“Orquestras em pauta” lança Manifesto pau-brasil

por Redação CONCERTO 29/07/2025

Encontro promovido pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto alerta que alteração da classificação de proteção da árvore do pau-brasil causará grande prejuízo para a atividade musical; moção do fórum reivindica construção de uma sala sinfônica no Rio de Janeiro e reforma do Teatro Villa-Lobos com fosso de orquestra para ópera

Aconteceu no edifício sede da FGV, no Rio de Janeiro, no último fim de semana, dias 26 e 27 de julho, a segunda edição do “Orquestras em pauta”, encontro promovido pelo Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto. O evento contou com a correalização da Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira e com o apoio da Fundação Getúlio Vargas. Importantes autoridades compareceram à abertura, entre elas Eulícia Esteves (diretora de Música da Funarte), Cláudia Raybolt (chefe de gabinete da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do RJ), Úrsula Vidal (secretária executiva do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes da Cultura e coordenadora da Câmara Técnica de Cultura da Amazônia Legal) e Eliane Parreiras (secretária de Cultura de Belo Horizonte e presidente do Fórum Nacional de Secretários de Gestores de Cultura dos Capitais e Municípios Associados). 

Foram apresentadas seis mesas de debates, com os seguintes temas: Orquestras sinfônicas cariocas: uma pauta para o futuro; Políticas públicas específicas para as orquestras e a música de concerto; Arquivos e acervos de música brasileira orquestral: um repertório a ser descoberto; A “batalha do pau-brasil”: a regulação do uso de madeiras nobres na luteria; A relevância das orquestras na sociedade brasileira; e A difusão da música de concerto brasileira no país e no exterior. 

Participaram das discussões, entre outros, os seguintes profissionais: André Cardoso (UFRJ e ABM), Nikolay Sapoundjiev (OSB), Carlos Mendes (Opes), Álvaro Carriello (OSN), Felipe Prazeres (TMRJ), João Guilherme Ripper (ABM, UFRJ e Funarj), Flávia Furtado (FAO), Rubens Ricciardi (USP Filarmônica); Diomar Silveira (Filarmônica de MG), Glacy Antunes, Rafael Araújo (TMSP), Alessandro de Morais (ABM), Cinthia Alireti (Unicamp), Rosana Lanzelotte (Musica Brasilis), Emiliano Patarra (Senai), Felipe Ayala (TV Globo), José Soares (Filarmônica de MG), Luiz Fernando Malheiro (Amazonas Filarmônica), Thiago Regotto (EBC – Rádio MEC), Eulícia Esteves (Funarte – Programa Ibermúsica), André Heller-Lopes (UFRJ) e Nelson Rubens Kunze (Revista CONCERTO).

Tendo em vista as discussões feitas nas mesas sobre as sinfônicas cariocas e sobre as políticas públicas para a música de concerto, o encontro aprovou uma “moção de apoio à reivindicação do Rio de Janeiro para a construção de uma sala de concertos sinfônicos e reconstrução do Teatro Villa-Lobos de acordo com o projeto contratado pela Funarj”. O documento afirma que, “ecoando o anseio de todas as orquestras sinfônicas ativas no estado, representadas no Encontro, o Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de concerto vem por meio desta moção defender veementemente a construção de uma sala de concertos sinfônicos na capital”. Em relação à reconstrução do Teatro Villa-Lobos com fosso de orquestra próprio para a ópera, o documento afirma que o Fórum-ODM “apoia a imediata realização deste projeto de modo a devolver aos cidadãos da cidade do Rio de Janeiro o Teatro Villa-Lobos renovado, modernizado e com gestão profissional de notório conhecimento”.

Outro painel de importância foi o que tratou do pau-brasil. A mesa contou com a participação de três gestores do Ibama – Cláudia Mello (analista ambiental), Lívia Karina (que representou a presidência da instituição) e Marcela Hermida de Paula (coordenadora de comércio exterior) – além do construtor de arcos Alysio Matos (UFRJ) e do presidente da Associação dos Profissionais da Osesp Jeferson Collacico. A mediação coube a Ricardo Appezzato, da Santa Marcelina Cultura. 

O debate girou em torno da proposta do Ibama de deslocar a árvore do pau-brasil – matéria prima para a confecção dos arcos de violinos, violas, violoncelos e contrabaixos – do Anexo II para o Anexo I da Cites, que é a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção. O Anexo I pretendido pelo governo contém regramentos mais rigorosos para a proteção da árvore, entre eles o da não circulação do pau-brasil. A classificação como Anexo I, contudo, impactaria dramaticamente a atividade musical clássica, uma vez que não seria mais possível viajar com os arcos dos instrumentos de cordas. Uma eventual certificação de centenas de milhares de arcos já existentes também parece impossível, uma vez que, conforme disse Jeferson Collacico, a própria determinação de se o arco é de fato de pau-brasil só é possível com exames invasivos que comprometem a peça.

