FRANCISCO MIGNONE (1897-1986)
1-3 Concerto para violão (1975) – Primeira gravação mundial
4-6 Concertino para clarinete (1957)
7-8 Concertino para fagote (1957)
9-11 Concerto para violino (1960) – Primeira gravação mundial
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp
Neil Thomson (1-3) e Giancarlo Guerrero (4-11) – regentes
Emmanuele Baldini – violino (9-11)
Fabio Zanon – violão (1-3)
Ovanir Buosi – clarinete (4-6)
Alexandre Silvério – fagote (7-8)
Texto da Revista CONCERTO, edição de Agosto 2024
A obra de Francisco Mignone tem passado por um processo importante de resgate, com múltiplas facetas. De um lado, o lançamento de gravações originais do próprio autor de sua obra para piano; de outro, a restauração de partituras, como a da ópera O contractador dos diamantes. E há ainda um registro de excelência de peças centrais de sua criação, o que vemos neste álbum da coleção Música do Brasil dedicado a seus concertos e concertinos. O time de artistas impressiona: Emmanuele Baldini, Fabio Zanon, Ovanir Buosi e Alexandre Silvério são mestres incontestes de seus respectivos instrumentos; e a Osesp soa em perfeita forma sob o comando de dois dos maestros que desenvolvem parceria contínua com o grupo: Neil Thomson e Giancarlo Guerrero. Buosi e Silvério são os solistas nos concertinos para clarinete e fagote; Zanon toca no Concerto para violão; e Baldini, no Concerto para violino. São obras que mostram o caráter nacionalista de Mignone ao mesmo tempo que nos lembram como o autor, a partir dessa proposta, criou obras em um idioma único e pessoal, sobre o qual os músicos revelam profundo conhecimento. É por isso que o álbum tem interesse duplo: não se trata apenas do resgate da figura de Mignone, mas também do retrato da qualidade atingida pela Osesp e seus solistas, referências indiscutíveis da cena musical brasileira e latino-americana.
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Texto do encarte do CD
Francisco Mignone (1897–1986)
Concertos e Concertinos
Sentimental, dinâmico, exuberante, multitalentoso e extremamente eclético, Francisco Mignone foi uma figura de destaque na cena musical brasileira do século passado. Com enorme inteligência e bom humor inabalável, ele percorreu inúmeros estilos e gêneros composicionais, do serialismo à politonalidade, de obras de nacionalismo arraigado àquelas com sabor europeu.
Seu catálogo considerável abrange todas as formas de música vocal e instrumental. Inclui obras de grande escala cheias de imagens poderosas e escrita orquestral brilhante, como a ópera O Chalaça e o balé Quincas Berro d'Água, bem como Festa das Igrejas e Maracatu de Chico-Rei, ambos gravados pela Orquestra Sinfônica de São Paulo. Mignone também escreveu miniaturas refinadas, como os 12 Estudos para Violão e as inesquecíveis Valsas de Esquina, para piano solo — obras que refletem sua relação intelectual com Mário de Andrade, que eventualmente o convenceu a abraçar a estética do nacionalismo musical.
Mignone estudou no Conservatório de São Paulo, depois trabalhando com Vincenzo Ferroni no Conservatório de Milão. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1933 e começou a lecionar regência no Instituto Nacional de Música (hoje Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1939.
Ronaldo Miranda / Ronaldo Miranda é compositor e professor de composição na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Para apreciar a música de Francisco Mignone, ajuda saber um pouco sobre sua formação, educação e carreira, a fim de entender os elementos que permeiam toda a sua produção composicional – ou seja, suas conexões com tradições musicais europeias, modernismo musical brasileiro, tendências internacionais de vanguarda e, em um sentido mais amplo, a cena musical brasileira como um todo, da qual participou por quase sete décadas como compositor e intérprete. Nascido em São Paulo em 3 de setembro de 1897, filho do flautista italiano Alferio Mignone, que havia chegado ao Brasil no ano anterior, Francisco Paulo Mignone desenvolveu seu talento musical em um ambiente que tinha muito em comum com a terra natal de seu pai. Enquanto o Rio de Janeiro era, naquela época, dominado por influências musicais francesas, a estética italiana prevalecia em São Paulo. Logicamente, portanto, Mignone escolheu continuar sua educação musical no Conservatório de Milão. Passou nove anos estudando composição em Milão com Vincenzo Ferroni, que tinha ligações com outros músicos brasileiros, tendo sido professor de Alexandre Levy e, na juventude, colega de Francisco Braga em Paris.
