‘Suor Angelica’ ganha boa produção em Belém

por Nelson Rubens Kunze 24/10/2019

A histórica Igreja de Santo Alexandre, em Belém do Pará, serviu de ótimo teatro para o drama Suor Angelica, de Giacomo Puccini (1858-1924), segunda montagem do XVIII Festival de Ópera do Theatro da Paz. No local do antigo altar – hoje a igreja faz parte do Museu de Arte Sacra – um palco elevado sustentou o cenário, diante do qual, já na nave da igreja, ficou situada a orquestra.

Suor Angelica pertence, junto com Il Tabarro e Gianni Schicchi, ao Il Trittico, de Puccini. São obras da última fase da vida do compositor – Suor Angelica é imediatamente anterior a Turandot, e foi estreada no Metropolitan de Nova York em 1918. A ópera, que se passa na Toscana no século XVII, conta a tragédia da Angelica que, após ter um filho fora do casamento, é banida em um convento para expiar a culpa de ter conspurcado a honra da família. Quando Angelica fica sabendo da morte de seu filho, que lhe fora retirado logo após o nascimento e de quem nunca mais tivera notícia, toma veneno para dar fim à vida. O drama atinge o clímax na agonia antes da morte, no arrependimento e na culpa de seu pecado.

Suor Angelica é uma ópera curta, em um ato, e em Belém foi precedida de outra obra de Puccini, a elegia Crisantemi, em um arranjo para cordas. Em seu caráter introspectivo e melancólico, a introdução orquestral funcionou bem antes das pancadas dos sinos tubulares que antecedem, com tom premonitório, a Ave Maria que abre a ópera.

Apesar de não ter a mesma ambição das produções do Festival de Ópera do Theatro da Paz de anos anteriores – em que grandes solistas brasileiros e eventualmente estrangeiros eram convocados para os papeis principais –, o resultado final da montagem de Suor Angelica foi muito feliz. Foi bom e equilibrado o elenco, todo ele local e encabeçado pela soprano Dione Colares, como a Irmã Angelica. De bonita voz, Dione interpretou o papel com convicção e com boa presença, especialmente nas passagens mais líricas. A Tia princesa foi feita pela soprano Alfa de Oliveira, que, com tintas dramáticas, caracterizou bem seu personagem.

Cena da ópera Suor Angelica [Divulgação / M Quadros]
Cena da ópera Suor Angelica, com Dione Colares (esq.) e Alfa de Oliveira [Divulgação / M Quadros]

O restante do elenco, bem como o coro, foi formado pelos alunos do Curso de Formação em Ópera do Theatro da Paz, com um resultado artístico consistente, comprovando mais uma vez a longa tradição de ótimos cantores do Pará (é só lembrar que atualmente brilham em palcos internacionais cantores paraenses como Atalla Ayan e Adriane Queiroz). Participaram as cantoras Denise Dacier, Elizabeth Moura, Gigi Furtado, Dulcianne Ribeiro, Ione Carvalho, Liliana Virgínia, Kézia Andrade, Lanna Bastos, Juliana Kreling, Érica Carolinne, Adriane Leite e Rebeca Leitão, com destaque para Hosana Ramos que fez o papel de Irmã Genoveva. A preparação do coro coube a Vanildo Monteiro.

A direção cênica foi de Jena Vieira, que apresentou uma montagem bem resolvida de corte tradicional. Apoiada em cenários simples (Nandressa Nuñez) e com boa iluminação (Rubens Almeida), a encenação é conduzida de forma fluente para atingir seu ponto culminante na emocionante cena final.

Destaque especial cabe ao bom desempenho da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz, dirigida de cor e com muita competência por seu regente titular, o maestro Miguel Campos Neto.

Esta edição do Festival de Ópera é a primeira de um “novo formato” implementado pela nova administração do Theatro da Paz, dirigida desde o início do ano por Daniel Araújo. Passando de um evento circunscrito a um determinado período para um projeto ao longo do ano, o Festival de Ópera foi subdividido em cinco ações distintas “que dialogam entre si, com foco na formação e itinerância”. São elas: a formação, com oficinas e master classes para profissionais das diversas áreas que compõem a ópera; a temporada de óperas, com títulos distribuídos ao longo do ano; a temporada de concertos, com eventos alternados às produções líricas; a itinerância, levando os diversos espetáculos para outras regiões da cidade e do estado; e finalmente o teatro musical, explorando “um dos gêneros que mais cresce no País, o dos musicais”. Conforme Daniel Araújo afirma no programa, “com o novo formato, o XVIII Festival de Ópera do Theatro da Paz se lança na direção de novos horizontes. De um lado, democratizando e oportunizando à população o acesso às políticas públicas do Estado, de outro, gerando formação, trabalho e renda aos agentes locais envolvidos em todo processo”.

Suor Angelica ainda tem uma récita nesta sexta-feira (dia 25 de outubro) e é a segunda produção lírica do Festival – em setembro, o Theatro da Paz viu Il matrimonio segreto, de Cimarosa. A temporada se encerra em dezembro, com uma produção de Amahl e os visitantes da noite, de Gian Carlo Minotti.

[Nelson Rubens Kunze viajou a Belém e assistiu à Suor Angelica a convite da produção do Festival de Ópera do Theatro da Paz.]

Cena final de Suor Angelica [Divulgação / M Quadros]
Cena final de Suor Angelica [Divulgação / M Quadros]

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