Grupo voltado para a criação musical dos séculos XX e XXI, Orquestra Inhotim apresentou-se em São Paulo
Em todo o mundo, teatros de ópera e orquestras sinfônicas buscam novos públicos e investem em programas que criem novas conexões com as comunidades em que estão inseridas. É bom que seja assim. Há poucos recursos e, em razão da música clássica ser absolutamente dependente do apoio estatal, é necessário que ela seja explorada também em seu enorme potencial de criação, de educação e, por que não, de promoção social. Assim, são realizadas academias, estúdios de ópera, concursos, encomendas de novas partituras ou concertos populares para formação de público.
Outra estratégia de trazer a música clássica para mais perto de nosso dia a dia – e de derrubar os preconceitos que rondam a atividade (leia-se, o seu suposto “elitismo”) – é a de buscar articulações dela com outras as artes. A dança, o teatro e o cinema talvez sejam as áreas mais imediatas, mas também há a interação da música com as artes plásticas. E aí chegamos a uma das mais gratas inciativas dos últimos anos, que é o investimento que o Museu Inhotim tem feito na área da música clássica.
Assisti na sexta-feira, dia 25 de outubro, ao concerto da Orquestra Inhotim no Theatro São Pedro. Trata-se de um grupo de cordas formado por músicos profissionais e mantido pelo Museu Inhotim, o espetacular parque botânico e museu localizado na cidade de Brumadinho, a cerca de 60 quilômetros de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A orquestra tem como regente o maestro Leandro Oliveira, conhecido do público paulistano pelo “Falando de música”, as palestras introdutórias que fez durante muitos anos para os concertos da Osesp.
Em 2023, Oliveira assumiu a coordenação de todo o trabalho musical desenvolvido pelo museu – além da orquestra, há uma escola de música e o Quarteto Inhotim. O repertório ali abordado dialoga com as obras de artes plásticas do museu, como o maestro explicou no início do ano, quando foi anunciada a temporada: “os artistas que expõem nos jardins do Inhotim realizam em suas obras parte das tantas inquietações de um mundo complexo, multifacetado e hiperconectado. Por quais caminhos a música de nosso tempo responde a tais perplexidades?”
Dentre as várias tendências da música dos séculos XX e XXI – eventualmente bastante hermética e experimental –, Leandro Oliveira tem o cuidado de escolher obras que resultam em uma programação atraente e acessível. Pelo menos foi isso que ouvimos no concerto do Theatro São Pedro.
A apresentação se iniciou com uma obra de Jorge Villavicencio Grossmann (nascido em 1973), peruano que se formou no Brasil e atualmente está radicado nos Estados Unidos. La sombra es un pedazo que se aleja é inspirada em um poema de escritor chileno Vicente Huidobro e foi escrita originalmente para quarteto de cordas e depois rearranjada para a formação de uma orquestra de cordas. Notas longas e uma serenidade de harmonias meio sombrias marcam a obra, que no todo tem um caráter bastante estático.
Seguiu-se Entr’acte, da compositora norte-americana Caroline Shaw (1982), que em 2013 venceu o Prêmio Pulitzer (com a peça a cappella Partita a 8 vozes) e em 2022, o Grammy para a melhor composição de música clássica (por Narrow Sea). Entr’acte explora novos sons dos instrumentos de cordas – extraindo com o arco ruídos no violino, por exemplo –, e possui também passagens em pizzicatto de bonito efeito. A obra termina com um solo do primeiro violoncelo, em notas dedilhadas que vão lentamente se perdendo.
A terceira obra do programa foi In memoriam, do compositor brasileiro Eduardo Frigatti (1985), radicado na Polônia. Escrita em 2019, a peça é inspirada na canção de natal “Spy, Isuse, spy” (dorme, Jesus, dorme), muito comum no leste da Polônia e na Ucrânia, e que normalmente é interpretada só por coro feminino. Estruturada em seções distintas, a obra inicia de modo bem ritmado para então desenvolver uma rica malha harmônica em que se ouvem melodias nos diferentes naipes. Sobressai um caráter melancólico em um resultado muito interessante.
A penúltima obra do programa foi a estreia de Futuro(s), da franco-brasileira Elodie Bouny (1982), obra para violão solista, percussão e cordas, uma encomenda do Instituto Inhotim. Bouny dedicou a composição ao escritor Ailton Krenak. Conforme a nota do programa, Elodie afirma que “o violão solista conversa como a orquestra e simboliza o Homem, que tem voz singular, em frente à massa orquestral que vem acompanhando-o – e, por ora, enfrentando-o também”. Assim é que passagens do violão solista dialogam com a orquestra e eventualmente dão espaço a interlúdios orquestrais. A escrita é tonal e bastante violonística, e a parte do violão recebeu uma convicta interpretação de Fabio Zanon.
Para finalizar, a Orquestra Inhotim tocou Company, do compositor norte-americano Philip Glass (1937). Trata-se da versão para orquestra de câmara de seu Quarteto de cordas nº 2, escrito em 1983 como música incidental para um poema da Samuel Becket. Composta em 4 movimentos, a obra tem apelo e em diversas passagens desenvolve típicos motivos minimalistas.
Formada por 25 músicos, a Orquestra Inhotim, sob a regência competente do maestro Leandro Oliveira, fez boa performance e evidenciou também a qualidade de seus integrantes, como da spalla Laura von Atzingen e do primeiro violoncelo William Neres. A orquestra, que hoje deve ser o único grupo estável dedicado exclusivamente à interpretação da música de nossos dias em nosso país, sem dúvida tem potencial para crescer ainda mais. E o melhor: interagindo e levando música de qualidade a um ambiente das artes plásticas e a um público novo, em um museu de reconhecimento internacional.
Parabéns ao Inhotim e parabéns a sua orquestra. Música nova para novos públicos!
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Comentários
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Concerto ímpar!Cumprimentos…
Concerto ímpar!Cumprimentos ao maestro e à orquestra.