O Brasil está recebendo uma das vozes mais empolgantes do cenário lírico internacional. O contratenor polonês Jakub Józef Orlínski, que completa 32 anos em dezembro, apresenta-se nos dias 1 e 2 de agosto, na Sala São Paulo, em concerto extra-assinatura da Sociedade de Cultura Artística, e no dia 4, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pela Dellarte
Formado em 2017 na Juilliard School of Music, em Nova York, Orlínski foi catapultado no mesmo ano ao estrelato internacional por uma performance de Vivaldi no Festival de Aix-en-Provence, que foi filmada e obteve mais de quatro milhões de visualizações. Ele atendeu a Revista CONCERTO por Zoom, de seu apartamento em Varsóvia. Ao fundo, plantas e um quadro pintado por seu pai. “Mantenho minha base aqui, e eu adoro. É um bairro super verde, tem minha cafeteria favorita, e meus pais moram pertinho”, diz.
O contratenor vem ao Brasil com o grupo de instrumentos de época Il Pomo d’Oro, dirigido pelo russo Maxim Emelyanychev. Refrescando a memória, esse conjunto eletrizante esteve por aqui em 2019, acompanhando as apresentações da mezzo-soprano Joyce DiDonato. Desta vez, o repertório que eles apresentam com Orlínski é o do álbum Facce d’Amore, o segundo da carreira do contratenor, lançado pelo selo Warner no final de 2019.
“Gravamos Facce d’Amore já há três anos, mas, por causa da pandemia, não tivemos chance de apresentá-lo muito. Essa turnê devia ter acontecido no ano passado, e seria muito maior, mas foi adiada por causa da Covid”, explica o cantor. “Eu amo todos os meus programas, mas esse é um dos favoritos. É muito divertido, e bastante difícil – mas para mim, não para os ouvintes. É um álbum que mostra diferentes tons de amor, diferentes espectros do amor, e diferentes estilos: como os compositores viam o amor dos personagens para os quais escreviam. Então é um projeto bastante divertido, em que você pode encontrar alguém que está lutando porque ama demais, ou alguém que é brincalhão, ou que tem muita esperança, ou que está tão frustrado e bravo que se torna mau. Há tanta coisa a apresentar com apenas uma emoção”.
Como aconteceu com seu álbum de estreia, Anima Sacra, aqui ele contou com a ajuda do baixo-barítono Yannis François, que ele chama de “meu pesquisador, meu caçador de tesouros”, para montar o repertório. Voltado para o universo da ópera, Facce d’Amore inclui obras dos compositores Francesco Cavalli (1602-1676), Giovanni Antonio Boretti (1640-1672), Giovanni Battista Bononcini (1670-1747), Georg Friedrich Händel (1685-1759), Giuseppe Maria Orlandini (1675-1760), Johann Mattheson (1681-1764), Luca Antonio Predieri (1688-1767), Francesco Bartolomeo Conti (1681?-1732), Nicola Matteis (1670?-1713?) e Johann Adolf Hasse (1699-1783). Algumas árias foram escritas especialmente para o célebre castrato Farinelli (1705-1782), e há obras que jamais chegaram ao disco, e são verdadeiras reestreias de peças que ficaram por séculos no olvido.
“É incrível. Você pega uma partitura que não foi apresentada por 250 anos, e você está literalmente incubando a História, e é sua responsabilidade fazer algo com aquilo. Muitas coisas na música barroca não estão escritas. No barroco mais tardio, tudo está mais ou menos escrito. Mas, se você faz música do Seiscentos, há coisas que você tem que adivinhar. Você tem que acrescentar um instrumento aqui, outra coisa ali, há muitos ornamentos que você pode fazer – é sua escolha fazê-los ou não”, explica. “E, claro, você tem que ler qual é o estilo naquele lugar em particular, quando foi composto, para quem… Essas informações podem ser chatas para as pessoas, mas, se você fizer a pesquisa, ela te dá muita informação sobre o que você pode fazer, o que você não pode fazer, e o que você deveria fazer. E é tão divertido! Ouvir a música pela primeira vez com a orquestra é indescritível. É um tipo diferente de empolgação, um tipo diferente de adrenalina.”
Se costumamos associar a voz de contratenor ao repertório barroco, o mais recente disco de Orlínski, Farewells, lançado pela Warner em maio deste ano, não tem nada a ver com isso. Ao lado de seu compatriota, o pianista Michal Biel, ele gravou exclusivamente repertório polonês, dos compositores Henryk Czyż (1923-2003), Stanisław Moniuszko (1819-1872), Karol Szymanowski (1882-1937), Mieczysław Karłowicz (1876-1909), Tadeusz Baird (1928-1981) e Paweł Łukaszewski (n. 1968).
“Nos concertos com Michal Biel, meu pianista, nosso objetivo era lutar contra o estereótipo do contratenor que só canta música antiga, ou música muito contemporânea. A voz de contratenor é ilimitada. Você pode fazer o que quiser. No período romântico, você tem canções escritas por Schubert, pelos compositores franceses, alemães, todos os outros, que você pode transpor, como se fazia no período barroco. Por isso você tem os livros com canções de Schubert para voz grave, ou para voz aguda. Porque mezzo sopranos podem cantá-las, mas baixos-barítonos também. Então por que não contratenores? Então desde o começo exploramos chansons francesas, lieder alemães, canções polonesas”, ele conta. “Para mim, então, não é novidade cantar canções polonesas. A novidade é gravar um álbum com piano e colocar nele apenas canções polonesas. Era algo muito arriscado, porque ninguém conhece essas obras, mas acabamos de concluir uma turnê que teve quase 30 concertos, nos Estados Unidos e Canadá, e lamento dizer que foi um sucesso. As pessoas amaram a música polonesa! Por mais que eu ame cantar com Il Pomo d’Oro, ou Il Giardino d’Amore, e adore cantar com orquestras, também adoro cantar com Michal, meu pianista. Porque é absolutamente diferente. Você usa a voz de um jeito absolutamente diferente, canta um repertório absolutamente diferente. Desde o começo de minha carreira, eu quis ser versátil, queria fazer de tudo. Isso não parece bom, porque você não pode ter de tudo. Mas eu queria explorar minha voz de um jeito que eu pudesse fazer música barroca, música divertida, gravações, produções de ópera, e também recitais com piano.”
A turnê sul-americana de Orlínski inclui ainda apresentações em Buenos Aires e Bogotá. No fim do mês, ele ainda se apresenta em um festival em Zwiec, na Polônia. O segundo semestre inclui montagens, em Paris e San Francisco (EUA), de Orfeo ed Euridice, de Gluck – ópera que ele deve gravar no ano que vem, com o grupo Il Giardino d’Amore, regido por Stefan Plewniak. Em dezembro, ele volta ao estúdio com Il Pomo d’Oro, para um álbum de repertório do barroco inicial, cujo repertório, contudo, ele prefere manter em sigilo.
A ascensão e popularidade de Orlínski parece marcar definitivamente a aceitação do registro de vocal de contratenor, que até algum tempo atrás era visto pelos espectadores mais conservadores como uma excentricidade. “Era algo exótico, realmente incomum encontrar um homem que canta tão agudo e fala meio grave. Isso confunde”, ele afirma. “O que eu dizia para meus amigos que não entendiam o que estava acontecendo: Justin Timberlake e todos os cantores pop usam esse tipo de técnica, mas de um jeito que não é treinado classicamente. O contratenor com esse nome existe no mundo da ópera, mas a técnica de falsete que nós usamos é usada por artistas mainstream. O barroco era o pop de sua época, isso é super simples.”
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