Em programa original e requintado, Osesp faz merecida homenagem a percussionista Ricardo Bologna
A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo tem homenageado individualmente os seus músicos de formas diversas, o que é uma excelente coisa. Tendemos a considerar as orquestras como um todo, esquecendo-nos de que elas são compostas por artistas com sua personalidade que, é fato, precisam se integrar no conjunto, mas que, cada um, possui seu próprio temperamento e suas qualidades específicas.
No dia 14 de outubro, o concerto se abriu com o percussionista Ricardo Bologna regendo Ionisation, de Edgard Varèse. Obra breve, espetacular, bastante conhecida e gravada, não é tão programada assim, pois não se enquadra na formação tradicional das orquestras. Exige um grande número de percussionistas, além de instrumentos relativamente raros. Sem contar que demanda uma precisão muito grande, portanto segurança na regência e excelente qualidade dos intérpretes.
Todas essas exigências foram preenchidas, e mais: qualidade na concatenação, perfeito sentido da dinâmica, fluência e sólida concepção do conjunto, nuanças na dosagem dos timbres. Foi um grande momento, acrescido do espetáculo visual daqueles instrumentos todos em ação no palco.
A homenagem a Ricardo Bologna – 20 anos de atuação na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – mais do que se justificava, portanto, ao mesmo tempo que demonstrava as belas qualidades de Bologna como regente.
O concerto prosseguiu sob a condução do maestro Arvo Volmer, da Estônia. Ele escolheu uma obra aproximadamente contemporânea a Ionisation: o Jeu de Cartes (Jogo de cartas), balé de Stravinsky. Obra raramente programada nas salas de concerto, foi um privilégio poder ouvi-la. Estamos longe das grandes fúrias e coloridos que o compositor havia investido em O pássaro de fogo e A sagração da primavera, no início do século XX.
Jeu de Cartes é um divertissement, burlesco, antipassional e antirromântico. Irônico, ele faz alusões a temas de Rossini, de Ravel, numa combinatória incessante de fragmentos interrompidos, mudanças rítmicas, que nunca deixa o ouvinte se embalar em qualquer conforto, mas interpelam constantemente os ouvidos. Sua orquestração complexa, que insiste nos sopros, exige bastante dos músicos, e a Sinfônica do Estado mostrou-se perfeitamente à altura.
É possível conceber Jeu de Cartes com uma secura mecânica e ácida, cortante (como o próprio compositor o regia), ou com um caráter cômico incisivo: não foi isso que ocorreu na Sala São Paulo. Arvo Volmer arredondou arestas, criou fusões, não insistiu na urgência, evitou vibrações nervosas ou mesmo bem-humoradas. Criou um entrelaçar sonoro, que resultou num clima de sedutor envolvimento banhado em nonchalance.
O programa se concluiu do modo o mais contrastante possível em relação às duas primeiras obras: Arvo Volmer escolheu a abertura-fantasia Romeu e Julieta de Tchaikovsky. Nada mais desbragadamente romântico, embriagador, apaixonado do que essa música admirável. Cordas que lembram seda, madeiras que parecem ouro, melodias que arrebatam. A Sinfônica do Estado soou admiravelmente. Arvo Volmer conteve qualquer excesso sentimental para obter eloquência justa e convincente.
Foi um programa original, requintado. Ao sair, ouvi alguém empregar uma expressão pouco usada hoje em dia: papa-fina. É isso. Papa-fina.
[O mesmo programa será apresentado no sábado, dia 16; veja mais detalhes no Roteiro do Site CONCERTO.]
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