Tem sido rica, afinal, a programação musical brasileira em tempos de quarentena. Em seus canais digitais, orquestras transmitem concertos da temporada com regularidade; instituições como o Sesc desenvolvem programação variada que inclui palestras e discussões online; conjuntos musicais e artistas transmitem recitais e workshops e criam conteúdo especialmente para o meio virtual.
Essa movimentação tem incluído a encomenda e estreia de obras, como acabamos de acompanhar no último Festival Amazonas, de edição totalmente online e cuja cobertura pode ser conferida aqui mesmo no Site CONCERTO. Aproveito para chamar atenção para duas outras boas estreias.
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No dia 19 de junho a Orquestra Gru Sinfônica apresentou Song of the universal, do compositor Sérgio Molina. Coordenador na Faculdade Santa Marcelina, Molina transita com versatilidade entre a música popular e a música contemporânea como compositor e pesquisador.
A obra, baseada num poema homônimo de Walt Whitman, começou a nascer a partir de uma encomenda do pianista James Dick, do Festival Hill de Round Top, no Texas. A versão original, para quinteto (quarteto de violões e piano) estreou em três concertos com Quarteto de Violões Quaternaglia e James Dick, em 2018.
A partir de uma encomenda do maestro Emiliano Patarra, Molina reestruturou a peça, buscando diálogos entre a sonoridade total da orquestra (mas também de seus naipes particulares) com os solistas iniciais, resultando numa versão ampliada para piano, quarteto de violões amplificado e orquestra sinfônica. A estreia, dentro da temporada 2021 das orquestras de Guarulhos, integra a série “Novos Talentos e Descobertas” e teve interpretação da Gru Sinfônica sob regência de Patarra e solos do Quaternaglia e do pianista Rogério Zaghi.
Após uma introdução orquestral solene, Song of the universal alterna momentos líricos e introspectivos a explosões rítmicas. Segundo explica o próprio compositor, a obra mescla “técnicas consagradas da música orquestral e contemporânea dos séculos XIX e XX”, que se encontram “justapostas e fundidas com as complexidades rítmicas da música popular urbana, sempre num diálogo com as imagens poéticas do poema”. O concerto ainda teve a Abertura sobre temas Hebreus, de Prokofiev, e a suíte Pelleas et Melisande, de Fauré.
A outra estreia acontece hoje, dia 30 de junho. Último dia é uma empolgante micro-ópera que engloba variadas estéticas musicais, junto a um forte componente cine-teatral, numa linguagem pós-moderna que agrega diversas referências. Trata-se do segundo filme-ópera do compositor pernambucano Armando Lobo, realizado pela companhia por ele fundada – CO.MO (Companhia de Micro-óperas). A obra foi viabilizada com recursos da Lei Aldir Blanc através da Secretaria Estadual de Cultura de Pernambuco.
Pensada para o formato digital, a ópera de doze minutos é livremente inspirada em um lendário episódio envolvendo um dos maiores compositores pernambucanos de frevo, Levino Ferreira (1890-1970). Levino sofreu um ataque de catalepsia, foi tomado como morto e quase enterrado vivo. Segundo relatos um tanto fantasiosos, diante da multidão presente no velório o compositor levantou-se do caixão, causando corre-corre e gritaria.
Em meio ao tumulto, alguns exclamavam o “mestre está vivo!”, o que acabou gerando o apelido “Mestre-Vivo” pelo qual ficou conhecido. Ainda segundo essa versão, ali em seu próprio velório Levino Ferreira teria escrito de improviso o frevo “Último dia”, um de seus grandes sucessos, executado na hora pelos músicos presentes.
Trabalhar em projetos que combinam vídeo, performance, literatura e música é uma das especialidades do compositor Armando Lobo. Em Último dia, ele une com sarcasmo e ironia o drama lírico à cultura popular, numa linguagem contemporânea e de apurado acabamento audiovisual. Último dia está disponível no canal de YouTube da Companhia de Micro-óperas.
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