Leo Brouwer e João Luiz, o melhor dos mundos

por João Marcos Coelho 26/05/2025

Violonista lança álbum no qual reafirma seu pleno domínio do instrumento e sua musicalidade irretocável, assim como a afinidade com a obra do compositor cubano

Quando um músico excepcional estabelece uma comunhão artística e pessoal com um compositor-chave da atualidade, sobretudo quando escreve para o seu instrumento, estamos definitivamente no melhor dos mundos. É o que acontece no álbum Os guardiões da magia, que o violonista brasileiro João Luiz lança nas plataformas de streaming no próximo dia 29, pelo selo Rocinante, com obras, algumas inéditas, do cubano Leo Brouwer, 86 anos completados no último dia 1º de março.

Filho de família de músicos – a mãe cantora, o pai médico e violonista –, Brouwer é também sobrinho-neto do pianista/compositor Ernesto Lecuona. Uma linhagem que Brouwer levou ao seu clímax com sua obra musical que privilegia o violão.

Em duas entrevistas, Brouwer falou do modo como encara a criação musical. À revista Classical guitar, afirmou que “o som contemporâneo é o que mais me inspira musicalmente. Quando criança, fiquei magnetizado pela escrita de Bartók, especialmente pelos seus quartetos de cordas, e pelas peças de Stravinsky”. Independente, agregou à intensa cena musical vanguardista dos anos 1960/70 (que assimilou) o gosto pelo folclore cubano.

Em outra entrevista de 2019, para a Revista española de la guitarra, explica como age ao compor para o violão: “Primeiro, por experiência própria, ter consciência de que as formas fechadas limitam a capacidade do som em si (do som musical, do som organizado) de crescer por si mesmo. As ideias, que não chamo temas mas ideias,  têm um potencial maior ou menor de crescimento: algumas possuem possibilidades de desenvolvimento infinitas e outras são mais curtas. E isso você somente se dá conta se anota suas ideias  como se fosse um vitral, uma pintura”. O segundo aspecto é uma curiosa recomendação: “O violão é muito eufônico, muito belo, e qualquer besteira soa bem – isso é um perigo. Procure escrever, como fiz em toda a minha vida, sem o violão à mão. Depois, sim experimente”.

A interação entre eles é próxima a ponto de João Luiz sugerir – e o compositor aceitar – acrescentar um quarto movimento à Sonata cubana

De seu lado, João Luiz conquistou fama mundial com Douglas Lora em 1997 quando eles criaram o Brasil Guitar Duo. E, como noticiou a CONCERTO no mês passado, acaba de ser nomeado professor  na reputada Escola de Música de Yale, no Estados Unidos.

A interação entre eles é próxima a ponto de João Luiz sugerir – e o compositor aceitar – acrescentar um quarto movimento à Sonata cubana. Ele conta no texto do encarte: “Minha relação com Leo Brouwer começou em 2009 e se aprofundou com o tempo. Depois de estrear com ele a Gismontiana no Brasil, gravei com o Brasil Guitar Duo o álbum com suas obras completas para dois violões, indicado ao Grammy Latino. Nossa amizade e colaboração cresceram tanto que ele me convidou para tocar em Havana ao lado de Yo-Yo Ma e Carlos Prieto, estreando duas composições de suas grandes obras. Receber composições dedicadas a mim foi uma honra imensa. É o resultado natural de uma trajetória construída com admiração mútua”.

Analisando os Bocetos para piano de Brouwer, o brasileiro conta que “notei todas as influências afro-cubanas marcantes, com ecos de Chucho Valdés e Gonzalo Rubalcaba, e sugeri ao maestro uma peça para violão baseada nesse universo sonoro”.  A partir do Boceto nº 6, que remete à Tocata da Sonata nº 7 de Prokofiev, ele compôs a Sonata cubana nº 7. “Também pedi que ele se inspirasse em elementos da música folclórica cubana. O resultado foi uma peça sofisticada, com três movimentos cheios de ritmo, personalidade e identidade afro-caribenha.” A pedido de João Luiz, Brouwer compôs um quarto movimento.

O pleno domínio do instrumento e a musicalidade irretocável de João Luiz constroem leituras de referência destas peças escritas entre 2014 e 2021. É difícil destacar esta ou aquela performance. É preciso também chamar a atenção para a obra central do álbum, O arco e a lira, sonata para dois violoncelos e dois violões, em três movimentos. Brouwer vai buscar motivação no livro do mexicano Otavio Paz, que parece ser sua alma gêmea, assim como Alejo Carpentier, no sentido de que os versos do poeta pertencem a um povo e “são datadas”, mas ao mesmo tempo são novas. Substitua versos por notas musicais e temos a chave do universo composicional de Brouwer. 

Em seus 20 minutos, ela se distribui por três momentos poético-musicais: Encontro e celebração; Lírica; e o Pulso da terra. Segundo Brouwer, “o caráter irrepetível e único do poema é partilhado por outras obras: pinturas, esculturas, sonatas, danças, monumentos. [...] Uma tela, uma escultura, uma dança são, à sua maneira, poemas. [...] A diversidade das artes não impede a sua unidade”.  

Em Encontro e celebração cada instrumento faz sua cadência e todos tocam um uníssono.  “Lírica”, como escreve João Luiz no encarte, é “um poema sem palavras em três partes que apresenta um diálogo no qual os violoncelos dividem o material melódico e os violões o harmônico”.  

O clímax, sem dúvida, é o movimento final, “El pulso de la tierra”. Aqui João Luiz constata uma analogia perfeita entre música e poesia: “A justaposição de padrões rítmicos complexos e certa aspereza sonora, que explora ao máximo as variações de articulação e dinâmica dos dois grupos instrumentais, é análoga à interpretação de Octavio Paz sobre poesia e ritmo: ‘O ritmo não é uma medida, é uma visão do mundo [...] ritmos binários ou ternários, antagônicos ou cíclicos alimentam instituições, definição, artes e filosofia [...]. alternados e complementares ao mesmo tempo’”.


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O violonista João Luiz [Divulgação/Sarah Blesener]
O violonista João Luiz [Divulgação/Sarah Blesener]

 

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