TIRADENTES (MG) – Depois de dois anos encontrando formas alternativas de realizar o evento – como concertos sem público, transmissões on-line e uma programação reduzida – o Festival Artes Vertentes, realizado anualmente em Tiradentes, voltou com tudo em sua 11ª edição. O mote [In]dependências organiza uma programação intensa e diversificada em torno do bicentenário da Independência do Brasil, do centenário da Semana de Arte Moderna e das difíceis questões que o país tem a enfrentar nos dias atuais.
A abertura aconteceu na última quinta-feira, dia 17, no final da tarde, com a exposição “Ainda que tardia: Brasil futuros” e uma apresentação coral do grupo de musicalização da Ação Cultural Artes Vertentes – uma ação contínua que envolve mais de cem crianças num projeto que oferece oficinas de artes visuais e música, incluindo aulas de iniciação musical e um coral.
À noite, o poeta mineiro Edimilson de Almeida Pereira, professor e pesquisador da cultura e da religiosidade afro-brasileiras, fez uma performance literária no palco Padre Toledo, e na sequência o pianista Amaro Freitas realizou seu show, primeira atração musical do evento. Amaro nasceu no Recife, tem 31 anos e é um artista muito interessante. Trabalha com um pouco de livre improvisação, mas principalmente com improvisação jazzística, na qual inclui elementos da música brasileira, especialmente nordestina. Usa o piano de forma bastante percussiva e inclui em sua performance técnicas estendidas, piano preparado, sons pré-gravados e o uso da voz de forma pouco convencional. Tem três discos lançados que têm recebido elogios da crítica internacional.
Descoberta do Brasil
A histórica cidade de Tiradentes foi tombada em 1938, sendo portanto uma das primeiras iniciativas do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan (atualmente Iphan), fundado em 1936 graças à ação direta do modernista Mário de Andrade. Ele e outros colegas também estiveram na cidade ao lado do poeta francês Blaise Cendras em 1924, naquela que ficou conhecida como a “viagem de descoberta do Brasil”, pelos modernistas.
Assim, nada mais oportuno que travar discussões que foram e continuam sendo cruciais para definirmos que nação somos e, principalmente, a que queremos ser. Essa macro ideia permeou a primeira mesa do Ciclo de Ideias, na sexta-feira, dia 18. Intitulada “Terras indígenas, guerras de invasão”, tratou da questão indígena e do meio-ambiente a partir de falas de indivíduos que, mais do que refletir sobre, “vivem” essas questões em seu dia-a-dia: o artista Ricardo Siri, que realiza um trabalho com abelhas nativas brasileiras, o indígena e escritor Cristino Wapichana e a jornalista Eliane Brum.
Cristino, natural de Roraima, fez uma fala forte mostrando como a sociedade brasileira possui um desconhecimento sobre os povos (e não “tribos”) indígenas e sobre retratos preconceituosos que historicamente foram se cristalizando de um tipo idealizado e irreal de indígena, aí incluso o clássico Macunaíma, de Mário de Andrade. Terminou mostrando que, se os indígenas de todo o mundo são de fato os maiores protetores da Terra, essa luta é de reponsabilidade de todos.
Eliane Brum falou via videoconferência diretamente de Altamira, no Alto Xingu, uma das cidades mais queimadas e desmatadas da Amazônia, mas também, segundo ela, de muita resistência. Começou ressaltando que as eleições nos tiraram de um cenário catastrófico e nos colocaram em um “muito difícil”, e que na Amazônia garimpeiros e madeireiros aproveitam os momentos finais do atual governo para seguir em destruição máxima. Lembrou que os maiores responsáveis pelo colapso climático são um pequeno grupo de homens brancos bilionários do norte global e que estamos em meio a uma guerra da qual não se pode fugir, apenas escolher de que lado lutar.
O dia seguiu com a abertura de duas exposições. “Retratos modernistas do Brasil” impressiona pelas obras que reúne, de três artistas cujos trabalhos estiveram presentes na Semana de 22: Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Vicente do Rego Monteiro. Ao lado deles, autores importantes influenciados pelo movimento, como José Pancetti e Guignard. A curadoria é de Luiz Gustavo Carvalho, diretor artístico do Artes Vertentes.
Já a bela “Cordéis de nossa história” revela ao público como tem sido frutífero o trabalho do festival com as crianças de Tiradentes. Coube a elas criar cordéis e xilogravuras a partir da história de personagens históricos e também de pessoas próximas que são importantes para a comunidade tiradentina.
Na sequência, no mesmo Centro Cultural Yves Alves, onde se encontram as exposições, “Ecos de uma semana que sacudiu o Brasil” discutiu o modernismo através da poesia, com a leitura de obras pelos autores Edimilson de Almeida Pereira, Prisca Agustoni, Ricardo Domeneck e André Capilé.
O primeiro concerto do festival encerrou a segunda noite do evento. “Quando o norte é o sul!” reuniu obras evocativas do sul da Europa e do sul da América. Luiz Gustavo se uniu a jovens músicos num repertório com obras de Albéniz, Debussy, Villa-Lobos e Piazzolla. Dois jovens pianistas, Mattheus Versiani e Isadora Rezende, foram selecionados como bolsistas para o Artes Vertentes a partir de uma parceria com o festival de piano Saramenha, realizado pela primeira vez este ano, em Ouro Preto, pelo pianista Cristian Budu.
Foi ótimo conhecer o trabalho de músicos como a violinista portuguesa Sofia Leandro, de som límpido e excelente técnica, que ao lado de Luiz Gustavo tocou a dificílima Sonata nº 3 de Villa-Lobos, obra escrita às vésperas da Semana de Arte Moderna. Ou ainda conferir a musicalidade e expressividade do violista Iberê Carvalho, que junto de Mattheus Versiani interpretou o Grand Tango de Piazzolla. Também é animador ver o talento de jovens como Isadora Rezende, que tocou a quatro mãos com Luiz Gustavo. Com apenas 16 anos, sua energia e talento tem um quê da diva Martha Argerich.
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