No final da semana passada, a notícia começou a se espalhar rapidamente: estava extinta a Orquestra Filarmônica de Goiás. A resposta também foi rápida: o Instituto Música e Arte de Goiás soltou um comunicado oficial negando o fim do grupo e avisando que ele passará apenas por uma reestruturação. E, no sábado, o governador Ronaldo Caiado foi às redes sociais confirmar seu comprometimento com a manutenção da filarmônica.
Era tudo fake news? Não para os cinquenta músicos da orquestra.
Há uma sutileza semântica. Não se pode dizer que eles foram demitidos, afinal nunca estiveram de fato contratados. Tinham contratos provisórios – e ilegais. Portanto, o termo “demitido” está errado. O certo é dizer que seus contratos não foram renovados.
Seja como for, estão todos sem emprego. Na rua. Sem salário. Durante uma pandemia.
Justiça seja feita: o governo prometeu a todos eles que, em fevereiro, serão recontratados. E, com a reestruturação proposta, em um regime muito mais seguro, com o estabelecimento de um contrato de gestão com uma OS.
Mas isso não muda o fato de que a decisão da semana passada era uma bola já cantada. Se não antes, pelo menos desde o início de 2019 já se sabia que o modelo empregado não se sustentava. O que foi feito? Essa é uma resposta que o governo não deu.
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A Orquestra Filarmônica de Goiás foi criada em 2012 e logo ganhou espaço no cenário nacional. Sob o comando do britânico Neil Thomson, que desde então tem se apresentado em todo o Brasil (rege esta semana mais uma vez a Osesp), inovou na forma e no conteúdo. Criou diferentes séries de concertos (no palco, na rua, em bares de Goiânia), apresentando obras nunca ouvidas no Brasil e com uma abertura à música nova que muitas orquestras brasileiras, sabe-se lá por qual motivo, ainda não têm.
Seus projetos de gravação são testemunho de um olhar diferente para o repertório, em especial o nacional: depois de gravar peças pouco ouvidas de Guerra-Peixe, a filarmônica embarcou no registro da integral das sinfonias de Claudio Santoro.
O teatro, de 2 mil lugares, estava lotado e lá fora não foram poucos os que precisaram voltar para casa por não terem conseguido entrar.
Estive em Goiânia para conhecer o projeto em julho de 2015. E o que me impressionou foi a multidão à espera de um ingresso para assistir à orquestra no Centro Cultural Oscar Niemeyer. O teatro, de 2 mil lugares, estava lotado e lá fora não foram poucos os que precisaram voltar para casa por não terem conseguido entrar.
A orquestra também realizou turnês, viajando pelo país e tornando-se forte candidata a grande novidade do meio musical brasileiro, parecendo repetir o sucesso, anos antes, da recém-criada Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.
Do ponto de vista da gestão, porém, há uma outra história a ser contada.
Em 2015, os planos eram claros: criar um modelo de gestão sustentável para a orquestra. E a previsão era de que isso acontecesse já em 2016, com o estabelecimento de um contrato de gestão entre o governo do estado de Goiás e uma organização social, dando segurança jurídica aos músicos e às temporadas.
Foi preciso esperar um pouco mais. O primeiro contrato de gestão foi assinado em junho de 2017. A duração era de quatro anos, mas em julho de 2018 a parceria foi rompida, com estado, OS e orquestra descontentes a respeito de como o trabalho vinha sendo realizado. Tentou-se então um novo contrato, mas no início de 2018, com a troca de governo, a filarmônica voltou a ser gerida pelo estado.
Isso levou a um problema: a contratação dos músicos por meio de contratos temporários, o que não seria permitido por lei, segundo um parecer do início de 2019 do Tribunal de Contas do Estado de Goiás. Os músicos, diz o documento, não poderiam ter cargos de comissão, o que só se justificaria, “para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado”.
A filarmônica também perdeu verbas, teve sua equipe de produção reduzida de doze para três pessoas, viveu incerteza na programação de concertos e uma série de atrasos nos pagamentos de cachês
Era preciso encontrar outra solução, possivelmente um novo chamamento público para uma gestão via organização social. Mas nada foi feito. Em vez disso, a orquestra começou a passear pela estrutura do governo. Ao longo de sua história, já pertenceu à Secretaria de Educação, à estrutura do Centro Cultural Oscar Niemeyer (ligado à Secretaria de Cultura) e, em agosto, passou a integrar a Goiás Turismo.
Durante esse período, a filarmônica também perdeu verbas, teve sua equipe de produção reduzida de doze para três pessoas, viveu incerteza na programação de concertos e uma série de atrasos nos pagamentos de cachês para artistas convidados.
No início de setembro, a justiça decidiu enfim que os contratos temporários já não poderiam ser mais renovados. Em troca, o governo resolveu manter duas gravações, uma em dezembro e outra em janeiro, pelas quais pagaria cachês aos músicos.
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É claro que a expectativa é de que a situação atual leve de fato à conscientização a respeito da criação de um modelo que funcione. É o desejo da equipe da orquestra, de seus músicos, de todo o meio musical, imagino. Mas, para tanto, é preciso cobrar o lançamento do edital de chamamento de OS para a gestão da filarmônica, na expectativa de que ele aconteça sem percalços e rapidamente. Um processo, sabemos, nada banal.
No Brasil de hoje, não são poucos os absurdos que diariamente são normalizados. Talvez seja uma questão de sobrevivência, uma tentativa de encontrar alguma racionalidade em tempos tão assustadores. Mas, em especial nessas horas, é bom chamarmos as coisas pelos nomes que elas têm. A Orquestra Filarmônica de Goiás hoje não existe. Não tem músicos. Não tem equipe. Não tem maestro. É um nome.
Até que isso mude, é preciso ficar de olho no que acontece em Goiás.
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Comentários
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Deprimente. É realmente…
Deprimente.
É realmente inaceitável a incompetência como os assuntos relacionados à cultura são tratados por nossos governantes.
Imaginar a excelente orquestra e seu maravilhoso trabalho de divulgação de compositores brasileiros, sob a liderança do excelente maestro Neil Thomson não resultar em nada, é profundamente revoltante.
Deprimente é pouco.
No Centro-Oeste existe uma…
No Centro-Oeste existe uma orquestra que funciona no mais alto nivel profissional trazendo musica de alta qualidade a regiao. Tenho pela OFG e cada um de seus musicos imenso carinho e admiracao; conto com todos nos e com os mais esclarecidos dirigentes goianos para protege-los nesse momento de turbulencia cultural. E quero registrar tambem meu agradecimento comovido ao brilhante trabalho musical que nosso querido Neil Thomson vem desenvolvendo.