Volume 14

por Redação CONCERTO 28/02/2023

Vol 14

Claudio Santoro: Fantasias Sul America – Fantasia para violino solo
Solistas da Osesp
Emmanuele Baldini – violino  

O centenário de Claudio Santoro, celebrado em 2019, foi um marco na recepção a sua obra, nunca tão gravada e tocada como nos últimos anos, quando revelou a complexidade e a riqueza da criação do compositor. Dentro do projeto Música do Brasil, do selo Naxos, já foram lançados dois volumes da integral de suas sinfonias. Agora, com músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sai o disco com as 15 fantasias Sul América. “Para instrumentos solos, elas são exemplos fascinantes da produção dos últimos dez anos de vida do compositor, cujo idioma é baseado em uma síntese de todas as suas experiências anteriores, que aparece em cada uma dessas peças de forma condensada”, diz o diplomata Gustavo de Sá, idealizador do projeto. É a primeira vez que todas as fantasias são lançadas em conjunto – e com um time de intérpretes exemplar: Claudia Nascimento, Arcádio Minczuk, Ovanir Buosi, Alexandro Silvério, Luiz Garcia, Davi Graton, Olga Kopylova, Horacio Schaefer, Rodrigo Andrade, Pedro Gadelha, Filipe Queirós, Fernando Dissenha, Wagner Polistchuk, Fabio Zanon e Natália Áurea. O álbum traz, ainda, a Sonata para violino solo, obra da juventude, em que o Santoro de 21 anos flertava com a música dodecafônica, na interpretação de um mestre, o violinista e spalla da Osesp Emmanuele Baldini.

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[Reprodução]
[Reprodução]

Texto do encarte do CD

Claudio Santoro (1919–1989)
Fantasias Sul América • Sonata Para Violino Solo

Intérpretes:  Rodrigo Andrade – violoncelo; Natália Áurea – soprano; Emmanuele Baldini – violino; Ovanir Buosi – clarinete; Fernando Dissenha – trompete; Pedro Gadelha – contrabaixo; Luiz Garcia – trompa; Davi Graton – violino; Olga Kopylova – piano; Arcádio Minczuk – oboé; Cláudia Nascimento – flauta; Wagner Polistchuk – trombone; Filipe Queirós – tuba; Horácio Schaefer – viola; Alexandre Silvério – fagote; Fábio Zanon – violão

Em 1983, Santoro foi convidado a escrever as peças de confronto para o II Concurso Sul América Jovens Concertistas Brasileiros, no Rio de Janeiro. Dessa encomenda aparentemente corriqueira nasceu a série das quinze Fantasias Sul América para instrumentos solo, que viria a tornar-se o mais importante conjunto de obras do gênero no Brasil. (O nome das peças não é uma referência ao continente sul-americano, mas à já então quase centenária companhia de seguros brasileira que patrocinava e dava nome ao concurso.) Santoro tinha larga experiência nesse tipo de trabalho, tendo escrito diversos trechos para audições de concursos para instrumentistas de orquestra ao longo da vida – são conhecidos episódios em que os trechos foram escritos até mesmo durante as audições, diante dos candidatos –, mas o conjunto das Fantasias revelou-se diferente dos trabalhos anteriores.

As Fantasias são interessantes exemplos da produção da última década de vida de Santoro, em que ele parece fazer uma síntese de todas as suas experiências anteriores, síntese essa que aqui aparece de forma muito condensada em cada peça. A linguagem é livremente atonal, e Santoro com frequência apela a sequências quase completas dos doze sons, sem qualquer tentativa, porém, de estruturação serial: mesmo na década de 1940, quando Santoro integrou o grupo Música Viva (grupo formado em torno do alemão Hans- Joachim Koellreutter, principal responsável pela introdução do dodecafonismo no Brasil), suas composições se destacam por não seguirem à risca os preceitos de Schoenberg e por buscarem, dentro do mesmo ambiente estético, um uso alternativo do material de doze sons, para solucionar o que considerava problemas harmônicos impostos pelo dodecafonismo. A escrita das Fantasias Sul América, por sua vez, caracteriza-se pela criação de múltiplos centros tonais fugidios, embutidos num discurso cromático mais complexo, em que séries de doze sons incompletas induzem à percepção de momentos sucessivos de um discurso tonal mais amplo e flexível.

As primeiras peças foram compostas no espaço de uma semana, no final de março de 1983. Flauta e clarinete dividem o mesmo material, assim como oboé e fagote. Na sequência, foram produzidas as peças para violino, viola e violoncelo, todas com o mesmo material, com pequenas adaptações para adequar-se às características de cada instrumento. A partir daí, percebe-se uma mudança de rumo na composição das Fantasias, que começa a ficar mais espaçada no tempo e com maior diversidade de material, o que permite imaginar que Santoro mudou gradualmente de ideia a respeito do conjunto de obras à medida em que trabalhava nele.

As peças para metais são diferentes entre si, mas têm elementos em comum: as Fantasias para trompa e trombone começam com o mesmo material, que é desenvolvido de forma totalmente diferente por cada instrumento. As Fantasias para trompete e para tuba – essa, a última a ser composta – retomam alguns dos mesmos elementos, de forma menos evidente à audição, mas claras na análise do texto, o que já as situa como espécie de variação do material anterior. Esse também é o caso da Fantasia para contrabaixo, também uma das últimas, que começa com o mesmo material das outras fantasias para cordas, mas que em pouco tempo segue um caminho muito diverso dos outros instrumentos.

