Evento contou com a participação da soprano Patrizia Ciofi, que cantou e ministrou masterclass
Tive o grande prazer de participar mais uma vez do júri do Concurso de Canto Maria Callas. Ele vem tomando vulto cada vez maior no mundo da ópera latino-americana e afirma-se entre os grandes certames internacionais do mesmo gênero.
As condições da ópera na América Latina estão bem longe de serem as mesmas das da Europa ou dos Estados Unidos. Se em todos os lugares a cultura exige sempre esforços, no Brasil ela significa uma luta tremenda com resultados sempre incertos: é assim, por exemplo, que o Festival Amazonas de Ópera acabou de ser cancelado por um governo estadual que se importa pouco com essa manifestação de altíssima qualidade, que traz um retorno social e econômico considerável para a cidade e para o estado, e que tem projeção no mundo inteiro. Em nosso país, as instituições culturais dependem do capricho de quem está no poder.
É por isso que Paulo Ésper, há décadas o incansável organizador do concurso Maria Callas, lutando de todos os lados por verbas, consagrando sua vida a ópera, é merecedor de todo o nosso respeito agradecido. Com este, são já 22 concursos realizados: uma proeza. Eles se passam sempre na cidade de São Paulo, para a seleção das semifinais, e em Jacareí, a cidade de Paulo Ésper, para a seleção dos finalistas.
Neste ano, o júri do concurso foi presidido pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, uma autoridade em vozes como muito poucos, além de ser um fantástico regente de música sinfônica e lírica. Ao júri brasileiro, composto por Robson Tirotti Felipe, Fabiana Crepaldi, Carlos Rauscher e eu, agregou-se um júri internacional de primeiríssima qualidade: Richard Martet, fundador e editor da revista francesa Opéra Magazine; Vincent Boussard, diretor de cena de ópera com brilhante carreira no mundo inteiro; e Patrizia Ciofi, grande diva internacional protagonista nos palcos do Scala de Milão, do Metropolitan de Nova Iorque, da Ópera de Paris, do Covent Garden de Londres, entre tantos, mas que nunca viera ao Brasil.
Aqui é preciso menção especial para o concerto de abertura do Concurso no Teatro Sérgio Cardoso, dia 17 de março, do qual Patrizia Ciofi participou. Como sempre, esse concerto inaugural contou com antigos laureados do Concurso Callas, e este ano reuniu os excelentes Mere Oliveira (mezzosoprano), Marcello Vannucci (tenor) e Davi Marcondes (barítono).
O concerto se abriu com o Prelúdio da ópera Os mestres cantores de Nuremberg de Richard Wagner. Foi impressionante ouvir a Orquestra Experimental de Repertório, composta por jovens iniciando na vida musical, responder à regência de Luiz Fernando Malheiro, que obteve deles sonoridades e precisão dignas das mais belas formações sinfônicas.
A expectativa forte estava, porém, na presença de Patrizia Ciofi. Ela cantou apenas dois números como solista: a ária “D’Oreste, d’Ajace” de Elettra, da ópera Idomeneo, re di Creta, de Mozart, e a grande ária de Gilda, na ópera Il Rigoletto, de Verdi.
Ciofi é uma suprema intérprete de Mozart: sua próxima apresentação será a Condessa, da ópera As bodas de Fígaro, de Mozart, no Teatro de Ópera de Marselha. Ela possui um timbre de doçura infinita, o que não a impediu de ser habitada pela fúria, pela violência e pela aflição na ária final de Idomeneo: era a própria Elettra que estava ali, com suas imprecações e desespero.
Se a ária de Mozart não é tão conhecida do público, Caro nome, ao contrário, é uma das mais célebres do repertório, tendo sido cantada e gravada milhares de vezes. No entanto, Patrizia Ciofi revelou tantas belezas novas, originais, em sua interpretação, que não é exagero nenhum dizer que o público parecia ouvir esse trecho pela primeira vez. Ciofi sintetizou beleza vocal, musicalidade, inteligência teatral, colorindo cada nota com sentimento justo e verdadeiro.
São duas interpretações que ficarão na minha memória como momentos verdadeiramente excepcionais.
Para concluir o concerto, todos os cantores se reuniram no quarteto “Bella figlia del’amore”, de Rigoletto, fortemente aplaudido.
O concurso organizou também uma conversa com Patrizia Ciofi, aberta a todos, no dia seguinte. Ela ocorreu no Consulado Geral da Itália. Essa conversa foi seguida por um recital que reuniu o barítono Johnny França, a soprano Raquel Paulin, premiados no passado pelo Concurso Callas, e o pianista Daniel Gonçalves.
Outro momento importante do Concurso a que pude assistir, foi uma excelente masterclass dada por Patrizia Ciofi a alguns candidatos. Era espantoso ver esses jovens iniciantes, depois de apenas quinze minutos de trabalho, intuir soluções para certas dificuldades, melhorar a colocação da voz, aprender a respirar corretamente. Patrizia Ciofi demonstrou uma didática de gestos e de sugestões expressivas capaz de transmitir de modo muito claro suas lições.
Cada vez mais inscrevem-se cantores vindos dos mais variados países latino-americanos e dos mais variados estados brasileiros no Concurso Maria Callas. O júri foi bastante severo e não selecionou um primeiro prêmio para cantor finalista. Mas o Concurso revelou várias jovens promessas que, esperemos, se cumprirão.
É preciso estar logado para comentar. Clique aqui para fazer seu login gratuito.
Comentários
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da Revista CONCERTO.