Como então esse 'filho de pais italianos, treinado em um estilo distintamente italiano, com uma formação em técnica ítalo-francesa e uma sensibilidade essencialmente mediterrânea para melodia' conseguiu 'capturar tão efetivamente as tradições folclóricas africanas que tinham sido assimiladas pelo Brasil' (para citar o musicólogo Vasco Mariz)? Isso aconteceu, de fato, como consequência de seu relacionamento em seu retorno da Europa com Mário de Andrade. Mariz também observa, no entanto, que Mignone era um compositor maduro nessa época, e que, portanto, havia 'uma abordagem intelectual muito mais sofisticada e laboriosa' envolvida em sua conversão à doutrina do nacionalismo musical do que havia naquela do mais jovem e mais sugestionável Camargo Guarnieri. Os primeiros frutos das discussões entre Mignone e Andrade incluem as rapsódicas Fantasias Brasileiras para piano e orquestra, escritas entre 1929 e 1936. Para Andrade, essas obras eram representativas de uma "orientação conceitual na qual a nacionalidade não é distorcida por uma preocupação com o universal", uma que permitiria a Mignone "compor obras importantes e nutrir sua personalidade artística". Isso parece particularmente profético quando pensamos na música que Mignone escreveu entre 1956 e 1960, uma fase criativa durante a qual ele voltou a compor para instrumentos solo e orquestra - uma "orientação conceitual" muito próxima daquela percebida décadas antes por Andrade pode ser ouvida em obras como a Burlesca e Toccata para piano e orquestra, os concertinos para clarinete e fagote e os concertos para piano e violino.
João Vidal
João Vidal é pianista e musicólogo
Concerto para violão
O Concerto para Violão de Francisco Mignone data de 1975 e foi estreado por seu dedicatário, Antônio Carlos Barbosa-Lima, em Washington, DC, dois anos depois. Elegantemente construído em três movimentos, o trabalho é projetado para permitir que o instrumento solo brilhe e, portanto, usa forças orquestrais reduzidas. O Allegro moderato de abertura alterna passagens dramáticas no registro mais baixo com uma melancolia no estilo serenata, estabelecendo contrastes vivos entre as diferentes massas sonoras. O Lento e molto romantico central , em um sol maior pastoral, cria um tecido no qual vários ecos musicais são tecidos, de Bartók a Gershwin. Cheio de energia rítmica, o Allegro non troppo finale é caracterizado pelo toque contemporâneo de seus elementos brasileiros - uma mistura imaginativa de choro, baião, xaxado e embolada, revitalizada pelo manuseio habilidoso de Mignone de seus blocos sonoros. Ronaldo Miranda
Concertino para Clarinete • Concertino para Fagote • Concerto para Violino
O próprio Mignone regeu as estreias do Concertino para Clarinete e do Concertino para Fagote — o primeiro em São Paulo em junho de 1957, o último no Rio de Janeiro no mês seguinte. As duas obras têm em comum um idioma nacionalista, forças orquestrais reduzidas (cordas, sopros e metais no Concertino para Clarinete, cordas e sopros apenas no Concertino para Fagote) e a estreita relação do compositor com os solistas originais, o clarinetista José Botelho e o fagotista Noel Devos. Outros paralelos podem ser encontrados na maneira como ele trata seu material musical: na abertura Assai moderato do Concertino para Fagote, descrito na época de sua estreia como um "pequeno choro triste e nostálgico ", encontramos um diálogo constante entre solista e orquestra, e o mesmo princípio pode ser observado no movimento central do Concertino para Clarinete, Toada ('Melodia'), mas aplicado na forma de passagens estendidas nas quais o clarinete solo se lança em um dueto expressivo com a flauta e, mais tarde, o fagote. Há uma conexão semelhante entre o Final do Concertino para Clarinete e o Allegro central do Concertino para Fagote, ambos baseados na embolada, uma forma brasileira de poesia e canção, cujo elemento musical é definido por Mário de Andrade em seu Dicionário Musical Brasileiro da seguinte forma: 'em andamento rápido, com muitas notas repetidas, construído como um perpetuum mobile... em semicolcheias, e escrito em 2/4'. O resultado é intensificado, em ambos os casos, pelas possibilidades contrapontísticas descobertas pelo compositor, com uso abundante de cromatismo e diálogo constante entre as diferentes seções da orquestra.
