Ao tratar a transição na Orquestra Experimental de Repertório como mero ato burocrático, Fundação Theatro Municipal demonstra ignorância em relação à importância do trabalho e das conquistas do maestro Jamil Maluf
Em 1990, após mais de 10 anos de um reconhecido trabalho frente à Orquestra Jovem do Theatro Municipal de São Paulo, o maestro Jamil Maluf liderou a criação da Orquestra Experimental de Repertório (OER), corpo artístico do Theatro Municipal. Diferentemente da Jovem, que o maestro entende como um grupo de formação, a OER é a ponte que faz a passagem do estudante à carreira profissional. O conceito veio de uma visita que Jamil Maluf fez à Sinfônica de Chicago, onde ficou fascinado com um projeto de profissionalização de músicos promovido pela Civic Orchestra. Quando a OER comemorou 20 anos, em 2010, Camila Fresca escreveu uma reportagem na Revista CONCERTO, em que o maestro relembrava: “Quando voltei ao Brasil, comecei a escrever um projeto que guarda algumas semelhanças com aquele, porém adaptado à realidade brasileira. Isso inclusive do ponto de vista de repertório, pois a Civic faz um repertório bastante tradicional, e eu queria um grupo que viesse propor coisas novas.”
Três décadas depois, não restam dúvidas: a Orquestra Experimental de Repertório percorreu uma trajetória vitoriosa, distinguindo-se pela diversidade de projetos, ampliação de repertórios, pelas óperas e pelo elevado nível artístico alcançado.
Com a Orquestra Experimental de Repertório, Jamil Maluf foi pioneiro ao abordar novos autores e obras – do popular ao contemporâneo – e ao desenvolver criativos programas de intersecção da música com as outras artes. Entre as séries que a OER realizou estão ciclos como o Música em Cena, Outros Sons, Cinema em Concerto e Ópera Estúdio. Marcaram a história da Experimental e do Theatro Municipal de São Paulo algumas óperas como o grande sucesso João e Maria, de Humperdinck, Os pescadores de pérolas, de Bizet, O menino e os sortilégios, de Ravel, ou O chapéu de palha de Florença, de Nino Rota, para citar apenas algumas.
Mas a vocação da orquestra não é apenas a de difundir música de qualidade interagindo com novos públicos. Pois aquele propósito de servir de ponte para o estudante avançado alcançar a vida profissional, a OER realizou de maneira exemplar. São centenas de instrumentistas espalhados pelo Brasil que passaram pelas estantes da Orquestra Experimental de Repertório. E todos eles, com certeza, incorporaram ensinamentos que definem suas carreiras, desde a técnica instrumental, passando pelo rigor interpretativo, até a ambição de excelência.
Em sua carreira de mais de 40 anos no Theatro Municipal de São Paulo, Jamil Maluf também ocupou, entre os anos de 2005 e 2009, o cargo de diretor artístico. Sua gestão se distinguiu por uma inédita visão institucional, em que o maestro soube enxergar o teatro para além de seu projeto pessoal. Prova disso é o empenho dispendido para a implantação da Central Técnica de Produção – coração de qualquer teatro de ópera. Depois de sua gestão, a prioridade CTP voltou a ser engavetada em algum escaninho perdido do Theatro Municipal...
Até que, na última sexta-feira dia 10 de junho, João Luiz Sampaio, editor executivo da Revista CONCERTO, encontrou no Diário Oficial da Cidade de São Paulo a ata da reunião do Conselho Deliberativo da Fundação Theatro Municipal, do dia 17 de maio, que informa sobre a nomeação da maestra Alba Bomfim para a sucessão do maestro Jamil Maluf na direção da Orquestra Experimental de Repertório. Portanto, no dia 1º de julho, após mais de 30 anos de dedicação e trabalho, o maestro Jamil Maluf deixará a direção e regência titular da orquestra.
Se é legítima a alteração no comando da Experimental e se nesse sentido a nomeação de Alba Bomfim é uma ótima notícia, a maneira como se dá essa transição – tratada pela Fundação Theatro Municipal como mero ato burocrático – é lamentável. Não houve nenhuma manifestação pública, nenhum comunicado oficial, nem mesmo um release para a imprensa. Pelo ineditismo e repercussão da história da OER, é muito pouco ler nas linhas frias do Diário Oficial que a secretária municipal de Cultura “ressaltou a qualidade do trabalho feito pelo maestro Jamil Maluf”. Desculpe, é muito pouco e demonstra a ignorância da FTM em relação à importância do trabalho e das conquistas do maestro Jamil Maluf!
Esta personalidade íntegra, de raro talento musical, de responsabilidade, que enfrentou todas as dificuldades e venceu todas as barreiras para construir um projeto sinfônico original – projeto que logrou unir, com reconhecido sucesso, desde sempre, a difusão, a formação, a oportunidade para todos, a diversidade e a busca por novos públicos –, merece muito mais. O maestro Jamil Maluf merece ser condecorado, merece um cargo honorário, merece ao menos um grande concerto em sua homenagem, em que o Theatro Municipal e a comunidade musical possam expressar o seu agradecimento.
Vivas ao maestro Jamil Maluf!
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Comentários
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Como membro do primeiro…
Como membro do primeiro quadro de músicos da Orq. Experimental de Repertório lamento a notícia