2019 foi o ano Claudio Santoro (1919-1989) na música brasileira, com homenagens pelo centenário de nascimento do compositor amazonense. Mas as comemorações não se esgotaram no ano passado, já que alguns projetos acabaram sendo lançados em 2020 (e ainda outros devem aparecer até o final do ano).
Gostaria de fazer algumas observações a partir de dois lançamentos que trazem algumas características em comum: “Claudio Santoro – a obra integral para violoncelo e piano”, com Hugo Pilger e Ney Fialkow; e “Jardim noturno – canções e obras para piano”, de Paulo Szot e Nahim Marun. Ambos são registros da produção de câmara do compositor e incluem obras inéditas.
O disco do violoncelista Hugo Pilger e do pianista Ney Fialkow traz sete obras de Santoro, das quais quatro nunca haviam sido gravadas. Além da beleza da música em si e da qualidade da gravação (que já foi comentada por Irineu Perpetuo em artigo para este site), impressiona saber que Santoro possui quatro sonatas para violoncelo e piano, das quais apenas uma (a nº 3, de 1951), havia sido gravada, ainda nos tempos do LP. Conforme Pilger afirmou em entrevista a Luciana Medeiros na CONCERTO de junho, “posso garantir que 95% dos cellistas não conhecem as peças extraordinárias de Santoro”.
Por sua vez, o CD duplo “Jardim noturno” (do qual tive o prazer de participar da pesquisa) traz, além de peças para piano solo (quatro delas nunca gravadas), 24 canções de Claudio Santoro, das quais 11 são inéditas. As outras 13 integram a profícua parceria do compositor com o poeta Vinícius de Morais.
Nos dois casos, um mundo desconhecido e rico se abre diante de nós. Tanto as canções quanto as obras para cello e piano abarcam um largo período composicional e nos dão a oportunidade de conferir as diferentes fases criativas do compositor, do atonalismo e dodecafonismo da década de 1940, passando pelo nacionalismo e chegando ao estilo bastante pessoal que ele atinge em suas obras maduras, já na década de 1980.
Há mais um ponto em comum entre os dois lançamentos e que não deve passar desapercebido. Trata-se do perfil dos músicos brasileiros envolvidos. Nahim Marun, Hugo Pilger e Ney Fialkow são, além de solistas e cameristas, professores universitários e pesquisadores. Um perfil menos comum do que deveríamos ter por aqui: o de intérpretes de alto nível que estão aptos também a pesquisar, escrever e falar de forma relevante sobre aspectos da obra de um compositor. É só tendo perfis de músicos como esses que conseguiremos gravar e editar com qualidade o vasto repertório inédito de música brasileira, dando-lhes potencial de difusão internacional.
No caso específico das obras vocais, vale lembrar que as canções brasileiras de câmara são ainda mais desconhecidas. Além de Santoro, as canções de Camargo Guarnieri ou mesmo as de Villa-Lobos (para ficar em apenas dois exemplos), são pouco exploradas em seu conjunto. Para se ter uma ideia, Santoro possui cerca de 60 canções com piano; Camargo Guarnieri, mais de 200. Além de extensas, são produções consistentes e que necessitam de divulgação.
O Brasil não tem um número tão expressivo de cantores com carreira internacional como tem de pianistas, por exemplo. Por isso é tão importante que um cantor com a qualidade e projeção profissional do barítono Paulo Szot grave um disco com canções brasileiras. Paulo é um magnífico intérprete e realizou um trabalho minucioso: como um artesão, lapidou cada frase, cada palavra, sem nunca perder a noção do todo. Com cantores como ele (e circundado por intérpretes com trabalhos de pesquisa sérios como os de Nahim Marun e Hugo Pilger), as canções brasileiras podem ter uma chance de finalmente se espraiar pelo mundo – e pelo Brasil – com o reconhecimento que merecem.
O CD ‘Claudio Santoro: a obra para violoncelo’ está disponível no Loja CLÁSSICOS
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