O Concerto para Violino de 1960, o último desta série de obras concertantes, reflete o início de uma nova fase na carreira de Mignone, na qual ele começou a adotar uma estética mais eclética que o aproximou de um idioma internacional moderno. Essa mudança de direção muitas vezes significava que ele estava indo contra o que ele próprio havia estabelecido no final dos anos 1940 como sua principal ambição estética: escrever música que fosse "tecnicamente mais refinada, mas clara, sincera e facilmente compreensível para a maioria". Nesta obra, a cadência tradicional para o solista é colocada não no final do primeiro movimento Allegro moderato, como seria de se esperar, mas dentro do Lento central. Um Allegro con brio põe fim ao que o crítico José da Veiga Oliveira chamaria, em 1982, de "a maior obra deste gênero desafiador na história da música brasileira". João Vidal
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp
A Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp) é um dos grupos sinfônicos mais significativos da América Latina. Tendo realizado 13 turnês internacionais e 4 turnês nacionais, gravado mais de 100 álbuns e realizado uma média de 120 apresentações por temporada, ela continua mudando o cenário musical do país e abrindo caminho aclamado fora do Brasil, ganhando reconhecimento da imprensa internacional e prêmios como o Latin GRAMMY de Melhor Álbum de Música Clássica (2007). Em 2016, a Osesp se apresentou em três prestigiados festivais de verão europeus e, em 2019, tornou-se a primeira orquestra profissional latino-americana a fazer uma turnê pela China. A orquestra fez sua estreia no Carnegie Hall, Nova York, em 2022.
Thierry Fischer é maestro titular e diretor musical desde 2020, sucedendo Marin Alsop, Yan Pascal Tortelier, John Neschling, Eleazar de Carvalho, Bruno Roccella e João de Souza Lima. A Osesp também inclui os Coros Sinfônico, Juvenil e Infantil; Academia de Música, selo digital, editora e Descubra a Orquestra. Fundada em 1954, a orquestra é gerida pela Fundação Osesp desde 2005.
www.osesp.art.br
NEIL THOMSON
Neil Thomson estudou regência no Royal College of Music com Norman Del Mar e na escola de verão Tanglewood com Leonard Bernstein.
Ele é o maestro titular e diretor artístico da Orquestra Filarmônica de Goiás desde 2014, levando a orquestra à proeminência nacional com sua defesa do repertório brasileiro e contemporâneo. Ele também desfruta de uma carreira internacional movimentada trabalhando com todas as principais orquestras do Reino Unido e a Yomiuri Nippon Symphony Orchestra, Tokyo Philharmonic Orchestra, Tokyo Symphony Orchestra, Russian National Orchestra, São Paulo State Symphony Orchestra (Osesp), WDR Rundfunkorchester, Lahti Symphony Orchestra e a Romanian National Orchestra, entre outras.
Ele se apresentou com muitos solistas ilustres, incluindo Dame Felicity Lott, Sir Thomas Allen, Sir James Galway, Nelson Freire, Jean Louis Steuerman e Antonio Meneses. De 1992 a 2006, ele foi professor de regência no Royal College of Music, Londres, a pessoa mais jovem a ocupar esse cargo. Ele foi nomeado Membro Honorário do RCM em reconhecimento aos seus serviços à instituição.
www.neilwthomson.com
GIANCARLO GUERRERO
O maestro Giancarlo Guerrero ganhou seis vezes o GRAMMY Award. É diretor musical da Orquestra Sinfônica de Nashville.
Ele defendeu a música americana contemporânea por meio de inúmeras comissões, gravações e performances, apresentando onze estreias mundiais e quinze gravações de obras dos compositores mais proeminentes do país, incluindo Jonathan Leshnoff, Michael Daugherty, Terry Riley e John Adams. Como parte desse compromisso, ele ajudou a orientar a criação da iniciativa Composer Lab & Workshop da Nashville Symphony com Aaron Jay Kernis.
