Fui ver La bohème, de Puccini, no Teatro Bradesco, que fica dentro do Shopping Bourbon, em São Paulo. Era a primeira vez que eu entrava ali: bela surpresa. Sala de grande qualidade, moderna, bonita, concebida no princípio dos teatros à italiana, com andares e balcões. As poltronas são confortáveis, a visibilidade, excelente e, de onde eu estava, a acústica era clara, sem ser seca. Largo fosso de orquestra, e um palco amplo, com ótimos equipamentos. A sala acolhe uma assistência pouco menor do que pode receber o Theatro Municipal de São Paulo, ou seja, é ampla. Tudo muito bom: apenas um ar condicionado enfático fez o público tossir mais do que a pobre Mimi.
Outro ponto positivo que me parece importante: montar uma ópera dentro de um shopping, e por uma companhia privada. É indício de que existe atenção e público cada vez maior para esse gênero, confirmado pela lotação quase completa do teatro. Público bem meritório, que enfrentou um enorme engarrafamento causado pelo show do cantor Shawn Mendes no Allianz Parque, bem ao lado. Show que deveria acontecer e foi cancelado na última hora, sem que os jovens fãs fossem avisados...
Seria injusto sublinhar os senões dessa La bohème, diante do papel importante que representa tal iniciativa. Senões secundários, por sinal. O mais manifesto é facilmente sanável: a clara falta de ensaios criando imprecisões na música, erros de entrada e de coordenação geral; que se refletiam também, por vezes, na ação cênica.
Os bons cenários foram fluentes, com um terceiro ato particularmente bonito – o da barrière d’Enfer, com neve sobre azul e uma grande lua no fundo. Rodolfo García Vázquez, da companhia de teatro Os Sátyros, encarregou-se da encenação.
No elenco, o grande barítono Rodolfo Giugliani foi o Marcello que se esperava dele, dominando na voz e na cena, ao lado de uma Jayana Paiva, soberba Musetta: o casal teve a parte do leão nos aplausos muito entusiastas e merecidos. Andrey Mira, no papel do filósofo Colline, maravilhou com uma Vecchia Zimarra exemplar. Camila Rabelo, revelando alguma acidez nos agudos, encarnou, com graça, uma Mimi sensível e convincente. Eduardo Trindade, como Rodolfo, parecia o mais incerto – mas a falta de ensaio e as hesitações na regência não ajudaram. A Orquestra Acadêmica de São Paulo e o Coral da Cidade de São Paulo mostraram, no entanto, bela sonoridade, sob a condução do Maestro Luciano Camargo. Estou seguro de que, se a prestação não foi melhor, isso certamente se deve a um número insuficiente de ensaios.
Por esse e outros espetáculos é possível constatar vários pontos positivos.
Primeiro: há no Brasil cantores numerosos e de grande qualidade. Várias apresentações poderiam ser montadas ao mesmo tempo, e teríamos bons elencos para cada uma delas.
Segundo: esses cantores só podem avançar de um ponto de vista artístico se têm a possibilidade de cantar e atuar.
Terceiro: existe um público ávido por ópera, público este que só tende a aumentar, graças, entre outras coisas, a espetáculos como este, que saem das salas convencionais.
Quarto: os teatros oficiais que querem “renovar” o público, apresentando espetáculos de música popular, inadequados para os grandes complexos que seus responsáveis bem-intencionados dirigem, mas – eles também – inadequados pela falta de formação específica, estão redondamente errados.
Para “popularizar” a ópera, basta produzir ópera, mais e mais, dar acesso a ela, permitir sua descoberta por pessoas que não a conhecem, estimular as belas vozes que existem no país. Música popular já é... popular. E a ópera, no passado um espetáculo que apaixonava públicos de todas as classes e categorias, pode voltar a ter um papel cultural socialmente amplo como poderoso agente da cultura.
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