Humor e criatividade marcam a obra do artista, que acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Música
‘Parescências’ é o nome do novo disco de Tim Rescala. É um título bonito e sonoro, parescências, e Tim explica: é o nome poético para as coisas que se parecem com algo, mas que não o são. A composição que leva o título é formada por 7 movimentos, em que cada um se parece com algo que não é. Assim, tem o Parece um tango, o Parece uma valsa, o Parece uma rabeca e por aí vai, até o final Parece que acabou. Este é o humor de um dos artistas mais criativos da cena clássica brasileira.
Estive no Rio de Janeiro no dia 6 de setembro e assisti ao lançamento de ‘Parescências’. O concerto levou à Sala Cecília Meireles os mesmos artistas que fizeram a gravação: Erika Ribeiro (piano), Dhyan Toffolo (viola), Quinta Essentia (quarteto de flautas doce), Fábio Adour (violão), Batista Junior (clarinete), Doriana Mendes (voz), Mariana Salles (violino), Marina Spoladore (piano), Pablo de Sá (violoncelo), Pauxy Gentil Nunes (flauta), Maria Teresa Madeira (piano), Aloysio Fagerlande (fagote), Andrea Ernest Dias (flauta) e Eduardo Krieger (voz). Todos eles muito bons e todos à vontade e irmanados na extrovertida atmosfera da rica criação de Tim Rescala.
Antes de cada peça, Tim fazia uma breve e, claro!, bem-humorada introdução. E o que se ouviu na hora que se seguiu foi uma deliciosa viagem musical pela inusitada obra do artista, em que cada peça expunha um novo achado artístico.
Para além do humor dos títulos do disco encontramos um sólido artesanato composicional. Parescências, primeira peça apresentada, foi escrita para viola e piano e estreada em 2021 na Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Para cada um dos sete movimentos inspirados pelos títulos do “parece ser”, o autor lança mão de uma abordagem criativa e distinta uma da outra. É uma construção formal interessante, uma suíte, e quando a gente pensa, surpreso: “Nossa! O cara tomou jeito? Escreveu uma verdadeira ‘obra’ dentro dos cânones históricos?”, pronto! – vem a tal da brincadeira do Parece que acabou e nos lembra que estamos diante do genial Tim Rescala.
Por encomenda do excelente conjunto de flautas doce Quinta Essentia Tim Rescala compôs, em 2021, A banda de pífaros do Rei Athur (e não “de Caruaru”!), uma mescla sensível e musical de música renascentista com a tradição musical nordestina. Segue Dá-lhe, Garoto, uma homenagem baseada em temas do violonista Garoto explorando com muita competência os recursos do violão.
Tim Rescala segue com a obra Villalobianas alemãs (também de 2021) para piano, soprano, flauta, clarinete, violino e violoncelo, em que, em pouco mais de 15 minutos, propõe uma leitura alemã das Bachianas brasileiras de Villa-Lobos. Alguém já tinha pensado nisso?
Os devaneios de um entediado Ernesto Nazareth ao tocar num despovoado Cinema Odeon é uma peça para piano solo, composta em 2018, que teve interpretação de Maria Tereza Madeira. Como uma grande improvisação, a peça é um passeio pela obra de Nazareth intercalada por conhecidos temas da música clássica.
A apresentação terminou com uma homenagem a Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), um dos mestres na formação de Rescala. O irreverente Dodecafunk (2015) conta a história do compositor e professor alemão que se radicou no Brasil e que se tornou por aqui uma das personalidades mais marcantes e influentes da segunda metade do século passado. É um funk, sim, meio estilizado e com colagens sonoras, mas com direito a figurinos, danças e todos as características do gênero.
Tim Rescala estudou na Escola de Música da UFRJ e na Escola de Música Villa-Lobos, formando-se pianista e compositor. Com Koellreutter fez composição, contraponto e arranjo, licenciando-se pela Unirio. O artista tem uma carreira diversificada, com importante e premiada atividade também na área do humor, da televisão, do cinema e do teatro. É autor de música eletroacústica, musicais, trilhas sonoras e de óperas – no ano passado compôs O auto da compadecida, baseada no livro de Ariano Suassuna, que vem sendo apresentada com muito sucesso em uma ótima produção da Orquestra Ouro Preto (leia mais aqui).
A mais recente conquista de Tim Rescala foi ter sido eleito quase que por unanimidade para a venerável e tradicional Academia Brasileira de Música, fundada entre outros por Villa-Lobos há quase 80 anos, na vaga de Edino Krieger, por desejo e recomendação do próprio Edino.
A ABM acertou em cheio! Mas acho que nem o próprio Tim Rescala esperava por essa... e deve estar dando umas boas risadas!
[Clique aqui para ouvir ‘Parescências’ no Spotify]
Leia mais sobre Tim Rescala
MultiTim 6.0, por Luciana Medeiros
Tim Rescala é o novo membro da ABM, por Luciana Medeiros
É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.