Soprano Carla Cottini canta Orfeu e Eurídice, de Gluck, com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
A soprano paulistana Carla Cottini carrega um sobrenome italiano que, somado à pele morena e aos olhos e cabelos escuros, revela a origem familiar mediterrânea. “Meus bisavôs eram de Florença e do Vêneto”, conta, por telefone, em meio aos preparativos para Rigoletto. “Vai ser meu primeiro Verdi”, diz, no aquecimento para a temporada de julho, subindo à cena no Theatro Municipal de São Paulo para encarnar sua primeira Gilda, detentora de uma das árias mais conhecidas do mundo lírico: Caro nome. Carla protagonizou em abril o Elixir do amor, de Donizetti, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, numa montagem em que Adina carregava mochilas e usava meia soquete e tênis: a ambientação do diretor Pablo Maritano evocava uma high school americana.
A avó da cantora era pianista diplomada, a mãe cursou balé clássico, mas nenhuma das duas seguiu carreira nas artes. Carla também calçou as sapatilhas de ponta e vestiu tutus, mas cantava Mozart junto com os discos e localiza já na infância a paixão pelo teatro. “Minha família não acreditava nessa história de ser artista. Na adolescência, ia escondida para as aulas de teatro!” Ao mesmo tempo, ela se voltava a outros estilos de dança, como o jazz, e não demorou a se candidatar ao primeiro papel num musical, em 2007: fez audição para My Fair Lady, com direção de Jorge Takla. “Eu era uma menina, não tinha experiência e passei para ser swing, ou seja, teria que descorar 13 papéis para substituir qualquer um deles. Foi um susto! No entanto, ali bati o martelo: é no palco que vou viver.” Ao mesmo tempo, cursava administração de empresas. “Meu trabalho final foi um business plan de uma escola de teatro e música!”, ela ri. Jorge Takla, que dirigiu Carla naquele primeiro musical e agora no Verdi, se lembra da jovem como uma profissional “extremamente séria”. Hoje, confirma a impressão: “Ela tem uma imensa inteligência cênica e se prepara com afinco”.
A entrada no mundo da música clássica e da ópera também teve ingredientes inesperados. Quatro meses antes das provas do Concurso de Canto Maria Callas de 2011, decidiu se inscrever. Não sabia nada de teoria musical, não sabia nem mesmo ler partitura. “Eu me preparei e ganhei o prêmio revelação no concurso. Duas semanas depois, segui para Valência, na Espanha, a fim de fazer pós-graduação em interpretação operística.” Entre idas e vindas Espanha-Brasil, Carla cantou em O morcego, fez Zerlina em Don Giovanni no Municipal de São Paulo (“Neschling abriu audições e me despenquei para cá”, recorda ela), Despina em Così fan tutti, Susanna em As bodas de Fígaro, com incursões na música sinfônica e na música de câmera, ao lado do grande amigo Ricardo Ballestero. “A liberdade e o espaço para improvisação em um duo como o que fazemos, Ricardo e eu, é apaixonante.”
No segundo semestre de 2019, Carla abraça o que chama de “paixão de alma”: o barroco. Já no início de agosto, canta no Festival Vermelhos, em Ilhabela, o que define como “antologia que vai de Monteverdi a Mozart”, ao lado da soprano lírica Ana Schwedhelm. No fim do mês, estará na montagem de Orfeu e Eurídice no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, dentro da programação da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, com direção de William Pereira, regência de Evandro Matté e a companhia de Denise de Freitas. O pulo de Verdi a Gluck não a assusta: “Sou soprano lírico ligeiro coloratura e, depois de cantar uma Gilda, encarar o repertório barroco, que tem extensão bem menor, é tranquilo. Adoro a ópera italiana, quero ir para essa linha, mas claro que ainda não vou cantar Tosca. E quero muito encarar o repertório francês; Manon é um sonho, só que me exijo muito no nível do texto e da interpretação. Só faço ópera francesa quando falar muito bem o idioma”.
O idioma do momento é o alemão: depois de uma temporada na Itália, Carla se radicou em Berlim em setembro do ano passado, um desejo que nasceu quando cursou a Berlin Opera Academy no verão de 2017. “Estou me defendendo bem no alemão.” A decisão também foi quase intempestiva: “Eu me guio pela intuição e sei para onde quero ir. Aprendo muito com grandes cantoras como Anna Netrebko e a espetacular técnica da Nadine Sierra, que vi agora quatro vezes seguidas em Berlim”, mas destaca: “adoro especialmente Ermonela Jaho, mega artista”.
AGENDA
Ensemble Barroco
Carla Cottini – soprano
Fernando Cordella – regente
Dia 3, Ilhabela (São Paulo)
Ópera Orfeu e Eurídice, de Gluck
Orquestra Sinfônica de Porto Alegre
Evandro Matté – regente
William Pereira – direção cênica
Dias 24 e 25, Theatro São Pedro de Porto Alegre