Finalmente, as três peças para solistas de fora da composição habitual da orquestra são as mais reveladoras da linguagem e do processo composicional do período. A Fantasia para piano é uma tocata construída sobre acordes em mãos alternadas, que remete em muito a momentos da Sonata nº 4, de 1957, e a outras peças do mesmo período, ao mesmo tempo em que a seção central se aproxima em muito da estética dos prelúdios para piano mais tardios, prenunciando também o que seria a Sonata nº 5, de 1987. A Fantasia para violão é uma das poucas obras que Santoro deixou para o instrumento, nem por isso menos idiomática na sua escrita. Nota-se também aqui o uso do mesmo motivo descendente que inicia as fantasias para trompa e trombone, que parece conectar as obras. Finalmente, a única peça da série escrita com acompanhamento de piano, a Fantasia para voz, é um longo vocalise, no mesmo ambiente sonoro das canções, um gênero que atravessa toda a obra de Santoro, mas que é mais concentrado no final da década de 1950. A peça tem contornos harmônicos mais definidos, mas ainda assim surpreendentes, como é comum na sua música vocal, e inclui uma breve cadência que pode ser suprimida na execução por vozes graves.

As obras rapidamente tornaram-se peças obrigatórias do repertório instrumental brasileiro, pelos desafios técnicos e artísticos que impõem aos intérpretes, e são particularmente presentes nos programas de escolas de música, por representarem importantes contribuições para o repertório normalmente escasso de obras solo para a maioria dos instrumentos. Em 1984, a pedido de três professores da Universidade de Brasília, Santoro escreveu quatro curtos movimentos para oboé, clarinete e fagote, que intitulou “Transições para o encontro de três fantasias”. São movimentos que conectam as fantasias para os três instrumentos, além de uma introdução e uma coda. Como as fantasias para oboé e fagote compartilham o mesmo material, apenas transposto, tem-se como resultado final um trio de palhetas em movimento único e em forma ternária, sendo a peça para clarineta a seção de contraste entre a exposição e a reexposição pelos dois outros instrumentos.

Santoro compôs também um acompanhamento orquestral opcional para cada fantasia, provavelmente com a intenção de que os finalistas ou vencedores do concurso pudessem apresentar-se dessa forma. As fantasias foram compostas entre março e abril de 1983, e, em maio do mesmo ano, Santoro terminava a “Fantasia Concertante”, que era essencialmente uma sugestão de combinação dos vários números solistas com orquestra, com compassos adicionais de transição para permitir a continuidade do discurso. Essa obra, nunca executada como planejada pelo autor, acabou tornando-se o embrião da Sinfonia nº 12, concluída em 1987, para nove instrumentos solistas (flauta, oboé, clarineta, trompa, trompete, trombone, violino, viola e violoncelo) e orquestra. Aproveitando-se do material compartilhado entre algumas das fantasias, Santoro usou as peças de confronto como material temático, ampliando também a orquestração e mesmo o papel da orquestra na obra.

As obras para instrumentos solo estão presentes em dois momentos da carreira de Claudio Santoro, curiosamente no início e no fim. Uma de suas primeiras obras, a Sonata para violino solo, data de 1940, quando o compositor tinha apenas 21 anos. É uma peça em quatro movimentos curtos, de extraordinária densidade, dedicada à sua primeira esposa, Maria Carlota, e estreada pelo próprio compositor no ano seguinte, no Rio de Janeiro. É também uma de suas primeiras incursões no dodecafonismo, mas percebe-se já ali uma necessidade de experimentação que não se deixa limitar pelas regras. Anos mais tarde, Santoro diria que nunca compôs suas obras desse período a partir de uma série, mas que identificava uma série a partir do desenvolvimento da obra e seguia a composição com esse material. O diálogo entre essa primeira sonata e as Fantasias do fim da vida, compostas com mais de quarenta anos de diferença, mostra a consistência do ideal estético de um compositor que nunca permitiu que a técnica se sobrepusesse à expressividade.

Gustavo de Sá


Críticas internacionais

Ivan Moody

Gramophone, March 2023

Two works really stand out: the Fantasia for horn, which is wonderfully and resonantly idiomatic, and that for piano, which is a meditative work framed by furious toccata-like outbursts. Also impressive is the Solo Violin Sonata…Performances throughout are faultless; it would be truly wonderful if these works could become more widely known as a consequence of such fine recordings. © 2023 Gramophone

BBC Music Magazine, March 2023
★★★

Stephen Page

Lark Reviews, January 2023

Having recently enjoyed getting to know a number of Santoro’s orchestral works through this Music of Brazil strand I have to admit to being quite surprised by this latest volume. Giving a number of instruments the limelight in turn in this way allows the composer to draw out particular moods and expressions with a flexibility and without the need to balance and contrast a number of different forces. The notes state that the Fantasies have now become standard repertoire for Brazilian soloists and also that they were used as source material for Santori’s Symphony No 12. Many of these are premiere recordings. © 2023 Lark Reviews

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