O Brasil possui uma das maiores vozes líricas da atualidade – e não é possível ignorar isso. Não poderia haver encerramento mais adequado à simbólica temporada de 2022 – de retomada após à pandemia, e também de recuperação da esperança no futuro – do que o magnífico recital do sopranista Bruno de Sá no Theatro São Pedro, em São Paulo, na última sexta, dia 16 (e que pode ser assistido aqui).
Bruno está na capa da Revista CONCERTO de dezembro – e não é para menos. Afinal, quantos cantores líricos brasileiro gravaram álbuns solo por multinacionais da indústria fonográfica? Sá está rodando o planeta para lançar Roma Travestita, pela Erato, pertencente à Warner Classics – e teve a generosidade de incluir o Brasil em seu roteiro.
E que casa poderia ser melhor para esse reencontro com o país natal que o Theatro São Pedro, cuja Academia de Ópera acolheu e ajudou a moldar o raro talento do artista numa época em que “sumidades” da música antiga e do canto lírico ainda teimavam em lhe fazer restrições?
Restrição foi o que não se viu no São Pedro nesta noite memorável. Os ingressos foram esgotados por um público caloroso, que aplaudiu Bruno como estrela antes ainda que ele emitisse a primeira nota. E ele retribuiu a acolhida da plateia com entrega, generosidade – e excelência.
Da ornamentação, especialmente, ele faz um uso suntuoso, aproveitando as reprises das árias para enchê-las de passagens de agilidade e sobreagudos cristalinos, em que seu timbre cintila gloriosamente
Roma Travestita concentra-se em um período em que, na atual capital da Itália, mulheres eram proibidas de subirem aos palcos – e, consequentemente, seus papéis eram assumidos por cantores do sexo masculino, os célebre castrati.
Raro, o repertório do álbum inclui oito primeiras gravações dentre suas treze árias. O único compositor realmente conhecido do grande público é o sacerdote veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741). Os demais são fenômenos de nicho: foram lançados pela posteridade em uma obscuridade da qual o disco superlativo do cantor brasileiro pode ajudar a resgatar.
Infelizmente, não foi possível ter por aqui o incandescente grupo de instrumentos de época Il Pomo d’Oro, que neste ano mesmerizou o público paulistano no concerto do contratenor polonês Jakub Józef Orlínski, e acompanha Bruno em seu disco. No São Pedro, ele atuou com um grupo ad hoc, de músicos locais.
Sá iniciou-se na música antiga com um dos mais flamejantes instrumentistas desta área que o Brasil produziu, o saudoso cravista Nicolau de Figueiredo, e tem atuado na Europa com o primeiríssimo time desta área, tendo sido apadrinhado por ninguém menos do que o superlativo contratenor Philippe Jaroussky. Seu senso de estilo, assim, não poderia ser mais apurado, e a vibrante poética de afetos do século XVIII reverbera gloriosamente em sua voz. Da ornamentação, especialmente, ele faz um uso suntuoso, aproveitando as reprises das árias para enchê-las de passagens de agilidade e sobreagudos cristalinos, em que seu timbre cintila gloriosamente.
Pois Bruno não vem se anunciando como contratenor, e sim como sopranista. Isso não é excesso de preciosismo, nem jogada de marketing. Seu registro vocal é efetivamente mais agudo do que o dos contratenores, e ele canta como soprano. Mas soprano de vocalidade uniforme, com médios robustos e plena ressonância nos graves, inclusive quando emprega a assim chamada “voz de peito”. Some-se a isso uma capacidade expressiva privilegiada e uma presença de palco carismática, e não é difícil de compreender que estamos diante de um artista completo.
Como sintetizou o maestro Ira Levin, que estava presente à apresentação: “os teatros deveriam perguntar a ele que ópera quer fazer, e encená-la”. O que você acha da ideia, Bruno?
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Comentários
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O Bruno de Sá, hoje…
O Bruno de Sá, hoje representa Mundialmente nas Salas de Concertos, uma voz esplêndida, que por ser Brasileiro Nato, leva o nome de nosso País, nosso reconhecimento é de APLAUSOS merecidos a esse Jovem talento que chegou na Final do Prelúdio em 2017 na Sala São Paulo.