Andrei Reina, jornalista da Revista Bravo!
“2020 foi um ano de espera: aguardamos, além da vacina, o retorno das aglomerações sem as quais não há vida musical, dos ensaios aos concertos de casa cheia. Na cabeça de muitos, a pergunta: quando a vida voltará ao normal?
Tão importante quanto o que esperamos, no entanto, é o que fazemos durante a espera. O chamado novo normal já está em construção, como demonstra a atual importância das transmissões digitais, antes secundárias na vida das orquestras, e a consequente dissolução de fronteiras estaduais e nacionais, em um movimento que amplia o alcance de grupos ao mesmo tempo em que evidencia condições desiguais de disputa pela atenção do público.
Este ponto é sublinhado pelo depauperamento da economia e pela degradação da cultura política, que, combinados, apresentam às orquestras e teatros de ópera o mais elementar dos desafios: seguir existindo. O drama da Filarmônica de Goiás, em defesa da qual é preciso cerrar fileiras, é ilustrativo.
Mas além das condições materiais de existência, a forma como essas instituições se inserem na sociedade – que, assim como nós, se modifica enquanto espera – também estão sob escrutínio. A este respeito, ao menos três perguntas sobre o futuro podem ser formuladas.
A predominância de efemérides na programação das orquestras ainda significará um desinteresse pela música brasileira e contemporânea? Será aceitável que em um país com a composição racial do Brasil se interprete tão poucos compositores negros? Com exceção de eventos que confirmam uma condição subalterna, as mulheres seguirão coadjuvantes da temporada?
Sem endereçá-las, talvez reste pouco a se fazer além de assinar a carta de rendição a um cenário (uma vez mais) rebaixado. Reconhecer as contradições da sociedade na música de concerto – e encaminhá-las – é, salvo engano, o único modo de superar aquilo que, bem pesadas as coisas, nunca foi normal.”
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