O Ibama não quer abrir mão de classificar o pau-brasil no Anexo I da Cites para assim reforçar os mecanismos de controle sobre o pau-brasil – a entidade confessa que não tem os recursos necessários para sozinho fiscalizar o comércio ilegal no Brasil. Mas o Ibama mostrou-se aberto e interessado em encontrar uma solução. Uma das saídas seria a de estipular no Anexo I uma cláusula de isenção para arcos. A ideia não encontrou apoio entre os músicos, que afirmam, que uma isenção já foi anteriormente proposta, mas acabou recusada.

No encerramento do encontro, o “Orquestras em pauta” lançou um manifesto em que expõe a questão do pau-brasil e propõe que o a madeira seja mantida no categoria atual do Anexo II. Reconhecendo, contudo, a ameaça à espécie, o Manifesto reivindica que o Ibama “finalmente implemente medidas eficientes de fiscalização e rastreamento, além de regulamentar o replantio”. 

Leia abaixo a íntegra do Manifesto pau-brasil:

Manifesto do Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto

II Orquestras em Pauta 

O Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto, entidade que congrega cerca de 200 instituições e 1.500 profissionais do setor em todo o país, vem manifestar sua oposição à decisão do governo brasileiro, através do IBAMA, de propor a inclusão do Pau-Brasil no Anexo I da CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção. Tal medida impede o exercício profissional de músicos clássicos, com impacto internacional.

Defendemos o manejo sustentável e medidas de combate à exploração e comércio ilegal do Pau-Brasil, matéria-prima primordial e insubstituível para a fabricação de arcos dos instrumentos de cordas. Todos os arcos de qualidade de violinos, violas, violoncelos e contrabaixos utilizados por instrumentistas profissionais são fabricados com Pau-Brasil. O som das orquestras do mundo inteiro é moldado pela nossa madeira.

Entendemos, porém, que a atual classificação, no Anexo II, vigente desde 2007, é absolutamente suficiente e consentânea com os objetivos do IBAMA de proteção de espécies nativas. A nova classificação, além de não incrementar qualquer utilidade nesse intento, criminalizará todo e qualquer translado de arcos empurrando os instrumentistas de cordas para a ilegalidade.  A medida criará obstáculos intransponíveis para as viagens de solistas e orquestras, colocando em risco a organização de turnês e masterclasses internacionais, fundamentais para a difusão da música no mundo.

O próprio IBAMA, na proposta enviada à CITES, reconhece explicitamente, no item 6.5, os efeitos deletérios que a medida trará para músicos de cordas. Causa surpresa que nesses 18 anos os maiores afetados pelas medidas não tenham sido consultados. A proposta de solução através de emissão de um “Passaporte Musical Brasileiro”, considerado como compensação para mitigar os efeitos coercitivos da medida, é totalmente inadequada, pelas seguintes razões:  

  • a) Processo burocrático de autorização desnecessário e ineficaz;
  • b) Insegurança de sua aceitação universal; 
  • c) Disputas jurídicas nacionais e internacionais;
  • d) Inviabilidade de registro de milhões de arcos existentes no país e espalhados pelo mundo;
  • e) Dano irreparável à imagem do Brasil no mercado internacional da música clássica.

 

Reafirmamos que, além de não auxiliar na proteção, a inclusão do Pau-Brasil no Anexo I da CITES pune e criminaliza os músicos que adquiriram (muitos deles há décadas!)  seus arcos de archetiers, ameaçando a circulação de milhões de artistas com seus instrumentos de trabalho. 

De acordo com o exposto, propomos que:

  • 1) O Pau-Brasil seja mantido no Anexo II da CITES, por ocasião da COP 20, que acontecerá no Uzbequistão em novembro próximo.
  • 2) Dentro do regramento atual, que o IBAMA finalmente implemente medidas eficientes de fiscalização e rastreamento, além de regulamentar o replantio.
  • 3) O IBAMA passe a incluir neste debate o Fórum Brasileiro de Ópera, Dança e Música de Concerto, as instituições musicais.
  • 4) Iniciar e fomentar uma campanha nacional junto às orquestras e instrumentistas em defesa da preservação do Pau-Brasil e da Mata Atlântica.

 

  • Auditório da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde foi realizado o ‘Orquestras em pauta’ (Revista CONCERTO)’
    Auditório da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde foi realizado o ‘Orquestras em pauta’ (Revista CONCERTO)
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