Após 10 anos, Teatro Nacional Claudio Santoro será parcialmente reaberto; Sala Villa-Lobos ganha projeto acústico de qualidade

por Nelson Rubens Kunze 29/08/2024

Faltam apenas serviços de acabamento na Sala Martins Pena e a expectativa é de que ela seja reinaugurada ainda este ano; próxima etapa da reforma prevê requalificação acústica da Sala Villa-Lobos, sede da orquestra sinfônica

Dez anos após ter sido fechado em razão de problemas de segurança, o Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília, deve em breve voltar à vida. Conforme notícia da Agência Brasília do Governo do Distrito Federal (GDF), a reforma da infraestrutura da Sala Martins Pena, uma das três salas do Teatro Nacional, está praticamente concluída, restando agora apenas os trabalhos de pintura, paisagismo e mobiliário. Há a expectativa de que a sala, que comporta cerca de 400 espectadores, seja reaberta ainda neste ano. 

Conforme informa o governo, há um investimento de R$ 70 milhões para a obra da Sala Martins Pena, que é a primeira etapa da reforma do teatro. “Estamos na fase de acabamento, com pintura, forração e restauração” afirma o secretário de Cultura e Economia Criativa, Claudio Abrantes, na matéria. E acrescenta: “As cadeiras estão compradas. Realmente são os detalhes finais”. Os dois painéis do artista plástico Athos Bulcão, instalados no foyer e na Sala Martins Pena, também passarão agora por um trabalho de restauro. 

Obras na Sala Martins Pena (divulgação, Paulo H. Carvalho, Agência Brasília)
Obras na Sala Martins Pena com o painel de Athos Bulcão na lateral esquerda (divulgação, Paulo H. Carvalho, Agência Brasília)

 

A reforma completa do Teatro Nacional Claudio Santoro compreenderá ainda a Sala Villa-Lobos, que tem 1.400 lugares e é a sede da orquestra sinfônica, a Sala Alberto Nepomuceno (95 lugares), o Espaço Dercy Gonçalves e o Anexo.

A construção do Teatro Nacional de Brasília, projeto original de Oscar Niemeyer com colaboração do pintor e cenógrafo Aldo Calvo, começou em 1960, mas precisou de mais de 20 anos até que fosse concluída, em 1981. Em 1989, com a morte do compositor Claudio Santoro, fundador e então regente da orquestra sinfônica do teatro, o prédio passou a se chamar oficialmente Teatro Nacional Claudio Santoro. 

O complexo é formado pela Sala Villa-Lobos, o foyer Villa-Lobos, a Sala Martins Pena, o foyer Martins Pena, a Sala Alberto Nepomuceno, o Espaço Cultural Dercy Gonçalves e o Anexo, projetado e construído mais tarde, por Milton Ramos. O edifício tem a forma geométrica de uma enorme pirâmide sem ápice e ocupa uma área de cerca de 43 mil m², incluindo o Anexo. Sua face externa é revestida, nas laterais, por um painel formado de blocos de concreto criado por Athos Bulcão, em 1966. 

Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília, com o relevo de Athos Bulcão (wikicommons, Daderot)
Fachada do Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília, com o relevo de Athos Bulcão à esquerda (wikicommons, Daderot)

 

Projeto de reforma prevê cuidadosa requalificação acústica da Sala Villa-Lobos

Também a Sala Villa-Lobos, sede da Orquestra Sinfônica, passará por uma modernização. O espaço sempre teve uma grave deficiência acústica, reconhecida pelo próprio Oscar Niemeyer. Agora, o novo projeto de reforma oferece uma excelente oportunidade para que os problemas acústicos sejam finalmente sanados, e é essa a intenção da empresa Solé Associados, responsável pela reforma do teatro. Conversei longamente com o diretor presidente Ismael Geraldo Acunha Solé e com a diretora executiva Antonela Petrucci Solé, incumbidos da tarefa, que me falaram também do grande desafio de desenvolver um projeto de reforma para um edifício tombado como patrimônio cultural, e que respeite e esteja à altura do desenho original de Niemeyer. 

A Solé Associados é uma reconhecida empresa para o planejamento e concepção de teatros, tendo participado de projetos com o da Sala São Paulo e da Sala Minas Gerais. Em 2013, ela foi contratada – por meio de uma licitação pública – para elaborar o projeto de readequação e modernização do Teatro Nacional. Na época o teatro ainda estava aberto, o que possibilitou a empresa de fazer uma detalhada análise com a Sala Villa-Lobos em operação real, tanto de sua acústica como de sua acessibilidade. Para isso, foram utilizados os mais modernos equipamentos tecnológicos disponíveis então. 

Por meio de métodos científicos, que envolvem também medições das ondas sonoras, foi possível identificar o principal problema acústico da sala, que é a sua geometria física. O espaço tem uma largura excessiva fazendo com que as ondas sonoras não sejam rebatidas de forma adequada. Além disso, o forro tem um desenho indesejável – que não é do projeto original –, que suprime o som. Esse problema estrutural acaba ainda potencializado por materiais impróprios utilizados, como carpetes e forrações. 

