Concerto teve também o Choros nº 8 de Villa-Lobos, moteto de Bach e sensível solo da violinista Priscila Rato em obra de Vaughan Williams
Almeida Prado é um dos grandes compositores de nosso tempo. Nascido em 1943 e falecido em 2010, ele compôs os Pequenos Funerais Cantantes em 1969, e com esta obra venceu o I Festival de Música da Guanabara, daquele mesmo ano. O prêmio possibilitou ao jovem artista seguir para Europa, onde completou os seus estudos com mestres como Olivier Messiaen e Nadia Boulanger – dois nomes seminais da música de nossos dias.
Ouvida hoje, 50 anos depois, Pequenos Funerais Cantantes ainda surpreende pela inventividade da escrita e pela força de sua comunicação. A obra é composta para grande orquestra, coro e solistas, mas esses recursos são empregados de modo muito criterioso e econômico, apenas alguns poucos naipes ou instrumentos soam em conjunto, sempre buscando novas cores tímbricas. Em suas passagens atonais, cheias de silêncios, faz lembrar Anton Webern. A participação do coro é igualmente muito cuidada, sempre em novas formações e explorando recursos vocais. Inspirada em versos de Hilda Hilst – que lembra a morte de um poeta amigo – a obra respira transcendência.
E foi espetacular a interpretação da Osesp, de seu coro e dos solistas – a mezzo soprano Clarissa Cabral e baixo-barítono Sabah Teixeira –, sob direção do maestro Neil Thomson. Concentrados, em intervenções equilibradas, o grupo ofereceu uma interpretação muito consistente dessa pérola da música brasileira. A obra está sendo gravada e será lançada em um dos próximos volumes da coleção Música do Brasil, do selo Naxos.
Comecei por Almeida Prado, porque foi o ponto culminantes de um concerto no todo muito bom. A noite iniciou-se de modo pouco convencional com o Coro da Osesp (preparado pelo maestro William Coelho) apresentando o moteto de Bach Jesu, meine Freude (Jesus minha alegria) BWV 227. Com acompanhamento de um baixo contínuo (Alessandro Santoro ao órgão e o contrabaixista Alexandre Rosa), a impressionante obra – no gênero uma das mais importantes da criação de Bach – ganhou uma leitura de alta voltagem dramática.
A segunda parte do concerto começou com The Lark Ascending, de Ralph Vaughan Williams, de quem se festejam os 150 anos de nascimento. Nas notas de programa, Laura Rónai escreve que há mais de dez anos a obra vence uma enquete anual promovida pela rádio Classic FM como a obra clássica favorita do público inglês. E ela é linda mesmo, ainda que, para o aniversário do compositor, as orquestras brasileiras poderiam ter programado também algumas de suas outras criações – salvo engano, apenas a Ospa tocou uma de suas sinfonias (Vaughan William é autor de uma imensa obra, com 9 sinfonias, 5 óperas, muita música coral e vocal bem como de câmara...).
The Lark Ascending descreve, de modo livre e qual uma fantasia musical, “a ascensão da cotovia”, que é representada pelo violino solista. O solo coube a excelente violinista Priscila Rato, que hoje é spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira. Concentrada e sem arroubos, Priscila ofereceu uma sensível e tocante interpretação, com som claro, presente e de lindo timbre.
O concerto se encerrou com o Choros nº 8 de Heitor Villa-Lobos, tido como uma de suas criações mais ambiciosas. É uma obra monumental, para grande orquestra e dois pianos concertantes, que foram tocados por Lucas Gonçalves e Lucas Thomazinho. Composto em 1925, o Choros 8 traz trechos de grande densidade, com diversas camadas sonoras que se sobrepõem intercaladas por intervenções solísticas dos instrumentos da orquestra. A exuberância sonora de Villa-Lobos é de grande invenção e impacto, e especialmente marcante é a escrita pianística que explora o potencial percussivo dos instrumentos.
Sob direção de Neil Thomson, que é hoje seguramente o maior defensor e difusor do repertório sinfônico brasileiro, a Osesp apresentou uma interpretação viva e consistente dessa grande obra moderna.
[O concerto será reapresentado hoje, sábado dia 12, às 16h30, na Sala São Paulo.]
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