para o seu cast, porque ele quer o melhor para o seu teatro e ele não tem culpa se os negros não são os melhores! Ouvimos isto em pleno 2021. 

Nós, negros, passamos a vida inteira provando que somos bons e no final não adianta, pois, por mais que você se esforce, o racismo, a sua pele, vem antes do seu talento. Nós, negros, não temos direito ao erro numa sociedade racista. Contamos apenas com alguns aliados na luta antirracista. 

O Brasil precisa avançar na luta antirracista no meio da música erudita brasileira. As estruturas de mudança não são os prédios, os teatros, mas sim gestores, administradores, diretores, maestros e cantores que têm o poder para promover uma mudança significativa.

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Edna D'Oliveira

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