Violonista brasileira fala sobre o lançamento de seu primeiro disco, Territórios, pelo selo Rocinante
Nesta semana, a violonista Gabriele Leite lança seu primeiro álbum. A notícia interessa a todos os que acompanham a vida musical brasileira, pois Gabriele é um dos mais brilhantes talentos de sua geração. Aos 24 anos, ela cursa doutorado em performance musical na Stony Brook University, em Nova York, sob orientação de outro talento do violão brasileiro, João Luiz Rezende Lopes.
Nascida em Cerquilho, no interior do estado de São Paulo, ela já demonstrava fascínio pelo violão antes mesmo de iniciar os estudos no Projeto Guri. Filha de uma costureira e de um mecânico industrial, aos 18 anos Gabriele ingressou no bacharelado em violão da Unesp e, em 2020, foi aceita no mestrado da Manhattan School of Music, em Nova York, com bolsa da Sociedade de Cultura Artística.
Também em 2020, mal completados os 20 anos, foi apontada como uma das 30 celebridades abaixo dos 30 anos pela revista Forbes. Já no ano passado, recebeu o prêmio Segovia e Rose Augustine da Manhattan School.
Territórios, o álbum de estreia, está sendo lançado em todas as plataformas digitais nesta quarta-feira, dia 8, pela gravadora Rocinante, com quem Gabriele considera que está desenvolvendo um trabalho “fenomenal”: “Eu sinto que essa parceria está sendo um combustível importante para minha carreira, é muito bom contar com uma equipe que pensa em todos os pequenos detalhes”. O primeiro single, Melodia sentimental, já está disponível para audição.
O disco também terá uma versão física, em LP. Assim, os amantes do vinil ouvirão, no Lado A, Cinco bagatelas de William Walton e Ritmata, de Edino Krieger; e, no Lado B, a Sonata de Sérgio Assad e a Melodia sentimental, de Villa-Lobos. Com uma interpretação envolvente e impecável, Gabriele constrói, das singelas bagatelas de Walton à intrincada sonata de Assad, um disco sofisticado, sem nenhum tipo de apelo – seja no repertório, seja na execução. É o retrato em álbum de uma extraordinária intérprete, que no palco transborda carisma e segurança, como quem sabe de seu valor e não pede licença, além de transparecer um enorme prazer em tocar.
A vida de Gabriele Leite anda corrida já que, além da carreira e das atividades acadêmicas, ela tem praticado suas habilidades de professora, como assistente de João Luiz com os alunos da graduação. Já começa a pensar no segundo disco e, neste mês, vem ao Brasil para realizar os primeiros concertos de lançamento de Territórios, em Porto Alegre e no estado de São Paulo. Confira abaixo um trecho de sua entrevista ao Site CONCERTO.
Como você selecionou o repertório de Territórios?
A escolha do repertório foi pensada para trazer releituras de obras que têm um valor pessoal e representam diferentes estágios da minha vida como violonista, bem como os diferentes “territórios” ocupados, desde a infância até os dias atuais. O Sérgio Assad é um ser humano incrível, eu não poderia deixar de homenageá-lo em meu primeiro álbum porque ele foi uma das primeiras pessoas que me incentivou a tentar os estudos fora do país. Sua magistral Sonata, encomendada pelo violonista Japonês Shin-ichi Fukuda, eu encaro como o dia de domingo em que os amigos se reúnem para um churrasco em um lugar inusitado, fora do Brasil, onde você pode divagar sobre a saudade da comida e as dificuldades de morar fora do país. As Cinco bagatelas tiveram gigantesca relevância dentro do mundo do violão clássico pelas mãos de Julian Bream e são pequenos retratos de algumas vivencias de William Walton. Elas vêm para trazer um pouco da tradição do violão clássico mundial, e pessoalmente foi um marco de quando saí do Brasil para realizar meu mestrado, foi a primeira música que comecei a aprender quando cheguei em Nova Iorque em 2021. A Ritmata de Edino Krieger tem uma escrita avançada para a época em que foi escrita: utiliza timbres, cores e um violão mais percussivo. Eu a encaro como um choro moderno e foi na época de graduação que a aprendi. Villa-Lobos é um dos meus compositores favoritos e deixou um legado gigantesco para o violão. Me recordo muito bem de quando escutei pela primeira vez os 12 estudos, os prelúdios e, o mais marcante, o Concerto para violão e orquestra, uma gravação com Sérgio Abreu ao violão; em 2022, tive a honra de solar a peça com a Osusp na Sala São Paulo. Melodia sentimental é a raiz desse projeto. Essa é uma adaptação do arranjo do Carlos Barbosa Lima e foi feita pelo Edson Lopes, meu professor no Conservatório de Tatuí. A cada vez que eu tocava essa peça, em diversas situações, as pessoas falavam: nossa eu reconheço essa música. Eu tenho quase certeza que é por conta da letra, então a ideia foi atrair novos ouvintes para o repertorio de violão a partir de Villa-Lobos.
Como você enxerga o violão brasileiro na atualidade?
O violão brasileiro atual é uma fonte inesgotável de possibilidades, com as redes sociais eu sempre estou descobrindo gente nova. Quanto às novas composições e estéticas, observo que o violão brasileiro tem um futuro brilhante, o que me deixa muito feliz porque cria uma diversidade enorme para o instrumento.
Poderia contar quais foram suas maiores referências no instrumento?
Minhas principais referências são meus professores e colegas de turma, e a lista é muito grande. Além disso, os duos brasileiros sempre foram grandes fontes de inspiração: Duo Abreu, Duo Assad, Duo Siqueira Lima e Brazil Guitar Duo. Não poderia deixar de falar de Paulo Martelli, que esteve por trás de toda a preparação para minha vinda ao exterior; minha professora do Projeto Guri, Josiane Gonçalves, que deu todo suporte para que eu fosse estudar em Tatuí. Jair Teodoro de Paula foi meu primeiro professor de violão clássico do Conservatório de Tatuí e nunca me esqueço do dia da primeira aula dele, porque pela primeira vez na vida tive um professor de violão negro e isso me marcou muito. E, agora, o trabalho com João Luiz tem sido incrível, ele foi meus ouvidos antes e durante o processo de gravação do disco.
Você fala no release do trabalho que “não vê a hora de continuar abrindo espaços”. A que você está se referindo? Sei que você se coloca como uma jovem violonista negra de um país periférico. Tem a ver com esse “lugar de fala” e o exemplo e inspiração que você se torna ao ter seu trabalho divulgado e valorizado?
Aqui eu me refiro à ancestralidade, aos que vieram antes de mim e abriram portas para que eu ocupasse os espaços, e sobre minha responsabilidade de continuar abrindo portas. Recentemente eu descobri a filosofia africana chamada Sankofa, que é basicamente olhar o passado para continuar construindo o futuro. Acho que isso é o que é preciso fazer.
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PARA ADQUIRIR
O LP de Gabriele Leite está disponível na Loja CLÁSSICOS (clique aqui)
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AGENDA
Em novembro, Gabriele Leite se apresenta no Theatro São Pedro de São Paulo (dia 19, com a Camerata Infanto Juvenil Projeto Guri); no Instituto de Estudos Brasileiros da USP (dia 21, evento fechado); no Auditório da Escola de Música de Alumínio, no interior de São Paulo (dia 22, Projeto Violão em Foco); no Instituto Ling de Porto Alegre (da 23); e em Avaré, São Paulo (dia 25, Projeto Cordão).
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