A partir desse diagnóstico, a Solé ouviu especialistas de diversas áreas para apresentar uma solução que resolvesse os principais problemas encontrados, tanto de acústica como de acessibilidade. O projeto elaborado na época – foram dois anos de trabalhos – foi então aprovado pelo Iphan, que é o órgão responsável pela defesa do patrimônio histórico. Contudo, como o governo não realizou a reforma naquele momento, as aprovações do Iphan caducaram e o projeto prescreveu.

Com o novo interesse do GDF em finalmente – após 10 anos – retomar as obras e devolver o TNCS para a população, a Solé foi novamente acionada para reavaliar o projeto e então reapresentá-lo para a aprovação do Iphan. Para o novo estudo, o escritório avaliou novas práticas e tendências restaurativas – inclusive uma solução eletroacústica que capta o som original e o redireciona por meio de caixas acústicas –, mas concluiu que, basicamente, o projeto de reforma desenvolvido em 2013, aquele que na época fora aprovado pelo Iphan, ainda era o melhor e mais aconselhado. Apenas alguns novos materiais tecnologicamente mais avançados foram incorporados.

Conforme a Solé, uma das preocupações centrais em projetos de reforma de arquitetura autoral é a de garantir que a leitura e a percepção do projeto original sejam mantidas. Na Sala Villa-Lobos, para o seu redimensionamento geométrico, paredes refletoras acústicas com os mesmos desenhos assimétricos das paredes laterais originais serão erguidas ao lado delas, de modo a diminuir a largura total da sala. Uma das preocupações é a de valorizar os painéis artísticos de Athos Bulcão, que ornam as laterais originais da sala. Na solução proposta, no vão criado entre a parede original e a nova parede refletora – que servirá de circulação para o público em um declive com degraus –, a obra de Bulcão ganha grande destaque. E para que ela seja também vista de dentro da Sala, as novas paredes refletoras preveem rasgos de vidro translúcido. Os arquitetos lembram que essas paredes refletoras acústicas são removíveis – ou seja, se um dia assim for desejado, a sala poderia ser revertida novamente à volumetria original.

Com o forro, a questão da manutenção do desenho original não se coloca, pois o forro construído não é aquele que consta do projeto de Oscar Niemeyer. De qualquer maneira, a intervenção foi cuidadosa e apenas no sentido de garantir uma boa reflexão acústica.

Os especialistas garantem que com o novo projeto a sala apresentará uma propagação sonora adequada garantindo uma acústica de qualidade. Ao mesmo tempo, a solução proposta, por ser o menos interferente possível, preserva a identidade do desenho original de Oscar Niemeyer.

Imagem digital do Foyer Sala Villa-Lobos do projeto da Solé Associados (reprodução)
Imagem digital do Foyer Sala Villa-Lobos do projeto da Solé Associados (reprodução)

 

Imagem digital do acesso lateral com a obra de Athos Bulcão do projeto da Solé Associados (reprodução)
Imagem digital do acesso lateral com a obra de Athos Bulcão do projeto da Solé Associados (reprodução)

 

Imagem digital da Sala Villa-Lobos do projeto da Solé Associados (reprodução)
Imagem digital da Sala Villa-Lobos do projeto da Solé Associados (reprodução)

 

Comunidade musical se mobiliza em apoio à qualificação acústica da Sala Villa-Lobos

O novo projeto da Solé Associados será apresentado para a aprovação do Iphan nesta sexta-feira, dia 30 de agosto. Em apoio ao novo projeto, músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro lançaram um manifesto com um abaixo-assinado reivindicando “uma acústica qualificada na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro” (clique aqui para acessar). 

O documento afirma que havia um projeto acústico original, feito na década de 1970, assinado por Lothar Cremer, engenheiro que projetou a sala da Orquestra Filarmônica de Berlim. “Acredita-se, porém, que problemas econômicos impediram a realização do projeto acústico original para a Sala Villa-Lobos”, diz o manifesto. 

Há uma expectativa no ar. Após 10 anos fechado, o Teatro Nacional Claudio Santoro está sendo reformado e o projeto prevê a desejada qualificação acústica da Sala Villa-Lobos. 

Oxalá o Teatro Nacional de Brasília projetado pelo gênio de Oscar Niemeyer possa em breve servir também para a apresentação com boa qualidade acústica da obra dos grandes mestres que homenageia em seu nome – Alberto Nepomuceno, Heitor Villa-Lobos e Claudio Santoro!

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Teatro Nacional Claudio Santoro (divulgação, Paulo H. Carvalho, Agência Brasília)
Teatro Nacional Claudio Santoro em obras (divulgação, Paulo H. Carvalho, Agência Brasília)

 

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