Osesp erra ao suspender transmissões on-line

por Nelson Rubens Kunze 20/10/2020

Se a abertura da Sala São Paulo ao público é segura e necessária como afirmam os gestores da orquestra e as autoridades do Estado, é lamentável que ela tenha levado à suspensão das transmissões ao vivo que vinham sendo feitas

Não tenho dúvidas de que é necessário retomar a atividade econômica de São Paulo e do Brasil. Hoje, as curvas de contaminação indicam uma consistente tendência de queda e a retomada das atividades certamente alavancará uma maior circulação de bens e serviços – fundamental também para a estrutura econômica e para o futuro do país –, contribuindo assim para aliviar a situação de uma grande parcela da população. 

Encontrar o melhor equilíbrio – o ponto em que a circulação de pessoas seja a maior possível para fomentar a resposta econômica sem contudo ultrapassar o limite de segurança que garanta o controle da pandemia – é o desafio dos gestores e autoridades no mundo inteiro. Não é fácil. E a única baliza que há são os dados estatísticos e as afirmações da ciência.

E, claro, a cultura também entra nessa conta. São milhões de pessoas direta ou indiretamente envolvidas nas chamadas economias criativas, que vão desde escritórios de design até os nossos concertos sinfônicos.

Uma das principais e mais organizadas orquestra do país, a Osesp, retomou na semana passada os seus concertos presenciais, isso é, com público. Com rigorosos protocolos sanitários que vão desde tapetes desinfetantes até o já trivial uso de máscaras, a Osesp garante provavelmente o maior nível de proteção possível dentro dessas condições. Para atender o distanciamento social, apenas 480 dos 1.500 lugares da Sala São Paulo foram disponibilizados. E, para oferecer o programa para todos os seus assinantes, a Osesp planejou 6 concertos, 2 por dia, o que resulta em 2.880 lugares. É uma complexa força tarefa, com equipes cuidando de todos os detalhes, o que inclui também a desinfecção da sala entre os espetáculos.

Os resultados de público após a primeira semana do novo esquema de temporada, contudo, ficaram bem abaixo do esperado. Apenas em média cerca de 100 pessoas assistiram a cada um dos concertos. É provável que esse número cresça, mas, no momento, apesar de todas as medidas adotadas, o público assinante, em grande parte pertencente ao grupo de risco, preferiu não comparecer. 

Se a abertura da Sala São Paulo ao público é segura e necessária como afirmam os gestores da orquestra e as autoridades do Estado, é lamentável que ela tenha levado à suspensão das transmissões on-line ao vivo que vinham sendo feitas. São pelo menos duas questões muito claras que apontam o equívoco. 

Primeiro, em razão do novo esquema de temporada ser acessível apenas para assinantes, criando uma reserva indesejada para um bem que é público (interessados não assinantes apenas conseguem um ingresso se houver desistências informadas com antecedência). 

E, em segundo lugar, pelo desperdício que significa um programa de alto nível – realizado por uma orquestra sinfônica em 6 concertos, com um maestro internacional, sob condições extremamente onerosas –, ficar restrito apenas a um público muito reduzido.

Primeiro concerto presencial da Osesp, após mais de 200 dias (divulgação / Mariana Garcia)
Primeiro concerto presencial da Osesp, após mais de 200 dias (divulgação / Mariana Garcia)

Na época da implantação da nova Osesp, há 20 anos, reclamávamos da necessidade da transmissão dos concertos pela rádio Cultura. Naquele tempo, a orquestra afirmava que as condições técnicas oferecidas pela rádio não atendiam às exigências de qualidade da orquestra. Não sei se melhoraram as condições técnicas ou se a Osesp alguma hora reconheceu a abrangência de seu papel como difusor do patrimônio clássico, fato é que, há muitos anos, acertadamente, a rádio Cultura transmite os concertos multiplicando dezenas de vezes a audiência da orquestra.

Também no caso atual a Osesp deveria decidir pelo interesse público e voltar com as transmissões on-line. Se é verdade que o resultado técnico das transmissões da Osesp pela internet ainda não tenha alcançado o nível que se espera desse grupo de excelência, há exemplos pelo Brasil que podem servir de modelo, como o da Filarmônica de Minas Gerais ou o da Sala Cecília Meireles.

O mundo atravessa uma das maiores crises da história da humanidade e a nossa atividade deve participar para a sua superação. O momento é de colaboração e solidariedade. Não há espaço para discursos inflamados que confundem cuidado, responsabilidade e espírito público com medo ou covardia. É preciso levar em conta, que as pessoas que decidem ficar em casa também contribuem para o enfrentamento da crise, pois, ao não circularem, evitam a propagação da pandemia. Nosso inimigo comum é um vírus, que vai ser vencido no tempo, com ciência e paciência. Infelizmente, como mostra o recrudescimento das infecções do coronavírus na Europa, a guerra ainda não terminou.

Os gestores e autoridades avaliam que há segurança para a volta dos concertos e sem dúvidas é elogiável a competência com que a Osesp tem administrado esse retorno. Seria desejável, contudo, que fosse revista a decisão de suspender as transmissões on-line, que, além de oferecerem a possibilidade de fruição ampla e universal, dariam acesso ao concerto a todos aqueles assinantes que decidem ficar em casa.

[Há médicos e especialistas que recomendam que pessoas do grupo de risco (pessoas acima de 60 anos, portadores de doenças crônicas como diabetes e hipertensão, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, entre outras) não devem ir a concertos, teatros, cinema ou espaços fechados com aglomeração.]

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Comentários

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Não apenas pelo compromisso público de uma orquestra estatal, mas para fortalecimento da marca, alcance e formação de novos públicos, e para ir além das fronteiras de São Paulo. Eu sou de Porto Alegre e já havíamos redefinido nosso programa de sexta à noite em casa. Uma pena essa decisão, além de pouco simpática com quem apoiava as transmissões, nesse tempo de estarmos perto da forma possível. Tomara que contornem as eventuais barreiras e revejam a decisão.

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