‘Madama Butterfly’ e o amor pela ópera

por Nelson Rubens Kunze 27/10/2019

Marly Montoni é destaque da montagem de Madama Butterfly, produção da Cia. Ópera São Paulo, de Paulo Abrão Esper; produção ainda segue para Jacareí

Quando cheguei ao Teatro Sérgio Cardoso na última sexta-feira (25/10), alguns minutos antes do início do espetáculo, uma pequena multidão se aglomerava na calçada. Diante das bilheterias, uma longa fila. Lá dentro, o teatro lotado. Eu tinha reservado o meu ingresso e consegui o meu lugar. Mas creio que muita gente deve ter ficado do lado de fora. Público jovem, novo, diverso. Público que gosta de... ópera!

O espetáculo era Madama Butterfly, de Puccini, uma produção da Cia. Ópera São Paulo, de Paulo Abrão Esper. É uma montagem realizada como premiação para os vencedores do Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, realização da mesma Cia. Ópera São Paulo. Desta vez, Paulo Abrão Esper articulou uma parceria com a Orquestra Sinfônica de Santo André, dirigida pelo maestro Abel Rocha – um dos principais regentes de ópera do país. A direção cênica coube a Jorge Coli, estreante na função (como sabem os leitores desse espaço, Jorge Coli é também colunista da Revista e do Site CONCERTO). 

Com reduzido orçamento, Coli criou uma encenação de corte tradicional, simples e funcional. Painéis de papel translúcido em batentes de madeira formam o espaço cênico (cenografia Giorgia Massetani). Variações na intensidade de luz e nas cores caracterizam diferentes momentos e estados de espírito (luz de Douglas Chinaglia). Como no Japão tradicional, os atores tiram os sapatos e as sandálias antes de entrarem na “casa”. No geral, a encenação tem boa fluência. 

Cena de Madama Butterfly, produção da Cia.Ópera São Paulo [divulgação, Rogério Santos]
Cena de Madama Butterfly, produção da Cia.Ópera São Paulo [divulgação, Rogério Santos]

O grande destaque da apresentação foi a soprano Marly Montoni, que fez Cio Cio San. Desde o início até a cena final, Montoni construiu – com técnica segura, personalidade vocal e ricos matizes tímbricos – uma ótima interpretação, que teve alguns momentos de grande emoção, como o dueto com Suzuki ou a cena da leitura da carta de Pinkerton. Também pelo desempenho de Montoni, o segundo ato foi o ponto alto do espetáculo. 

Outra solista que chamou a atenção foi a mezzo-soprano Catarina Taira, que fez uma convincente Suzuki, com bonita voz e boa atuação cênica. Pinkerton foi interpretado com propriedade pelo tenor Fernando de Castro, ainda que, na récita a qual assisti, demonstrasse esforço para algumas passagens nos agudos. Participaram ainda o barítono Tomas David como Sharpless, o tenor Ulisses Montoni no papel de Goro, além de Marcello Mesquita, Luiz Gustavo Lassen, Cristiane Mesquita, Marcus Ouros, Alex Meister e Diego Silva dos Santos. 

Foi bom também o desempenho da Orquestra Sinfônica de Santo André sob direção de Abel Rocha, embora o fosso do Teatro Sérgio Cardoso tenha deixado o som um pouco opaco.

Esta Madama Butterfly, que antes de São Paulo ainda foi vista em Americana, São João da Boa Vista e em Santo André, e que ainda segue para Jacareí, é mais um sucesso na longa lista de realizações de Paulo Abrão Ésper. E, pela afluência do público, é também mais uma prova dá atualidade e da vitalidade do gênero. 

Sem dúvida, a Cia Ópera São Paulo, que, conforme lista publicada no programa, produziu, nos últimos 20 anos, mais de 48 títulos em 343 récitas (!), faz um trabalho de grande valor para a criação de oportunidades para artistas e para a profissionalização de jovens cantores. Em um momento de desprezo à cultura em geral – e à ópera em particular –, é um trabalho que deve ser festejado efusivamente!

[Madama Butterfly ainda tem uma récita no Teatro Sérgio Cardoso hoje, dia 27, às 17 horas. Clique aqui para mais detalhes.]

Leia mais
Texto
“Madama Butterfly’: um testemunho, por Jorge Coli
Notícia A Morte poética de 'Orphée', de Philip Glass, na voz de Carla Caramujo, por Luciana Medeiros
Crítica ‘Suor Angelica’ ganha boa produção em Belém, por Nelson Rubens Kunze
Crítica O teatro barroco de Joyce DiDonato, por Irineu Franco Perpetuo
Crítica Cristian Budu em Barão Geraldo, por Jorge Coli

Curtir