Guerrero tem sido um maestro convidado frequente na América do Norte, se apresentando com a New York Philharmonic, Chicago Symphony Orchestra, National Symphony Orchestra, San Francisco Symphony e as orquestras de Boston, Baltimore, Cleveland, Cincinnati, Dallas, Detroit, Indianápolis, Los Angeles, Milwaukee, Montreal, Filadélfia, Seattle, Toronto, Vancouver e Houston. Ele completou recentemente um mandato de seis temporadas como diretor musical da NFM Wrocław Philharmonic. Em outros lugares internacionalmente, ele liderou orquestras na Alemanha, Londres, Espanha, Portugal, França, Bélgica, Itália, Holanda, Nova Zelândia e Austrália.
Defensor da educação musical, ele trabalha com o Curtis Institute of Music, a Colburn School, a National Youth Orchestra (NYO2) em Nova York e o programa Accelerando da Nashville Symphony.
www.giancarlo-guerrero.com
FÁBIO ZANON
Fábio Zanon já se apresentou em mais de 50 países, apareceu como solista com prestigiosas orquestras internacionais e seu vasto repertório inclui inúmeras estreias mundiais. Ele foi premiado em primeiro lugar em inúmeras competições internacionais de violão.
Sua discografia inclui um álbum aclamado pela crítica com obras de Villa-Lobos, e ele escreveu e transmitiu o programa A Arte do Violão na Rádio Cultura de São Paulo.
Ele se apresenta regularmente como maestro-solista e é professor visitante e membro da Royal Academy of Music.
www.fabiozanon.com
Ovanir Buosi
Natural de Americana, São Paulo, o premiado clarinetista Ovanir Buosi estudou na Universidade Estadual Paulista 'Júlio de Mesquita Filho', no Royal College of Music de Londres e na Universidade Federal da Bahia.
Foi membro da Royal Scottish National Orchestra e da Southbank Sinfonia, com as quais se apresentou como solista, bem como do Curitiba Wind Quintet e do London Winds, com os quais excursionou pela Holanda e se apresentou no Cheltenham Festival e no BBC Proms. É membro do Quinteto Zephyros desde 2016, e também se apresenta com o Sexteto São Paulo.
Leciona na Academia de Música da Osesp. Sua discografia inclui Guarnieri: Choros, Vol. 2 (Naxos 8.574403) e Santoro: Fantasias Sul América (Naxos 8.574407).
ALEXANDRE SILVÉRIO
Fagote titular da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), Alexandre Silvério estudou na Hochschule für Musik Hanns Eisler Berlin com bolsa da Vitae Foundation e da Karajan Akademie da Berliner Philharmoniker. Atualmente é membro do Camaleon Bassoons.
Sua discografia inclui Mágoas de fagote (2008), Entre mundos (2015) e Alexandre Silvério: Live Concerts (2018), e aparece como solista em Villa-Lobos: Bachianas Brasileiras Nos. 2007).
É professor na academia de música da Osesp e criou em 2016 a plataforma de ensino virtual Bassoon Lesson Online. É autor do livro The blues scales: A guide to practice and improvise for bassoon.
www.alexandresilverio.com
EMMANUELE BALDINI
Emmanuele Baldini nasceu em Trieste, Itália. Após os estudos em sua cidade natal, ele continuou seu treinamento de violino em Genebra, Salzburgo e Berlim, estudando regência com Isaac Karabtchevsky e Frank Shipway. Baldini é um violinista premiado que se apresentou em todas as principais salas de concerto europeias, além daquelas na América Latina e no Brasil.
Após uma carreira de grande sucesso como violinista, Baldini embarcou em novos empreendimentos musicais como maestro. Ele fundou o Quarteto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e colaborou com artistas de renome internacional como Maria João Pires, Jean-Philippe Collard e Jean-Efflam Bavouzet. Baldini foi spalla da Orchestra del Teatro Comunale di Bologna, da Orchestra del Teatro alla Scala di Milano e da Orchestra del Teatro 'Giuseppe Verdi' di Trieste, e desde 2005 é spalla da Osesp. Ele também atuou como spalla convidado da Orquesta Sinfónica de Galícia. Entre 2017 e 2020 foi diretor musical da Orquestra de Câmara Valdivia no Chile e a partir de 2022 é maestro titular da Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí no Brasil. Em outubro de 2023, Emmanuele Baldini foi nomeado diretor musical da nova Orquestra Sinfônica Ñuble no Chile.
www.emmanuelebaldini.com
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