Em Minas Gerais, a festa de debutante de um projeto de sucesso

BELO HORIZONTE – No Primeiro Mundo, uma data dessas talvez até passasse despercebida. Mas, nas condições de instabilidade do Brasil, 15 anos são uma longevidade digna de Matusalém. Por isso, vale muito a pena, sim, aplaudir e festejar o aniversário do sério projeto de excelência da música brasileira de concerto que acontece fora do eixo Rio-São Paulo: a Filarmônica de Minas Gerais.

Lembro-me bem de quando a saudosa Lúcia Camargo estava em Belo Horizonte para implementar um projeto de reestruturação da Sinfônica de Minas Gerais, declaradamente inspirado no que fora feito na Osesp, em São Paulo. Pois bem: a emenda saiu melhor do que o soneto. A Sinfônica de Minas Gerais continuou a existir, e criou-se a Filarmônica de Minas Gerais – mirando-se no exemplo paulista, mas também aprendendo com seus percalços.

Assim, a Filarmônica jamais passou pelas crises barulhentas que sacudiram a Sala São Paulo – nem esteve sob o jugo de gestores deslumbrados e diletantes. Como consequência, o ambiente entre os músicos assemelha-se não às pressões pesadas do mundo corporativo, mas ao saudável convívio de artistas criativos – e se traduz de forma imediata em seu fazer artístico.

A Filarmônica tem gravado excepcionais discos de música brasileira pela Naxos, tem viajado por Minas Gerais e pelo estrangeiro, e o ponto de virada possivelmente foi a inauguração, em 2015, da sede própria: a Sala Minas Gerais. Ao ouvir a orquestra em sua casa, não há como não ficar consciente da sinergia entre sala e filarmônica na construção de sua sonoridade. Talvez a mágica e distinta acústica do local seja um dos fatores que fazem a orquestra soar, do ponto de vista do apuro, como o mais refinado grupo sinfônico de nosso país.

A comemoração de aniversário, na última sexta-feira, dia 24, foi em um concerto fechado na Sala Minas Gerais. Houve os inescapáveis discursos de autoridades, cujo registro oscilou entre o singelo, o emocionado e o acaciano; houve homenagens aos 28 integrantes da orquestra que estão lá desde o início das atividades; houve entrega de placas; e, felizmente, houve música.

O maestro Fabio Mechetti imaginou um programa peculiar, em que cada peça destacaria um naipe da orquestra. Assim, começou-se por Mitos brasileiros (1994), para quarteto de percussão, do carioca Ney Rosauro – uma peça lúdica que, entre momentos humorísticos como o sopro de apitos e estouros de balões de ar, destaca uma bela citação do Uirapuru, de Villa-Lobos.

Em seguida, veio a Serenata Op. 7, que Richard Strauss escreveu quando era um pouco mais velho do que a filarmônica hoje – tinha apenas 17 anos. Mesmo lidando com uma partitura juvenil, as deslumbrantes madeiras da orquestra tiveram oportunidade de exibir seu requinte e bom gosto de fraseado, ao lado de um glorioso quarteto de trompas. Depois Mechetti dirigiu, de cor, uma versão cheia de estilo das Bachianas Brasileiras nº 9, de Villa-Lobos, apenas para cordas – que superaram com brio o desafio de afinação constituído pela partitura.

Veio o intervalo, e a segunda parte começou com um solo de Roman Simovic, que foi o primeiro spalla da filarmônica, e desde 2010 ocupa o mesmo cargo na prestigiosíssima Sinfônica de Londres.  Esse seria o equivalente musical de vestir a camisa dez de um time da Premier League – ninguém chega lá por acaso, e Simovic demonstrou extremo virtuosismo ao solar no concerto para violino escrito em 1953 por Mikós Rózsa (1907-1995), compositor magiar que teve extensa carreira como autor de trilhas sonoras em Hollywood, com destaque para Ben-Hur (1959). Se, na primeira metade do concerto, a filarmônica soara com o adequado intimismo de um programa camerístico, na segunda encheu a sala com a orquestração luxuriante de Rózsa.

Como Mechetti explicou ao microfone, uma festa de debutante (15 anos) requeria uma valsa. E, novamente de cor, ele dirigiu a mais saborosas das valsas de concerto – não um item vienense, mas a evocação do idioma austríaco na paleta francesa de Ravel. A perfomance foi tão sedutora que, ao final, depois de muitos aplausos, quando os músicos já se abraçavam e deixavam o palco, alguém na plateia puxou, com a mesma espontaneidade de quem deixa o celular ligado e aplaude durante os movimentos das obras, um Parabéns a Você – rapidamente ecoado pelo resto da sala. A orquestra que começou timidamente, copiando as outras, merece não apenas os parabéns: ela é hoje um modelo digno de ser replicado e emulado em todo o país.

Concerto da Filarmônica de Minas Gerais no dia 24 de fevereiro [Divulgação/Eugênio Sávio]
Concerto da Filarmônica de Minas Gerais no dia 24 de fevereiro [Divulgação/Eugênio Sávio]

 

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