A vida de Gioacchino Rossini

por Camila Fresca 01/09/2013

“Depois da morte de Napoleão, surgiu outro homem do qual se fala todos os dias em Moscou e em Nápoles, em Londres e em Viena, em Paris e em Calcutá. A glória desse homem conhece apenas os limites da civilização, e ele não tem 32 anos! Vou tentar traçar um esboço das circunstâncias que, tão jovem, colocaram-no nessa altura.” É dessa forma que Stendhal inicia, em 1824, Vida de Rossini. À época, o escritor francês era apenas um obscuro autor de 40 anos, enquanto Rossini, pouco passado dos 30, era um compositor famosíssimo. O livro foi publicado poucos meses antes da chegada de Rossini a Paris e tornou-se o maior sucesso editorial da vida de Stendhal, dando-lhe fama imediata. A segunda edição de Vida de Rossini saiu no mesmo ano e, pouco tempo depois, foram feitas versões em alemão, inglês e italiano. As palavras de Stendhal e o sucesso do livro dão uma ideia da enorme fama que Rossini desfrutava desde muito jovem.

Gioacchino Rossini nasceu em 1792, na cidade italiana de Pesaro. A família era humilde – seu pai era músico, e sua mãe, lavadeira e cantora amadora, se apresentava com trupes ambulantes. Já aos 6 anos de idade, seu nome consta na relação de músicos da banda da guarda cívica de Pesaro, na qual tocou triângulo recebendo remuneração. Sua infância foi passada em meio às incertezas políticas, já que Pesaro passava das mãos do governo papal para o da República Cisalpina, a depender dos resultados das constantes batalhas e tratados. O pai de Rossini, um republicano, era simpático à Revolução Francesa e chegou a ser preso em 1799. Nessa época, a mãe levou o pequeno Gioacchino a Bolonha, onde o menino ficou sob cuidados de sua avó, enquanto os pais partiram para uma vida errante de músicos. 

Dois cônegos locais deram a ele as primeiras aulas de canto. Aos 12 anos, Rossini substituiu de última hora um dos cantores da trupe de seus pais, fazendo sua estreia no teatro. A família acabou por se estabelecer em Bolonha e o futuro compositor foi estudar música seriamente. Aos 15 anos, escreveu Seis sonatas a quatro, ancorado em técnicas que havia aprendido examinando partituras de Haydn e Mozart. Em 1810, com 18 anos e já farto dos estudos, deixou o Liceo Musicale quando o Teatro San Mosè de Veneza encomendou-lhe uma farsa musical. Rossini, que já havia escrito algumas comédias bufas, compôs La cambiale di matrimonio

Desde então, ficou claro que Rossini havia encontrado seu caminho. Compunha com uma facilidade desconcertante – em um intervalo de 17 anos escreveu cerca de quarenta óperas, sendo que mais da metade permanece no repertório. Seguiram-se a La cambiale di matrimonio óperas de sucesso variável, até que, em 1813, as estreias de Tancredo e L’italiana in Algeri deram ao compositor de 21 anos fama internacional e o status de ídolo da ópera italiana, com árias de sua autoria sendo cantadas pela população em locais públicos. De 1813 a 1823, não passou um ano sem que Rossini estreasse ao menos uma ópera. Para ficar apenas nos sucessos entre as mais de vinte que compôs no período, podem-se mencionar Il turco in Italia; Elisabetta, regina d’Inghilterra; La gazza ladra; La cenerentola; La donna del lago; e Semiramide

Em 1815, Rossini foi convidado para ser o diretor musical dos teatros San Carlo e Fondo, ambos em Nápoles. Ele deveria compor uma ópera por ano para cada um e receberia o pagamento de duzentos ducados por mês, mais uma porcentagem do que fosse faturado nas mesas de jogo. Era um acordo extremamente lucrativo para qualquer músico daquele tempo. E, em meio a tantas bonanças, Rossini ainda escreveria sua mais famosa ópera em 1816, aos 24 anos. O barbeiro de Sevilha estreou no dia 20 de fevereiro no Teatro Argentina, em Roma. O libreto baseava-se na peça de mesmo nome, de Pierre Beaumarchais. Embora alguns admiradores de Giovanni Paisiello (1740-1816) tenham ficados indignados por Rossini se basear no mesmo argumento já trabalhado pelo compositor napolitano, as tentativas de sabotar a ópera falharam e o sucesso esmagador fez que o nome O barbeiro de Sevilha ficasse para sempre associado à obra de Rossini.

A sequência de sucessos levou-o não apenas a toda a Itália, mas também a ser recebido com pompa em outras cidades da Europa. Em 1822, Rossini conheceu Beethoven, em Viena. A jovem celebridade de 30 anos encontrava o lendário compositor que, aos 51 anos, estava totalmente surdo e com a saúde debilitada. A comunicação foi feita por escrito e conta-se que Beethoven teria afirmado: “Ah, Rossini! Então você é o compositor de O barbeiro de Sevilha. Quero parabenizá-lo. Ela será tocada enquanto existir ópera italiana. Nunca tente escrever nada além da ópera bufa; qualquer outro estilo seria uma violência a sua natureza”. 

Nesse mesmo ano, Rossini se casou com a renomada cantora Isabella Colbran. E, dois anos depois, em 1824, se estabeleceria em Paris por conta de um convite para dirigir o Teatro dos Italianos (foi pouco antes de sua chegada que Stendhal lançou Vida de Rossini). Para se ter uma ideia de seu sucesso em solo francês, o rei Charles X propôs a Rossini um generoso contrato para escrever cinco óperas ao ano. E, ao final, receberia uma generosa pensão vitalícia. Rossini permaneceu em Paris até 1829 (o contrato foi revogado por conta da Revolução de Julho de 1830), mesmo ano em que escreveu Guilherme Tell.

Guilherme Tell foi a última ópera de Gioacchino Rossini e marcou sua aposentadoria do meio musical. O compositor tinha 37 anos, possuía uma posição excepcional no mundo da ópera, mas era também um homem esgotado física e mentalmente. Ele retornou à Itália e, vez por outra, era tomado pela vontade de compor. Iniciou seu Stabat Mater em 1832, mas só foi concluí-lo dez anos depois. Em 1855, mudou-se novamente para Paris, mantendo um salão no qual reunia um animado círculo musical, tendo recebido Wagner. Ainda assim, seu relativo silêncio de 1832 até sua morte faz que sua biografia pareça a narrativa de duas vidas: uma de vitórias galopantes e velocidade vertiginosa; outra de reclusão, com o cultivo de pequenos prazeres. Sua última composição importante foi a Petite Messe Solennelle, de 1863, feita para ser executada no salão parisiense de um banqueiro. Rossini morreu em 1868, de pneumonia, em sua casa de campo em Passy, nas proximidades de Paris.

Como se pode imaginar, em uma produção operística de tal volume nem tudo é genial ou original. A abertura de O barbeiro de Sevilha, por exemplo, já havia sido utilizada em duas óperas anteriores, e o mesmo se aplica a diversas árias. Rossini seria, ao mesmo tempo, um autor fecundo e “preguiçoso”, que iniciava as encomendas recebidas a pouco tempo da data de entrega. Para o pesquisador Jean-Francois Labie, o ponto forte de sua produção não estava na caracterização dos personagens nem no jogo sutil dos coloridos de clima e ambientação. O irresistível de suas obras, líricas ou bufas, encontra-se no “élan quase furioso que emana da aceleração rítmica e dos célebres crescendi tão típicos da música rossiniana. Tudo e todos parecem estar sempre correndo nessas obras meio caóticas compostas às pressas. Essa permanente urgência, que é a marca de fábrica da ópera rossiniana, constitui também um de seus principais encantos”.

Gioacchino Rossini [Reprodução]
Gioacchino Rossini [Reprodução]

Linha do tempo

1792
Nasce na cidade italiana de Pesaro, em 29 de fevereiro 

1800
Muda-se para Bolonha. Recebe as primeiras aulas de canto

1804
Aos 12 anos, faz sua estreia no teatro, substituindo um cantor

1810
Com 18 anos, abandona os estudos no Liceo Musicale de Bolonha e compõe seu primeiro sucesso operístico, La cambiale di matrimonio

1813
Estreiam outras duas óperas de sucesso: Tancredo e L’italiana in Algeri

1815
É convidado para ser o diretor musical dos teatros San Carlo e Fondo, ambos em Nápoles

1816
Aos 24 anos, Rossini compõe seu maior sucesso, O barbeiro de Sevilha

1822
Conhece Beethoven em Viena; casa-se com a cantora Isabella Colbran

1824
Muda-se para Paris, onde vive por cinco anos, desfrutando de enorme prestígio

1829
Escreve sua última ópera, Guilherme Tell; volta a viver na Itália e “se aposenta” da vida musical

1855
Muda-se novamente para Paris, onde viverá até sua morte

1842
Conclui o Stabat Mater

1868
A 13 de novembro morre em Passy, nos arredores de Paris, de pneumonia. É enterrado no cemitério Père Lachaise, mas, em 1887, a pedido do governo italiano, seus restos mortais são enviados à Basilica di Santa Croce, em Florença